Nesta entrevista ao jornal
Liberty, em 1932, Hitler diz: 'Nos meus planos para o Estado alemão, não haverá
lugar para os estrangeiros, os perdulários, os usurários, os especuladores ou
qualquer um que não seja capaz de fazer um trabalho produtivo'
Opera Mundi publica, nesta
semana, um especial sobre fascismo - contado pelos próprios fascistas. São
discursos e entrevistas de Adolf Hitler (Alemanha), António Salazar (Portugal),
Francisco Franco (Espanha), Rafael Videla (Argentina), Benito Mussolini (Itália),
Emílio Garrastazu Médici (Brasil) e Philippe Pétain (França) que mostram como
estas figuras pensavam as sociedades que governavam e justificavam os atos de
seus regimes.
Adolf Hitler (1889-1945), o
ditador alemão, nasceu na Áustria, filho de um oficial de alfândega. Ainda
estudante, sonhava em se tornar arquiteto ou pintor – mas seu insucesso
acadêmico o levou à política. Com a Primeira Guerra Mundial deflagrada, ele se
alistou no Exército da Baviera. Condecorado por heroísmo, Hitler terminou os combates
na condição de inválido: atingido por um ataque de gás, perdeu parte de sua
visão. Frustrado com a derrota bélica, atribuída por ele aos judeus e aos
socialistas, fundou o Partido Alemão Nacional-Socialista dos Trabalhadores. Em
1923, participou do putsch da cervejaria de Munique, numa tentativa de golpe de
Estado contra o governo republicano da Baviera. Encarcerado durante nove meses,
Hitler aproveitou esse período para ditar seu credo político, o Mein Kampf (Minha
Luta), para Rudolf Hess. Depois de sua libertação, ele começou a atrair o
interesse popular para as ideias nazistas, manipulando a paranoia antissemita,
utilizando recursos de propaganda e construindo uma coalizão de trabalhadores,
empresários e senhores do campo. Em 1933, um ano depois de ter sido derrotado
nas eleições presidenciais, foi nomeado chanceler da Alemanha. Novas eleições
gerais foram convocadas e o partido de Hitler chegou ao poder. Hitler se
suicidou com sua amante, Eva Braun, em 1945, quando as tropas russas se
preparavam para invadir seu bunker em Berlim, nos derradeiros dias da Segunda
Guerra.
George Sylvester Viereck já havia
entrevistado Adolf Hitler em 1923, quando ele ainda era um obscuro personagem
da vida política europeia. Naquela oportunidade, Viereck anotou: “Este homem,
se sobreviver, fará história, para o bem ou para o mal”.
Quando eu dominar a Alemanha, vou
pôr fim ao bolchevismo em nosso país e às homenagens a ele no exterior.” Adolf
Hitler bebeu todo o conteúdo da xícara como se não fosse chá, mas o sangue dos
bolcheviques.
“O bolchevismo”, continuou o
chefe dos camisas-marrons, dos fascistas alemães, olhando-me ameaçador, “é a
nossa grande ameaça. Quando o bolchevismo na Alemanha estiver morto, setenta
milhões de pessoas voltarão ao poder. A França deve toda a força que tem não
aos seus exércitos, mas às forças do bolchevismo e à dissensão entre nós. O
Tratado de Versalhes e o Tratado de Saint-Germain sobrevivem graças ao
bolchevismo na Alemanha. O Tratado de Paz e o bolchevismo são cabeças do mesmo
monstro. Temos que decapitá-las.”
Quando Adolf Hitler anunciou esse
programa, o advento do Terceiro Reich ainda parecia distante. Com o tempo, o
poder de Hitler foi crescendo a cada eleição. Embora incapaz de tirar
Hindenburg da presidência, Hitler, no momento, lidera o maior partido da
Alemanha. A não ser que Hindenburg instaure medidas ditatoriais ou que os
acontecimentos tomem um rumo inesperado e frustrem todas as atuais previsões, o
partido de Hitler conquistará o Reichstag e dominará o governo. Hitler não
lutou contra Hindenburg, mas contra o chanceler Brüning. Será difícil para o sucessor
de Brüning manter-se no poder sem o apoio dos nacional-socialistas.
Muitos dos que votaram em
Hindenburg estavam, no íntimo, do lado de Hitler, mas um senso de lealdade
arraigado impeliu-os, entretanto, a votar no velho marechal-de-campo. A não ser
que um novo líder apareça do dia para a noite, não há ninguém na Alemanha, com
exceção de Hindenburg, capaz de derrotar Hitler – e Hindenburg tem 85 anos! Só
o tempo, a obstinação da luta francesa contra Hitler, algum erro cometido por
ele próprio ou uma dissensão nas fileiras do partido pode privá-lo da
oportunidade de desempenhar o papel de Mussolini da Alemanha.
O Primeiro Império alemão chegou
ao fim quando Napoleão forçou o imperador austríaco a renunciar à coroa
imperial. O Segundo Império terminou quando Guilherme II, a conselho de
Hindenburg, procurou refúgio na Holanda. O Terceiro Império está emergindo aos
poucos, mas com firmeza, embora talvez dispense cetros e coroas.
Encontrei Hitler não em seu
quartel-general, a Casa Marrom em Munique, mas no seu próprio lar – a
residência de um almirante reformado da Marinha alemã. Discutimos o destino da
Alemanha bebendo chá.
“Por que”, perguntei a Hitler, “o
senhor se diz um nacional-socialista, já que o programa do seu partido é a
própria antítese do que geralmente se acredita ser o socialismo?”
“O socialismo”, replicou
agressivo, deixando de lado a xícara de chá, “é a ciência de lidar com o
bem-estar geral. O comunismo não é o socialismo. O marxismo não é o socialismo.
Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Vou tirar o
socialismo dos socialistas. “O socialismo é uma antiga instituição ariana e
alemã. Nossos ancestrais alemães tinham algumas terras em comum. Cultivavam
a ideia do bem-estar geral. O marxismo não tem direito de se disfarçar de
socialismo. O socialismo, diferentemente do marxismo, não repudia a propriedade
privada. Diferentemente do marxismo, ele não envolve a negação da personalidade
e é patriótico. Poderíamos ter chamado nosso partido de Partido Liberal.
Preferimos chamá-lo de Nacional-Socialista. Não somos internacionalistas. Nosso
socialismo é nacional. Exigimos o atendimento das justas reivindicações das
classes produtivas pelo Estado com base na solidariedade racial. Para nós, o
Estado e a raça são um só.”
O próprio Hitler não é um alemão
puro. Os cabelos escuros denunciam a presença de algum ancestral alpino.
Durante anos, ele se recusou a ser fotografado. Era parte de sua estratégia –
ser conhecido apenas pelos amigos para que, em um momento de crise, pudesse
aparecer em qualquer lugar sem ser descoberto. Hoje em dia, ele não poderia
mais passar despercebido pela mais obscura das aldeias da Alemanha. Sua
aparência cria um contraste estranho com a agressividade de suas opiniões.
Nenhum outro reformista de maneiras tão suaves afundou um navio do Estado ou
cortou gargantas na política.
“Quais são os princípios
fundamentais da sua plataforma?”, continuei meu interrogatório. “Acreditamos em
uma mente sã em um corpo são. A nação tem que ser sadia para que a alma também
o seja. Saúde moral e física são sinônimos.” “Mussolini”, interrompi, “disse-me
a mesma coisa.”
Hitler sorriu. “Os bairros miseráveis”,
acrescentou, “são responsáveis por nove décimos, e o álcool, por um décimo de
toda a depravação humana. Nenhum homem saudável é marxista. Os homens saudáveis
reconhecem o valor da personalidade. Lutamos contra as forças da desgraça e da
degeneração. Se fizermos uma comparação, a Baviera é saudável porque não está
completamente industrializada. No entanto, toda a Alemanha, incluindo a
Baviera, está condenada à industrialização intensiva pelo tamanho reduzido do
nosso território. Se quisermos salvar a Alemanha, temos que nos assegurar de
que os fazendeiros continuem fiéis à terra. Para tanto, eles precisam ter
espaço para respirar e para trabalhar.”
“Onde o senhor encontrará espaço
para trabalhar?”
“Precisamos manter nossas
colônias e expandir em direção ao leste. Houve um tempo em que podíamos dividir
o domínio do mundo com a Inglaterra. Agora, só podemos expandir-nos em direção
ao leste. O Báltico é necessariamente um lago alemão.”
“A Alemanha”, perguntei, “não
poderia reconquistar o mundo do ponto de vista econômico sem expandir seu
território?”
Hitler moveu a cabeça, negando
com veemência.
“O imperialismo econômico, assim
como o imperialismo militar, depende de poder. Não pode haver comércio mundial
em larga escala sem poder mundial. Nosso povo não aprendeu a pensar em termos
de poder e comércio mundiais. Entretanto, a Alemanha não pode expandir o seu
comércio e o seu território até reconquistar o que perdeu e encontrar-se.
“Estamos na mesma situação de um
homem que perde a casa em um incêndio. Ele precisa ter um teto antes de
entregar-se a planos mais ambiciosos. Conseguimos criar um abrigo de emergência
que nos mantinha protegidos da chuva. Não estávamos preparados para o granizo.
Entretanto, infortúnios caíram sobre nós. A Alemanha vive sob uma verdadeira
tempestade de catástrofes nacionais, morais e econômicas.
“Nosso sistema partidário
desmoralizado é um sintoma de nossa desgraça. As maiorias parlamentares flutuam
ao sabor do vento. O governo parlamentarista abre as portas para o
bolchevismo.”
“O senhor não é a favor de uma
aliança com a União Soviética como alguns militares são, não é verdade?”
Hitler esquivou-se de uma
resposta direta a essa pergunta. Há pouco tempo, ele esquivou-se outra vez
quando o Liberty pediu que respondesse à declaração de Trótski de que a tomada
do poder por Hitler na Alemanha envolveria uma batalha de vida ou morte entre a
Europa, liderada pela Alemanha, e a Rússia Soviética. Hitler talvez não tenha
interesse em atacar o bolchevismo na Rússia. Talvez ele até mesmo considere uma
aliança com o bolchevismo como a última cartada se estiver perdendo o jogo. Se,
como ele insinuou certa vez, o capitalismo recusar-se a reconhecer que os
nacional-socialistas são a última trincheira da propriedade privada, se o
capital impedir a luta deles, a Alemanha pode ser obrigada a jogar-se nos
braços tentadores da Rússia Soviética. Mas ele está determinado a não permitir
que o bolchevismo se estabeleça na Alemanha.
No passado, ele respondeu com
cuidado as tentativas de negociação do chanceler Brüning e de outros que
desejavam formar uma frente política unida. Não é provável que o mesmo ocorra
no momento, em vista do crescimento constante dos votos dos
nacional-socialistas. Hitler estará propenso a fazer acordos sobre quaisquer
princípios básicos com outros partidos.
“As alianças políticas das quais
depende uma frente unida”, observou Hitler, “são muito instáveis. Elas tornam
quase impossível uma política claramente definida. Vejo, por toda parte, o
caminho tortuoso dos acordos e concessões. Nossas forças construtivas são
detidas pela tirania dos números. Cometemos o erro de aplicar a aritmética e a
mecânica do mundo econômico ao modo de vida. Somos ameaçados pelo constante
crescimento dos números e abandonos dos ideais. Meros números não têm importância.”
“Mas vamos supor que a França
faça retaliações contra o senhor, invadindo suas terras mais uma vez. Ela já
invadiu o Ruhr. Poderia invadi-lo de novo.”
“Não importa”, respondeu Hitler
exaltado. “Quantos quilômetros quadrados os inimigos podem ocupar se o espírito
nacional estiver vigilante? Dez milhões de alemães livres, prontos para morrer
para que o país sobreviva, são mais fortes do que cinquenta milhões cuja força
de vontade está paralisada e cuja consciência de raça está infectada por
estrangeiros.
“Queremos uma Alemanha maior, que
una todas as tribos germânicas. Mas a nossa salvação pode começar em uma
pequena região. Mesmo se tivéssemos apenas dez acres de terra, mas estivéssemos
determinados a defendê-los com nossas próprias vidas, os dez acres iriam se
tornar o foco da regeneração. Nossos trabalhadores têm duas almas: uma é alemã
e a outra é marxista. Temos que acordar a alma alemã. Temos que extirpar o
tumor do marxismo. O marxismo e o germanismo são antíteses.
“Nos meus planos para o Estado
alemão, não haverá lugar para os estrangeiros, os perdulários, os usurários, os
especuladores ou qualquer um que não seja capaz de fazer um trabalho
produtivo.”
Hitler franziu o cenho ameaçador.
Sua voz dominou a sala. Ouvimos um barulho na porta. Seus seguidores, que estão
sempre por perto como guarda-costas, lembraram ao líder o seu compromisso de
falar em uma reunião.
Hitler bebeu o chá às pressas e
levantou-se.
George Sylvester Viareck | Opera
Mundi
(*) Esta entrevista foi publicada
no livro 'A Arte da entrevista' (Editora Boitempo, 2004), organizado
por Fábio Altman e com ilustrações de Cássio Loredano. As traduções são de Inês
Antonia Lohbauer, Maria dos Anjos Santos Rouch e Rosanne Pousada. O texto se
encontra entre as páginas 129 e 133.
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