Hortêncio Coxi foi constituído
arguido na sequência de confrontos entre moradores de bairro do Seixal e
agentes da polícia, no domingo. Esta segunda-feira, manifestação contra
violência e racismo acabou em desacatos.
O jovem angolano Hortêncio Coxi,
suspeito de arremessar pedras contra a polícia num incidente ocorrido este
domingo (20.01) entre moradores do Bairro da Jamaica, na margem Sul do rio
Tejo, e agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) saiu em liberdade, mas
foi constituído arguido, depois de ter sido ouvido na segunda-feira, no
Tribunal do Seixal.
Em declarações à DW África, a
família Coxi afirma que vai levar o caso até ás últimas consequências, até que
a justiça seja feita, condenando o comportamento brutal da polícia.
Entretanto, na tarde
de segunda-feira (21.01), quatro pessoas terão sido detidas pela PSP
depois de uma manifestação dos moradores do Bairro da Jamaica na Avenida da
Liberdade, em Lisboa, para dizer "basta" à violência policial e
"abaixo o racismo". A Polícia de Segurança
Pública admitiu que teve de disparar projéteis de borracha "para
o ar", na sequência do apedrejamento de agentes por moradores
do bairro social.
Intervenção da PSP
resulta em confrontos
O protesto teve como motivo a
intervenção policial realizada no domingo de manhã no Bairro da Jamaica. Tudo
começou quando a PSP foi chamada ao bairro devido a desentendimentos entre dois
grupos de mulheres rivais que se encontravam numa festa de aniversário num café
local, conta Hortêncio Coxi: "A dona do estabelecimento, como viu que
aquilo podia dar briga, tirou todo o mundo para fora para acabar com a festa.
Quando todo o mundo estava lá fora (eu estava a três metros, afastado da
confusão) uma das raparigas telefonou à polícia".
De acordo com uma das versões a
circular na imprensa, os agentes da Esquadra de Cruz de Pau e Amora, reforçados
com elementos da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão do
Seixal, terão sido recebidos com arremesso de objetos, o que obrigou ao uso da
força para fazer face ao clima de tensão que se gerou com a presença policial.
Um vídeo amador posto a circular
pouco depois, através das redes sociais, mostra o momento das agressões entre a
polícia e um grupo de moradores do bairro da Jamaica, no Seixal.
Família agredida
Hortêncio, entretanto constituído
arguido e que vai responder em liberdade no âmbito deste processo, foi uma das
vítimas, entre os elementos da família Coxi, com ferimentos na cabeça e na
orelha.
"Um dos agentes empurrou-me,
bati com a coluna num pilar. Quando volto, os outros dois colegas começaram a
dar-me com um bastão de metal. Fui para o chão, começaram a dar-me pontapés.
Quando me levanto, a atirar a mão para tentar arranjar uma maneira de fugir, um
dos meus braços toca na boca de um dos agentes. Quando consegui fugir, eles
foram de novo atrás de mim, apanharam-me e continuaram a bater-me",
descreve.
No meio da confusão envolvendo
outros jovens, a polícia também agrediu Fernando, o pai, e depois Julieta, a
mãe, e uma irmã do jovem, a Aurora, que saíram em defesa de Hortêncio.
"Vejo polícias a bater no
meu filho. Fiz todo o esforço, tive de puxar o miúdo para trás e o polícia
começou a bater-me. Eu perguntei-lhe porquê, não saí com qualquer [objeto] de
defesa na mão: faca, garrafa ou qualquer outra coisa", conta Fernando
Coxi.
Na tarde desta segunda-feira, a
DW África dirigiu-se à Esquadra da Polícia de Cruz de Pau e Amora para obter a
versão das autoridades sobre os acontecimentos, mas sem sucesso. O agente
remeteu-nos para o Núcleo das Relações Públicas do Comando Distrital de Setúbal.
Coxi avançam com queixa
Pouco depois da divulgação do
vídeo nas redes sociais, a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública
anunciou, através de comunicado, que mandou abrir um inquérito para averiguar
internamente os factos da intervenção policial e todas as circunstâncias que a
rodearam. De acordo com a nota, "o inquérito correrá os seus trâmites na
Inspeção Nacional da PSP, sem prejuízo de outras averiguações que venham a ser
instauradas por outras entidades competentes".
A família Coxi, que já denunciou
a violência policial pela voz de Fernando, diz que não vai ficar de braços
cruzados. Vai avançar com uma queixa pelo uso excessivo de força por parte dos
agentes da polícia. "Isso não vai terminar assim, vamos recorrer. Nós
também somos pessoas, não somos animais. Trabalhamos, contribuímos para o
desenvolvimento deste país e eles não nos tratam como seres humanos. Ainda
pensam que continuamos [sob] o jugo deles", afirma o pai de Hortêncio
Coxi.
O advogado da família, José
Semedo Fernandes, que defende Hortêncio Coxi neste caso, fala em
responsabilização dos agentes envolvidos nas agressões: "É de se prever e
é o que nós queremos. Essa responsabilização está em cima da mesa porque não é
o primeiro caso que acontece algo desse género”.
Segundo Semedo Fernandos, os
casos são vários e "a única diferença deste caso para outros casos é que
foi filmado".
"É necessário que haja uma
intervenção musculada por parte da própria instituição e a primeira coisa a
acontecer é reconhecerem que há um problema grave dentro da instituição
[policial] que deve ser resolvido, que é a violência sobre as pessoas que têm
menos rendimentos e que vivem em bairros sociais", diz o advogado.
Comunidade angolana atenta
Ainda no domingo, uma equipa do
Consulado-Geral de Angola, encabeçada por Mário Silva, vice-cônsul para o setor
das Comunidades, deslocou-se ao local dos incidentes para se inteirar do
episódio e prestar apoio à família agredida.
David Gourgel, da Associação
Fórum dos Jovens Angolanos em Portugal (AFJAP), também lamenta o excesso dos
agentes da polícia portuguesa.
"Pretendemos agora que não
haja mais tumultos, quer da parte da força policial quer dos próprios moradores
do bairro da Jamaica. A intenção é passar uma imagem de paz e os tribunais vão
então decidir quem tem razão. O nosso trabalho neste momento é esse",
sublinha.
A SOS Racismo, que se deslocou ao
bairro e ouviu os testemunhos das vítimas e dos cidadãos que presenciaram a
ação dos agentes, também condena veementemente a atuação da PSP e, por este não
ser um caso isolado, defende que as agressões policiais não podem ficar
impunes, classificando-as como "absolutamente injustificáveis e
inaceitáveis" num comunicado divulgado no domingo.
A associação exige o
apuramento das responsabilidades, "independentemente das circunstâncias e
dos contornos em que aconteceu o caso". Perante mais este incidente e para
que se faça justiça, o SOS Racismo fez saber que, nos próximos dias, irá
apresentar queixa ao Ministério Público contra os agentes policiais envolvidos.
João Carlos (Lisboa), Agência Lusa
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