Pedro Tadeu* | Diário de Notícias
| opinião
Nicolas Maduro é um desastre
político e o regime da Venezuela é condenável por se suportar no culto da
personalidade, no abuso da autoridade, na burocratização, na corrupção e numa
economia rentista, dependente do preço do petróleo.
E, no entanto, o que vejo nos
jornais e nas TVs sobre a crise política venezuelana deixa-me cada vez mais
certezas de que a oposição a Maduro conduz o país a um desastre, reforça-me a
convicção de que a queda de Maduro, nestas condições, prejudica o povo da
Venezuela e, sobretudo, aumenta-me o número de perguntas sem respostas.
Porque é que a União Europeia
tenta disfarçar o apoio a Juan Gaidó, o autoproclamado "presidente
interino" da Venezuela, dando um prazo hipócrita de uma semana para Maduro
convocar eleições?
Porque é que o Conselho de
Segurança da ONU recusou apoiar Gaidó?
Porque é que a Organização dos
Estados Americanos não apoiou o presidente interino?
Porque é que a Rússia e a China
recusam alinhar na condenação internacional
a Maduro?
Porque é que António Guterres,
secretário-geral da ONU, recusou monitorizar as eleições de há oito meses que
elegeram Maduro?
Porque é que o dinheiro e o ouro
do Estado venezuelano, depositado em bancos europeus, está retido?
Porque é que os países
euroamericanos se preocupam tanto com a saúde da democracia na Venezuela, terra
de onde jorram 300 mil milhões de barris e petróleo, e ignoram a brutalidade
autocrática de outros ricos do petróleo, como, por exemplo, a da monarquia
absoluta da Arábia Saudita?
Porque é que vejo na televisão
manifestações populares de apoio a Maduro serem descritas como iniciativas da
oposição?
Quanto falta para a Venezuela
ser invadida?
Porque é que o secretário de
Estado norte-americano, Michael Pompeo, nomeouElliot Abrams para
"assessorar" Juan Gaidó? E porque é que este Abrams é suspeito de ter
usado esquadrões da morte quando "assessorou" opositores aos regimes
da Nicarágua e El Salvador? E porque é que este Abrams é noticiado como um dos
mentores, em 2002, da tentativa de derrubar o então presidente da Venezuela,
Hugo Chavez, que, tal como agora, passou até pela nomeação de um
"presidente interino"?
Porque é que o Brasil de
Bolsonaro coordena a
oposição da Venezuela no exílio?
Porque é que a Venezuela, apesar
da crise, do desgoverno e do boicote
internacional, aparece na última lista do Índice
de Desenvolvimento Humano(2017) da ONU à frente do Brasil, a nona economia
do mundo, em níveis de condições de vida da população?
Porque é que se evita a expressão
"golpe de Estado" para descrever o que se passa na Venezuela?
Porque é que o governo português
quer a queda de
Nicolas Maduro?
Repito:
Espanto-me por tantos colunistas portugueses exigirem a queda do regime de
Nicolás Maduro sem olharem, um segundo, para a alternativa que está a ser
fervida nas manifestações de rua, onde se mistura o banditismo, o golpismo e
uma espécie de neofascismo sul-americano com, por outro lado, uma genuína
revolta da população urbana contra a prepotência, a corrupção e a incompetência
do governo.
Desse caldo contraditório o
nascimento de uma democracia é uma probabilidade quase nula: o país arrisca-se
antes a uma guerra civil brutal para viabilizar a instauração de uma verdadeira
ditadura sanguinária (que o atual regime venezuelano, apesar dos seus defeitos,
não é), com a economia entregue a quem financia os atuais "combatentes
pela liberdade"...
*Publicado no DN em 30 de Janeiro 2019
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