segunda-feira, 27 de maio de 2019

Portugal/UE | Votar para quê?


Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

Há duas formas de olhar para este dia eleitoral e agir em conformidade. A primeira, é conversa de café e reza mais ou menos assim. Votar para o Parlamento Europeu, longe de nós, numa instituição perpetuadora dos eurocratas que só se lembram dos territórios de origem quando precisam do exercício temporário da democracia, pouco mais é do que ajudar a carimbar uma viagem de luxo para 21 felizardos durante uma mão cheia de anos. É um pensamento que tem como ação não votar e gozar o domingo soalheiro.

A segunda exige mais de cada cidadão. Vivemos momentos absolutamente decisivos para o futuro de uma Europa acossada por extremismos, com dores de crescimento e fortemente marcada pela descredibilização da classe política, decorrente de processos de corrupção e de povos que não se sentem representados nas instâncias nacionais ou de Bruxelas.

Está assim criada a perceção perigosa de que "os políticos são todos iguais" e de que estamos melhor sozinhos do que fazendo parte da construção europeia, um edifício que tem brechas sérias, que precisa de uma reforma profunda, mas que é ainda o melhor sonho de subsidiariedade e de união entre povos e culturas.



Embora tenhamos tendência a encerrar a noção de política nos órgãos de soberania e naqueles que os ocupam, distanciando-nos do seu exercício, a política é, na verdade, a ação de cada um intervindo em decisões que tocam a vida de todos.

Esse sentir da política expresso por Hannah Arendt, para quem o poder nunca é um gesto individual, mas de união, deve fazer-nos refletir. Porque o poder, no entendimento da filósofa, surge no momento em que um grupo de pessoas se reúne e age de comum acordo.

Esta visão partilhada e atuante da ação política é particularmente relevante num momento em que os direitos básicos que temos por adquiridos são fortemente abalados por ideias extremistas um pouco por toda a Europa.

Daí a urgência de sentirmos de forma decisiva esta conceção da ação política como responsabilidade de cada um. E se não quisermos chamar-lhe assim, para afastarmos a carga negativa que infelizmente muitas vezes rodeia a palavra "política", chamemos-lhe simplesmente atitude cívica. Ou de cidadania.

Votar com reflexão e em consciência é, por tudo isso, um dos maiores atos de cidadania que podemos exercer. Por todos nós, coletiva e individualmente.

* Diretor do JN

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