Organização de defesa dos
direitos humanos Amnistia Internacional divulga relatório no 70º aniversário da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa, o balanço é misto.
Os sinais de abertura em Angola,
sob a liderança do Presidente João Lourenço, no que toca à liberdade de
expressão, dão alguma esperança à organização de defesa dos direitos humanos
Amnistia Internacional.
"Há esse otimismo",
afirma Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, em
entrevista à DW África. "Estamos expectantes para perceber se o país vai
mesmo adotar a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação e o
multipartidarismo como um costume interno e se começa a haver equilíbrio da
sociedade civil e dos partidos políticos para fazerem o seu trabalho de uma
forma saudável e democrática".
Neto sublinha, no entanto, que,
em Angola, "os mais pobres continuam a ter falta de acesso a tudo",
sobretudo nas áreas da saúde, da educação, alimentação e habitação,
considerados os quatro pilares dos direitos económicos e sociais fundamentais.
Mavungo: Não há melhorias em
Cabinda
Abordado sobre tais direitos, o
ativista José Marcos Mavungo olha para a situação em Angola com reticências.
Segundo Mavungo, as mudanças em Cabinda tardam a chegar, o que contrasta com os
sinais de abertura dados pelo Presidente angolano João Lourenço.
"As pessoas não podem
reclamar, não podem organizar-se em associações dos Direitos Humanos, não podem
dar opiniões. São simplesmente perseguidas, presas e julgadas", denuncia
Mavungo. "É uma situação absurda, porque João Lourenço diz que está a mudar
Angola, mas Cabinda continua [a ser] uma espinha retardada. A vontade de mudar
Cabinda, a vontade de diálogo, de ir ao encontro das populações e de entender a
sua difícil situação, resolver os seus problemas, [está] longe de ser
realidade."
Mavungo faz alusão à manifestação
que não se realizou este sábado (08.12) em Cabinda, ao contrário do que aconteceu
na capital angolana, contra a alta taxa de desemprego que afeta sobretudo
os jovens. E lamenta o facto do encontro do Presidente angolano, na semana
passada em Luanda, com elementos da sociedade civil não ter abarcado
organizações não-governamentais daquele território a norte de Angola.
Mais grave ainda, acrescenta, é
que, depois deste recente encontro
do Presidente angolano com a sociedade civil, há pessoas que continuam a
ser presas e torturadas em Cabinda, a exemplo do que aconteceu neste
fim-de-semana com quatro jovens entre os organizadores da manifestação contra o
desemprego juvenil: "Foram interpelados pela polícia, levados para a esquadra
Papa Ngoma e depois para a investigação criminal. E, neste momento, não têm
direito a visitas", adianta Marcos Mavungo.
O ativista considera que se deve
lutar para que se crie uma Comissão da Verdade em Cabinda, "porque, neste
momento, ainda existem crimes políticos que não podem ser debatidos."
Amnistia lamenta recuos em
Moçambique
Em entrevista à DW, à margem do
"Fórum Coragem", realizado este domingo (09.12) em Lisboa, no
âmbito das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, Pedro Neto, da Amnistia Internacional, faz igualmente o ponto da
situação noutros Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP). Aponta como "preocupante" o caso de Moçambique.
"Há pessoas que estão
a sofrer
perseguições. Há desaparecidos. Durante o ano de 2018 - e já vinha de trás,
durante o ano 2017 - houve um escalar de tensões entre fações políticas, que é
preciso resolver. O trabalho político não deve ser feito com milícias armadas.
Tem de ser feito nos espaços de diálogo e de debate."
No relatório divulgado sobre
direitos humanos divulgado esta segunda-feira, a Amnistia Internacional dá nota
negativa a Moçambique por causa da imposição
de taxas a jornalistas e meios de comunicação, uma ação que a organização
entende ser uma tentativa de travar o trabalho independente.
Situação na Guiné-Bissau
Já a Guiné-Bissau - refere Neto -
não assinala grande evolução, considerando que "está a adiar-se o arranque
do desenvolvimento económico e social para fazer os cidadãos saírem da pobreza
extrema, em consequência da crise política contínua".
Dias depois da recente deslocação
do Presidente guineense, José Mário Vaz, a Malabo, Pedro Neto lembra que, na
Guiné Equatorial, ainda há registos de violação dos direitos humanos. Indica
como exemplos a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação e a questão
da pena de morte, "que está em moratória desde que o país entrou para a
CPLP".
A prática da mutilação
genital feminina, chamada de excisão, ainda é um problema de violação dos
direitos das mulheres, nomeadamente na Guiné-Bissau.
Em Portugal, a Associação
Mulheres Sem Fronteiras, trabalha com as comunidades africanas e portuguesas
sobre esta problemática: "Começamos a trabalhar um contexto de direitos
humanos, da igualdade, e sempre com a possibilidade, quer os rapazes quer as
raparigas, de nos dizerem quais são os temas que lhes interessam trabalhar. Efetivamente,
uma das questões [abordadas] sempre é a necessidade de abordar esta
temática", afirma Alexandra Alves Luís, da organização. "Tenho que
dizer que, normalmente, as comunidades da Guiné-Bissau são as comunidades mais
ativas e mais interessadas no combate a esta prática."
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe
Quanto a Cabo Verde e São Tomé e
Príncipe, nota que ambos os países vivem problemas de uma transição política,
igualmente com enormes desafios. "É preciso, em Cabo Verde , trabalhar
para garantir que as questões dos direitos sociais e económicos sejam cada vez
mais mitigadas", avisa. Por outro lado, acrescenta, "há também a
questão das alterações climáticas, que é um desafio muito grande para Cabo
Verde, principalmente no acesso à água potável e água para o regadio".
Por sua vez, em São Tomé e Príncipe tem de
fazer o caminho para que a imprensa "não seja amordaçada e asfixiada por
más condições económicas e financeiras". De acordo com Pedro Neto,
"se nos falta uma imprensa que seja livre e faça o seu trabalho, nós não
teremos acesso à verdade e a democracia, assim como os direitos humanos estarão
postos em causa."
Segundo o diretor executivo da
Amnistia Internacional Portugal, no arquipélago estão a ser desenvolvidos
'clusters' económicos e é necessário que esta não seja a via "para
enriquecer uma minoria" enquanto "a população em geral continua a ter
falta de acesso àquilo que é essencial". Um problema que diz ser também de
Portugal, onde "os ricos são cada vez mais ricos" e "os direitos
fundamentais não são acessíveis à toda a gente."
Entre os pontos destacados no
relatório deste ano da Amnistia Internacional sobre os direitos humanos no
mundo, a organização lembra a contínua opressão das mulheres em muitos países,
quando apenas 17% dos chefes de Estado, a nível global, são do sexo feminino. O
mesmo relatório dá conta da degradação da situação dos refugiados e aponta as
prisões arbitrárias que ainda se registam em África como uma preocupação.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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