Rosa Ramírez, mãe do salvadorenho
afogado, reconhece foto do filho e da neta
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A foto de um salvadorenho e sua
filha afogados na fronteira dos EUA gerou comoção. Além das políticas de Trump,
governos dos países de origem dos migrantes são culpados por essas mortes,
opina Oliver Sallet.
Oliver Sallet* | opinião
Desolador, desumano, simplesmente
inacreditável: a foto do afogamento de Óscar Martínez Ramírez e sua filha de
dois anos, Valeria, de El Salvador, choca e levanta questões.
Para Tania Ávalos, esposa e mãe
sobrevivente que teve de assistir à cena desamparadamente da margem do rio,
devem ter sido momentos dramáticos: a luta pela sobrevivência, a própria
impotência – a certeza de ter arriscado tudo pela esperança de uma vida melhor,
para no final tudo perder.
Pode-se falar agora de um sinal
de alerta para o presidente Trump e sua desumana política de refugiados. E está
claro que a foto será uma prova da "emergência na fronteira" e de que
um muro deve garantir condições claras para que tais cenas não se repitam.
Os democratas, por outro lado, se
sentirão confirmados em sua tese: trata-se sobretudo de uma crise humanitária,
e as duas mortes são o resultado de uma política de migração cínica.
Mas seria fácil demais culpar
simplesmente a política de refugiados dos EUA. Milhares de pessoas fogem da
América Central devido à pobreza, violência e criminalidade das gangues, na
esperança de encontrar proteção e uma vida melhor nos EUA. São governos
abalados pela corrupção na região que têm essas duas vidas humanas e a de
muitos outros que morreram a caminho dos Estados Unidos pesando sobre suas
consciências.
El Salvador, terra natal família
Martínez, é considerado um dos países mais perigosos do mundo: a corrupção e a
violência marcam o cotidiano das pessoas – segundo estimativas do Programa
Mundial de Alimentos da ONU, 40% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Tanto ali como em vários países vizinhos, o Estado perdeu há muito o monopólio
do exercício da força armada.
Quase todo mundo em El Salvador
também pode contar histórias sobre os chamados Maras, as temidas gangues
juvenis como Calle 18 ou Mara Salvatrucha, que controlam bairros inteiros,
extorquem dinheiro para proteção, expulsam famílias ou até mesmo matam, caso as
suas exigência não sejam atendidas.
Somente quando se puser um fim à
violência dessas gangues, somente quando as pessoas puderem novamente andar sem
medo nas ruas e vislumbrar uma perspectiva em seu próprio país, o número de
refugiados vai diminuir, e cenas como essas do Rio Grande não vão se
repetir. Até lá, nenhum muro ou cerca protegerá os EUA da busca desesperada por
segurança e por uma vida melhor.
Acima de tudo, as pessoas na
América Central continuarão a sonhar com a terra das oportunidades ilimitadas,
de onde amigos e parentes que conseguiram chegar lá mandam relatos. Mas, para a
maioria das pessoas, são falsas as esperanças em que apostam e pelas quais
estão dispostas a arriscar suas vidas. A busca por educação, trabalho e futuro nos
EUA é difícil. Somente alguns têm a chance de obter refúgio, a maioria dos
pedidos é rejeitada.
Paira também a ameaça de
condições desumanas em campos de refugiados completamente superlotados.
Autoridades sobrecarregadas podem levar anos para processar um pedido.
E quem não tem família nos EUA
acaba geralmente nas ruas. Os muitos migrantes sem-teto, lutando todos os dias
pela sobrevivência nas cidades próximas à fronteira mexicana, são a evidência
mais clara.
Mas isso impede apenas
alguns poucos de partir em direção ao Norte. Toda a miséria que os espera
parece pequena quando comparada com o que querem deixar para trás. Para eles,
os EUA continuam sendo a terra de esperanças e oportunidades ilimitadas – algo
que se concretiza cada vez mais raramente para os migrantes da América Central.
*Deutsche Welle
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