Jorge Rocha* | opinião
Nos últimos anos da atividade
profissional assisti ao colapso de um dos grandes mitos das décadas anteriores:
o de sermos bafejados pela «sorte» de contarmos com gestores geniais, que
conseguiam transformar em ouro tudo quanto tocavam. Os subsídios europeus eram
fartos e os mais espertos cuidavam de lhes abocanharem a maior parte,
apresentando-se aos compatriotas como eivados de poderes superiores, quase
mágicos.
Veja-se o exemplo de João
Rendeiro, que viu o seu Banco Privado Português falir na semana de apresentação
de uma hagiografia, ironicamente, intitulada «Um Toque de Midas». E já tinham
empalidecido as auréolas por cima das augustas cabeças de Jardim Gonçalves ou
de Paulo Teixeira Pinto ao envolverem-se na guerra pela liderança do BCP. Ou
começavam a estranhar-se as opções de Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro nessa
joia da coroa, que era a PT. Só faltava a família Espírito Santo revelar-se no
seu engenho, que era também o de Horácio Roque, poupado pela oportuna morte
para se livrar da anunciada bancarrota.
Vivia-se o tempo em que Joe
Berardo era admirado pela sua inverosímil história: enriquecera nas minas da
África do Sul e aterrara em Lisboa para dar a conhecer a prodigiosa coleção de
arte moderna iniciada com a colaboração de Francisco Capelo nos anos noventa.
Sabíamo-lo pouco dado à etiqueta, mas aceitávamo-lo no lote dos fazedores de
dinheiro, que as capas da «Exame», e de outras publicações económicas,
convertiam em ícones, depois replicados como tal nas revistas cor-de-rosa.
Bastava pertencer a essa elite
endinheirada para que os presidentes da República lhes multiplicassem as
comendas. Como lembrava Manuel Carvalho no «Público» de ontem, regressávamos
aos tempos de Almeida Garrett, quando se caricaturava o gosto dos governantes
pelas condecorações e atribuições de títulos com a célebre frase “Foge cão que
te fazem barão. Para onde, se me fazem visconde?”
Nos 45 anos de Democracia cinco
presidentes atribuíram quase dez mil comendas. E isso é algo que importa mudar,
porque em nada dão proveito ao povo, apenas servindo para dar satisfação ao
narcisismo dos contemplados. Que, como se tem visto, depressa tendem a revelar
a venalidade dos comportamentos privados, na antítese das suas muito propaladas
virtudes públicas.
A exemplo de outras instituições
obsoletas - as touradas, as peregrinações a Fátima, as claques de futebol, os
cultos evangélicos - a atribuição de comendas deveria ser abolida. O Tempo, que
Yourcenar definiu como grande arquiteto, é também o melhor filtro para definir quem
é, ou não, merecedor do duradouro respeito das gerações vindouras. É que, de
facto, quase todos os comendadores usufruem da fátua vaidade de se julgarem
acima daqueles que lhes são iguais, se não mesmo muito superiores em
merecimento.
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