terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A queda de Maduro é boa para quem?


Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Nicolas Maduro é um desastre político e o regime da Venezuela é condenável por se suportar no culto da personalidade, no abuso da autoridade, na burocratização, na corrupção e numa economia rentista, dependente do preço do petróleo.

E, no entanto, o que vejo nos jornais e nas TVs sobre a crise política venezuelana deixa-me cada vez mais certezas de que a oposição a Maduro conduz o país a um desastre, reforça-me a convicção de que a queda de Maduro, nestas condições, prejudica o povo da Venezuela e, sobretudo, aumenta-me o número de perguntas sem respostas.

Porque é que a União Europeia tenta disfarçar o apoio a Juan Gaidó, o autoproclamado "presidente interino" da Venezuela, dando um prazo hipócrita de uma semana para Maduro convocar eleições?

Porque é que o Conselho de Segurança da ONU recusou apoiar Gaidó?

Porque é que a Organização dos Estados Americanos não apoiou o presidente interino?

Porque é que a Rússia e a China recusam alinhar na condenação internacional a Maduro?

Porque é que António Guterres, secretário-geral da ONU, recusou monitorizar as eleições de há oito meses que elegeram Maduro?

Porque é que o dinheiro e o ouro do Estado venezuelano, depositado em bancos europeus, está retido?

Porque é que os países euroamericanos se preocupam tanto com a saúde da democracia na Venezuela, terra de onde jorram 300 mil milhões de barris e petróleo, e ignoram a brutalidade autocrática de outros ricos do petróleo, como, por exemplo, a da monarquia absoluta da Arábia Saudita?

Porque é que vejo na televisão manifestações populares de apoio a Maduro serem descritas como iniciativas da oposição?

Quanto falta para a Venezuela ser invadida?

Porque é que o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, nomeouElliot Abrams para "assessorar" Juan Gaidó? E porque é que este Abrams é suspeito de ter usado esquadrões da morte quando "assessorou" opositores aos regimes da Nicarágua e El Salvador? E porque é que este Abrams é noticiado como um dos mentores, em 2002, da tentativa de derrubar o então presidente da Venezuela, Hugo Chavez, que, tal como agora, passou até pela nomeação de um "presidente interino"?

Porque é que o Brasil de Bolsonaro coordena a oposição da Venezuela no exílio?

Porque é que a Venezuela, apesar da crise, do desgoverno e do boicote internacional, aparece na última lista do Índice de Desenvolvimento Humano(2017) da ONU à frente do Brasil, a nona economia do mundo, em níveis de condições de vida da população?

Porque é que se evita a expressão "golpe de Estado" para descrever o que se passa na Venezuela?

Porque é que o governo português quer a queda de Nicolas Maduro?

Repito: Espanto-me por tantos colunistas portugueses exigirem a queda do regime de Nicolás Maduro sem olharem, um segundo, para a alternativa que está a ser fervida nas manifestações de rua, onde se mistura o banditismo, o golpismo e uma espécie de neofascismo sul-americano com, por outro lado, uma genuína revolta da população urbana contra a prepotência, a corrupção e a incompetência do governo.

Desse caldo contraditório o nascimento de uma democracia é uma probabilidade quase nula: o país arrisca-se antes a uma guerra civil brutal para viabilizar a instauração de uma verdadeira ditadura sanguinária (que o atual regime venezuelano, apesar dos seus defeitos, não é), com a economia entregue a quem financia os atuais "combatentes pela liberdade"...

*Publicado no DN em 30 de Janeiro 2019

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