Domingos de Andrade* | Jornal de
Notícias | opinião
Há duas formas de olhar para este
dia eleitoral e agir em conformidade. A primeira, é conversa de café e reza
mais ou menos assim. Votar para o Parlamento Europeu, longe de nós, numa
instituição perpetuadora dos eurocratas que só se lembram dos territórios de
origem quando precisam do exercício temporário da democracia, pouco mais é do
que ajudar a carimbar uma viagem de luxo para 21 felizardos durante uma mão
cheia de anos. É um pensamento que tem como ação não votar e gozar o domingo
soalheiro.
A segunda exige mais de cada
cidadão. Vivemos momentos absolutamente decisivos para o futuro de uma Europa
acossada por extremismos, com dores de crescimento e fortemente marcada pela
descredibilização da classe política, decorrente de processos de corrupção e de
povos que não se sentem representados nas instâncias nacionais ou de Bruxelas.
Está assim criada a perceção
perigosa de que "os políticos são todos iguais" e de que estamos
melhor sozinhos do que fazendo parte da construção europeia, um edifício que
tem brechas sérias, que precisa de uma reforma profunda, mas que é ainda o
melhor sonho de subsidiariedade e de união entre povos e culturas.
Embora tenhamos tendência a
encerrar a noção de política nos órgãos de soberania e naqueles que os ocupam,
distanciando-nos do seu exercício, a política é, na verdade, a ação de cada um
intervindo em decisões que tocam a vida de todos.
Esse sentir da política expresso
por Hannah Arendt, para quem o poder nunca é um gesto individual, mas de união,
deve fazer-nos refletir. Porque o poder, no entendimento da filósofa, surge no
momento em que um grupo de pessoas se reúne e age de comum acordo.
Esta visão partilhada e atuante
da ação política é particularmente relevante num momento em que os direitos
básicos que temos por adquiridos são fortemente abalados por ideias extremistas
um pouco por toda a Europa.
Daí a urgência de sentirmos de
forma decisiva esta conceção da ação política como responsabilidade de cada um.
E se não quisermos chamar-lhe assim, para afastarmos a carga negativa que
infelizmente muitas vezes rodeia a palavra "política", chamemos-lhe
simplesmente atitude cívica. Ou de cidadania.
Votar com reflexão e em
consciência é, por tudo isso, um dos maiores atos de cidadania que podemos
exercer. Por todos nós, coletiva e individualmente.
* Diretor do JN
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