Thierry Meyssan*
Muitos pensam que os Estados
Unidos estão muito activos mas que não concretizam grande coisa. Por exemplo,
que as suas guerras ao Médio-Oriente Alargado são uma sucessão de fracassos.
Mas, para Thierry Meyssan eles têm uma estratégia militar, comercial e diplomática
coerente. De acordo com os seus próprios objectivos, ela avança pacientemente e
é coroada de sucesso.
É habitual nos Estados Unidos crer
que o país já não tem qualquer Grande Estratégia desde o fim da Guerra Fria.
Uma Grande Estratégia, é uma
visão do mundo que se tenta impor e que todas as administrações devem
respeitar. Assim, se se perde num teatro de operações, em particular,
prossegue-se em outros e acaba por se triunfar. No fim da Segunda Guerra
Mundial, Washington escolheu seguir as directivas fixadas pelo Embaixador
George Keenan no seu célebre telegrama diplomático. Tratava-se de descrever um
pretenso expansionismo soviético para justificar uma contenção da URSS (containment).
Efectivamente, muito embora eles tenham perdido as guerras da Coreia e do
Vietname, os Estados Unidos acabaram por triunfar.
É muito raro conseguir lembrar
uma Grande Estratégia, mesmo se houve outras neste período como com Charles De
Gaulle, em França.
No decurso dos dezoito últimos
anos, Washington conseguiu progressivamente fixar novos objectivos e novas
tácticas para os atingir.
1991-2001: um período de
incerteza
Aquando do desaparecimento da
União Soviética, a 25 de Dezembro de 1991, os Estados Unidos de Bush Sr
consideraram que não tinham rival. O Presidente vitorioso pelas circunstâncias
desmobilizou 1 milhão de soldados e imaginou um mundo de paz e de prosperidade.
Ele liberalizou as transferências de capitais para que os capitalistas pudessem
enriquecer-se e, acreditava ele, assim enriquecer os seus concidadãos.
No entanto o capitalismo não é um
projecto político, mas, sim um meio de ganhar dinheiro. As grandes empresas dos
EUA —não o Estado federal— aliaram-se ao Partido Comunista chinês (de onde a
famosa «viagem para o Sul» de Deng Xiaoping). Elas deslocalizaram as suas
empresas, de fraco valor acrescentado no Ocidente, para a China, onde os
trabalhadores não eram instruídos, e onde os salários eram em média 20 vezes
menores. Começava o longo processo de desindustrialização do Ocidente.
Para gerir os seus negócios
transnacionais, o Grande capital deslocou os seus bens para países de
fiscalidade reduzida onde descobriu que podia escapar às suas responsabilidades
sociais. Estes países, nos quais o regime fiscal de excepção e a discrição são
indispensáveis ao comércio internacional, viram-se subitamente embarcados numa
gigantesca optimização fiscal, ou seja numa fraude maciça, da qual beneficiaram
pela calada. O reino da Finança sobre a Economia começava.
Estratégia militar
Em 2001, o Secretário da Defesa,
e membro permanente do «governo de continuidade» [1],
Donald Rumsfeld, criou um Gabinete de Transformação da Força (Office of Force
Transformation) que ele confiou ao Almirante Arthur Cebrowski. O personagem,
que havia já informatizado as Forças Armadas, modificou então a sua missão.
O mundo sem a União Soviética
tornara-se unipolar, quer dizer não mais governado de acordo com o Conselho de
Segurança, mas unicamente pelos Estados Unidos. Para manter a sua posição
dominante, eles deviam «ceder nos tostões para guardar os milhões», quer dizer
dividir a humanidade em duas partes. De um lado, os Estados estáveis (os
membros do G8 —Rússia incluída— e seus aliados), do outro o resto do mundo
considerado como um simples reservatório de recursos naturais. Washington já
não considerava mais o acesso a estes recursos como vital para si mesmo, mas
entendia que não deviam ficar acessíveis aos Estados estáveis sem passar por
si. Convinha pois, desde logo, destruir preventivamente todas as estruturas
estatais neste reservatório de recursos, de tal maneira que ninguém pudesse um
dia opor-se à vontade da primeira potência mundial, nem passar sem ela [2].
Esta estratégia foi posta em
acção desde aí sem interrupções. Ela começou no Médio-Oriente Alargado
(Afeganistão, Iraque, Líbano, Líbia, Síria, Iémene). Todavia, contrariamente ao
que havia sido anunciado pela Secretária de Estado Hillary Clinton (Pivot to
Asia), ela não se estendeu para o Extremo-Oriente por causa do desenvolvimento
militar chinês, antes para a Bacia das Caraíbas (Venezuela, Nicarágua).
Estratégia diplomática
Em 2012, o Presidente Barack
Obama retomou o leitmotiv do Partido Republicano e fez da exploração do
petróleo e do gás de xisto por fracturação hidráulica uma prioridade nacional.
Em alguns anos, os Estados Unidos multiplicaram os seus investimentos e
tornaram-se o primeiro produtor mundial de hidrocarbonetos, alterando os
paradigmas das relações internacionais. Em 2018, o antigo director do
fornecedor de equipamento petrolífero Sentry international, Mike Pompeo,
tornou-se Director da CIA, depois Secretário de Estado. Ele criou um Gabinete
de recursos energéticos (Bureau of Energy Resources) que confiou a Francis
Fannon. Era o correspondente do que tinha sido o Gabinete de Transformação da
Força no Pentágono. Ele pôs em marcha uma política inteiramente virada para a
tomada de controlo do mercado mundial dos hidrocarbonetos [3].
Para isso imaginou um novo tipo de alianças como a da região Indo-Pacifíco
Livre e Aberta (Free and Open Indo-Pacific). Já não se trata mais de criar
blocos militares, como os Quads, mas de organizar estas alianças em trono de
objectivos de crescimento económico assente num acesso garantido a fontes de
energia.
Este conceito integra-se na
estratégia Rumsfeld/Cebrowski : não se trata de apropriar-se dos
hidrocarbonetos do resto do mundo (Washington já não precisa deles), antes de
determinar quem os poderá obter para se desenvolver e quem deles será privado.
É uma ruptura com a doutrina da rarefacção do petróleo, promovida pelos
Rockfeller e o Club de Roma desde os anos 1960, depois pelo Grupo de
desenvolvimento da política energética nacional (National Energy Policy
Development Group) do Vice-presidente Dick Cheney. Agora, os Estados Unidos
estimam que não apenas o petróleo não vai desaparecer, como até, apesar do
aumento enorme da procura, a humanidade dispõe dele por, pelo menos, um século.
Sob pretextos diversos e
variados, Pompeo acaba de bloquear o acesso do Irão ao mercado mundial, depois
da Venezuela e, por fim, de manter tropas no Leste da Síria para impedir que lá
se explore as jazidas que aí foram descobertas [4].
Simultaneamente, ele exerce pressões sobre a União Europeia para que ela
renuncie ao gasoduto russo Nord Steam 2 e sobre a Turquia para que ela renuncie
ao Turkish Stream.
Estratégia comercial
Em 2017, o Presidente Donald
Trump tenta repatriar uma parte dos empregos dos Estados Unidos deslocalizados
na Ásia e na União Europeia. Apoiando-se nos conselhos do economista de
esquerda Peter Navarro [5],
pôs fim à Parceria Trans-Pacífico e renegociou o Acordo de livre-comércio da
América do Norte. Simultaneamente, instaurou direitos alfandegários
elevadíssimos sobre os automóveis alemães e a maior parte dos produtos
chineses. Ele completou o conjunto com uma reforma fiscal encorajando o
repatriamento dos capitais. Esta política permitiu já melhorar a balança
comercial e relançar o emprego.
O dispositivo está agora completo
no plano militar, económico e diplomático. Cada parte está articulada uma com a
outra. Cada um sabe o que deve fazer.
A força principal desta nova
Grande Estratégia é que ela não foi compreendida pelas elites do resto do
mundo. Washington dispõe, pois, do efeito de surpresa, reforçado pela
comunicação deliberadamente caótica de Donald Trump. Se observamos os factos, e
não os tweets presidenciais, constata-se o avanço dos Estados Unidos após o
duplo período de incerteza dos Presidentes Clinton et Obama.
*Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
Fotos:
Os pensadores da Grande
estratégia dos EUA : o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld e o seu conselheiro
Almirante Arthur Cebrowski ; o Presidente Donald Trump e o seu conselheiro
comercial Peter Navarro ; e por fim o Secretário de Estado Mike Pompeo e o seu
conselheiro Francis Fannon.
Notas:
[1]
O Governo de continuidade é uma instância norte-americana criada pelo
Presidente Eisenhower durante a Guerra Fria e sempre vigente. Ela tem por
finalidade assegurar a continuidade do Estado em caso de ausência do Executivo,
quer dizer de morte do presidente, do vice-presidente e dos presidentes das
assembleias durante uma guerra nuclear. A sua composição exacta é em princípio
secreta muito embora disponha de meios muito importantes.
[2]
Esta estratégia foi popularizada pelo assistente de Cebrowski, Thomas
Barnett. The Pentagon’s New Map, Thomas P. M. Barnett, Putnam Publishing
Group, 2004.
[3]
“Mike Pompeo Address
at CERAWeek”, by Mike Pompeo, Voltaire Network, 12 March 2019.
[4]
Ontem à noite, o Departamento do Tesouro dos EUA emitiu um aviso contra
qualquer forma de comércio de petróleo com o Irão ou com a Síria: “Sanctions Risks Related
to Petroleum Shipments involving Iran and Syria”, Voltaire Network, 25
March 2019.
[5] Death
by China, Peter Navarro, Pearson, 2011. Crouching Tiger: What China’s
Militarism Means for the World, Prometheus Books, 2015.
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