terça-feira, 28 de maio de 2019

Para onde vai o Reino Unido?


Eleições europeias punem partidos tradicionais britânicos e deixam claro que, três anos depois da votação do Brexit, país continua dividido entre opositores e defensores da saída da UE.

Dois meses após a data em que Londres deveria ter deixado a UE e com o Parlamento ainda envolvido no impasse sobre o Brexit, os eleitores britânicos puniram os dois principais partidos tradicionais nas eleições europeias.

O Partido do Brexit, um novo movimento criado pelo político eurocético britânico Nigel Farage, ganhou 28 assentos (31,6% dos votos) nas eleições para o Parlamento Europeu.

Os liberal-democratas (20,3%), com uma plataforma que se opõe fortemente à saída do Reino Unido da União Europeia (UE), ficaram em segundo lugar com 15 assentos. Os trabalhistas angariaram dez vagas (14,1%). Os verdes ficaram em quarto lugar com sete cadeiras (12,1%), enquanto os conservadores – o atual partido do governo – vieram em quinta posição, com apenas três assentos (9,1%).


"Foi traumático para o Partido Trabalhista, mas pior para o Conservador", disse Matthew Cole, professor de história na Universidade de Birmingham. "O fato de o partido governista receber menos de 10% dos votos é sem precedentes em tempos modernos. Essa eleição nos deu uma ideia de como a opinião pública está se polarizando".

O Partido do Brexit foi abalizado por uma plataforma com um único tema: defender um Brexit sem acordo, o chamado Brexit duro, baseado nas regras da Organização Mundial do Comércio [isso significaria tarifas sobre determinados produtos, especialmente agrícolas, e barreiras comercias muito maiores em comparação com o mercado comum europeu].

Embora os ganhos do Partido do Brexit sejam, pelo menos em parte, explicados pela queda do apoio ao Ukip, legenda anterior de Farage que obteve apenas 3,3% dos votos, o apoio que o político eurocético recebeu na atual eleição é claro.

"Obviamente, o Partido do Brexit se esforçou tremendamente bem para formar e mobilizar, em tão curto espaço de tempo, um movimento popular politicamente eficaz e uma base de doadores. E enquanto partidos progressistas, como os liberal-democratas, também tiveram um bom desempenho, é impossível ignorar o fato de que o lado dos que defendem a permanência na UE continua consideravelmente mais dividido", afirma Sophia Gaston, pesquisadora visitante na London School of Economics.

"Um partido singular, unido em torno de uma mensagem simples sempre terá vantagem sobre uma coligação diversa e muitas vezes disfuncional de partidos separados", apontou Gaston.

Polarização

O resultado mostrou a clara desilusão com os dois partidos tradicionais. "Apoiei os conservadores nas últimas eleições, mas francamente foi desanimador vê-los paralisados enquanto o país se debatia", disse Andrew Harris, um contador de Yorkshire que votou a favor do Brexit em 2016. "Eu só quero que alguém consiga levar isso à frente agora".

Os conservadores estão se preparando para uma luta pela liderança, depois que Theresa May anunciou que renunciaria em 7 de junho. "Agora ficará muito difícil para qualquer candidato conservador pedir cautela sobre a saída [da UE] no final de outubro", disse Cole.

"Será difícil falar sobre estender o prazo ou alterar o acordo de Theresa May, pois outros membros do partido podem apontar para os resultados das eleições europeias, que mostram o apoio para um tipo muito claro de Brexit", acrescentou o contador.

No entanto, também é importante notar o aumento do apoio a partidos anti-Brexit. No total, a parcela de votos para as legendas que defendem um Brexit duro – o Partido do Brexit e o Ukip – foi de 36,8%, enquanto para as legendas que defendem a permanência no bloco europeu totalizou 41,5%.

Isso levou muitos apoiantes do Partido Trabalhista (Labour) a exigir uma posição mais clara sobre o Brexit. Até agora, a estratégia dos trabalhistas foi tentar apaziguar todos os lados. "Votei no Labour durante toda a minha vida, mas desta vez não pude fazê-lo", disse Raza Ahmed, assistente social londrina que votou a favor da permanência. "Eu queria ouvir alguém defendendo a parcela significativa de pessoas que não querem seguir essa loucura, e isso só veio de partidos menores."

Vários altos funcionários do Partido Trabalhista pediram que a legenda formalmente apoiasse um segundo referendo.

"Acho que a primeira coisa que vamos ver é uma tomada mais clara de posição do Partido Trabalhista no Brexit", explicou Camino Mortera-Martinez, pesquisadora sénior do think tank Centro da Reforma Europeia. "Eles não podem ficar em cima do muro por mais tempo. Eles devem finalmente se tornar o partido da permanência e do segundo referendo."

Eleição antecipada?

Parte da razão pela qual o Brexit foi adiado é porque os conservadores não têm maioria no Parlamento. Com a perspectiva de um novo líder conservador apoiando uma forte posição sobre um Brexit duro – Boris Johnson, o atual favorito, disse que o Reino Unido "deixará a UE em 31 de outubro, com ou sem acordo" –, alguns analistas sugerem que uma eleição será necessária para quebrar o impasse.

"Três anos depois do resultado do referendo, podemos ver que o país não se movimentou – tem-se aproximadamente a mesma quantidade de pessoas que quer deixar ou ficar [na UE], e aqueles que querem sair não conseguem concordar sobre como isso deve ser feito. A única forma de realmente mudar o roteiro é ter uma eleição geral", apontou Mortera-Martinez.

No entanto, os maus resultados dos dois principais partidos políticos podem ter tornado isso menos provável. "Esse resultado sublinhará o risco que os conservadores enfrentam no interior do país e, para os trabalhistas, ele insta a uma posição muito mais clara sobre o Brexit", disse a pesquisadora.

"Permanecemos num impasse parlamentar sobre o Brexit. E sem um evento democrático sísmico – uma eleição ou referendo, ou uma guinada ousada do próximo líder conservador – é difícil ver como o país pode avançar", concluiu Mortera-Martinez.

Samira Shackle, de Londres (ca) | Deutsche Welle

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