Eleições europeias punem partidos
tradicionais britânicos e deixam claro que, três anos depois da votação do
Brexit, país continua dividido entre opositores e defensores da saída da UE.
Dois meses após a data em que
Londres deveria ter deixado a UE e com o Parlamento ainda envolvido no impasse
sobre o Brexit, os eleitores britânicos puniram os dois principais partidos
tradicionais nas eleições europeias.
O Partido do Brexit, um novo movimento
criado pelo político eurocético britânico Nigel Farage, ganhou 28 assentos
(31,6% dos votos) nas eleições para o Parlamento Europeu.
Os liberal-democratas (20,3%),
com uma plataforma que se opõe fortemente à saída do Reino Unido da União
Europeia (UE), ficaram em segundo lugar com 15 assentos. Os trabalhistas
angariaram dez vagas (14,1%). Os verdes ficaram em quarto lugar com sete
cadeiras (12,1%), enquanto os conservadores – o atual partido do governo –
vieram em quinta posição, com apenas três assentos (9,1%).
"Foi traumático para o
Partido Trabalhista, mas pior para o Conservador", disse Matthew Cole,
professor de história na Universidade de Birmingham. "O fato de o partido
governista receber menos de 10% dos votos é sem precedentes em tempos modernos.
Essa eleição nos deu uma ideia de como a opinião pública está se
polarizando".
O Partido do Brexit foi abalizado
por uma plataforma com um único tema: defender um Brexit sem acordo, o chamado
Brexit duro, baseado nas regras da Organização Mundial do Comércio [isso
significaria tarifas sobre determinados produtos, especialmente agrícolas, e
barreiras comercias muito maiores em comparação com o mercado comum europeu].
Embora os ganhos do Partido do
Brexit sejam, pelo menos em parte, explicados pela queda do apoio ao Ukip,
legenda anterior de Farage que obteve apenas 3,3% dos votos, o apoio que o
político eurocético recebeu na atual eleição é claro.
"Obviamente, o Partido do
Brexit se esforçou tremendamente bem para formar e mobilizar, em tão curto
espaço de tempo, um movimento popular politicamente eficaz e uma base de
doadores. E enquanto partidos progressistas, como os liberal-democratas, também
tiveram um bom desempenho, é impossível ignorar o fato de que o lado dos que
defendem a permanência na UE continua consideravelmente mais dividido",
afirma Sophia Gaston, pesquisadora visitante na London School of
Economics.
"Um partido singular, unido
em torno de uma mensagem simples sempre terá vantagem sobre uma coligação
diversa e muitas vezes disfuncional de partidos separados", apontou Gaston.
Polarização
O resultado mostrou a clara
desilusão com os dois partidos tradicionais. "Apoiei os conservadores nas
últimas eleições, mas francamente foi desanimador vê-los paralisados enquanto o
país se debatia", disse Andrew Harris, um contador de Yorkshire que votou
a favor do Brexit em 2016. "Eu só quero que alguém consiga levar isso à
frente agora".
Os conservadores estão se
preparando para uma luta pela liderança, depois que Theresa May anunciou que
renunciaria em 7 de junho. "Agora ficará muito difícil para qualquer
candidato conservador pedir cautela sobre a saída [da UE] no final de
outubro", disse Cole.
"Será difícil falar sobre
estender o prazo ou alterar o acordo de Theresa May, pois outros membros do
partido podem apontar para os resultados das eleições europeias, que mostram o
apoio para um tipo muito claro de Brexit", acrescentou o contador.
No entanto, também é importante
notar o aumento do apoio a partidos anti-Brexit. No total, a parcela de votos
para as legendas que defendem um Brexit duro – o Partido do Brexit e o Ukip –
foi de 36,8%, enquanto para as legendas que defendem a permanência no bloco
europeu totalizou 41,5%.
Isso levou muitos apoiantes do
Partido Trabalhista (Labour) a exigir uma posição mais clara sobre o Brexit.
Até agora, a estratégia dos trabalhistas foi tentar apaziguar todos os lados.
"Votei no Labour durante toda a minha vida, mas desta vez não pude
fazê-lo", disse Raza Ahmed, assistente social londrina que votou a favor
da permanência. "Eu queria ouvir alguém defendendo a parcela significativa
de pessoas que não querem seguir essa loucura, e isso só veio de partidos
menores."
Vários altos funcionários do
Partido Trabalhista pediram que a legenda formalmente apoiasse um segundo
referendo.
"Acho que a primeira coisa
que vamos ver é uma tomada mais clara de posição do Partido Trabalhista no
Brexit", explicou Camino Mortera-Martinez, pesquisadora sénior do think
tank Centro da Reforma Europeia. "Eles não podem ficar em cima do
muro por mais tempo. Eles devem finalmente se tornar o partido da permanência e
do segundo referendo."
Eleição antecipada?
Parte da razão pela qual o Brexit
foi adiado é porque os conservadores não têm maioria no Parlamento. Com a
perspectiva de um novo líder conservador apoiando uma forte posição sobre um
Brexit duro – Boris Johnson, o atual favorito, disse que o Reino Unido
"deixará a UE em 31 de outubro, com ou sem acordo" –, alguns
analistas sugerem que uma eleição será necessária para quebrar o impasse.
"Três anos depois do
resultado do referendo, podemos ver que o país não se movimentou – tem-se aproximadamente
a mesma quantidade de pessoas que quer deixar ou ficar [na UE], e aqueles que
querem sair não conseguem concordar sobre como isso deve ser feito. A única
forma de realmente mudar o roteiro é ter uma eleição geral", apontou
Mortera-Martinez.
No entanto, os maus resultados
dos dois principais partidos políticos podem ter tornado isso menos provável.
"Esse resultado sublinhará o risco que os conservadores enfrentam no
interior do país e, para os trabalhistas, ele insta a uma posição muito mais
clara sobre o Brexit", disse a pesquisadora.
"Permanecemos num impasse
parlamentar sobre o Brexit. E sem um evento democrático sísmico – uma eleição
ou referendo, ou uma guinada ousada do próximo líder conservador – é difícil
ver como o país pode avançar", concluiu Mortera-Martinez.
Samira Shackle, de Londres (ca) |
Deutsche Welle
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