domingo, 14 de julho de 2019

Brasil | Landel de Moura: o padre cientista



"Quero mostrar ao mundo que a Igreja Católica nao é inimiga da Ciência e do progresso humano" -- Landell de Moura

No último dia 30 de junho de 2019, completaram-se 91 anos da morte, ocorrida em 1928, de uma das grandes personalidades gaúchas: o monsenhor Roberto Landell de Moura. Nascido, em Porto Alegre, em 21 de janeiro de 1861, ficou conhecido como o padre cientista, graças à sua dedicação no campo da pesquisa, especialmente da radiotelegrafia e da radiotelefonia.  

Após estudar Direito Canônico, na Itália, retornou ao Brasil, em 1886, e no Rio de Janeiro rezou a sua primeira missa com a presença de dom Pedro II e a Corte. No ano seguinte, o Pe, Landell retornou ao Rio Grande do Sul. 


Pioneiro na transmissão da voz humana sem fio, ele antecedeu, em suas experiências científicas, ao canadense Reginald Fessenden (1866-1932) e ao italiano Marconi (1874-1937). O padre "bruxo", como era chamado pelas beatas da época, foi perseguido pelo fato de atribuírem poderes mágicos a seus inventos. Na opinião do doutor em Comunicação Marques de Mello (1943-2018), caso houvesse nascido na Idade Média, nosso cientista, com certeza, sofreria, por ordem do Santo Ofício, o suplício da fogueira.

Surpreendendo aos que duvidavam do êxito de seus experimentos, ele foi o primeiro a transmitir, por meio de ondas eletromagnéticas, a voz humana: nascia, no Brasil, o rádio.  Segundo o gaúcho Ernani Fornari - um dos seus biógrafos - que teve o privilégio de conhecê-lo em vida, o início das suas experiências ocorreram entre 1893 e 1894.  Três anos antes dos europeus, em 1899, em São Paulo, por meio de seu Telephoro, ele atingiu, após algumas palavras, o recorde de transmissão radiofônica, totalizando 7 km.

Devido à sua visão futurista, o nosso cientista pagou um ônus caro. Não lhe deram o devido crédito às suas invenções e nem obteve algum patrocínio. Acusado de ter feito pacto com o demônio, destruíram os seus inventos além de ser “forçado”, de acordo com as suas próprias palavras, a afastar-se da carreira científica. Os estudos sobre hipnose e espiritismo, aos quais ele também dedicou-se, catalisaram, ainda mais, as críticas de seus adversários.

Seu esforço, para mostrar que a Ciência não rivalizava com a fé, não modificou, na época, a mentalidade conservadora do clero, embora o estado laico tenha se estabelecido com a Proclamação da República (1889). A falta de apoio do governo às suas pesquisas resultou, mais tarde, na necessidade do Brasil em importar tecnologia, quando, na realidade, teve a oportunidade histórica de liderar e de ser autossuficiente quanto à produção de novas  tecnologias na área da comunicação.

Três de seus inventos chegaram a ser patenteados nos EUA: o Wireless Telephone, o Wireless Telegraph e o Wave Transmitter, sendo requeridas, respectivamente, em 1901, 1902 e 1903 e concedidas no ano de 1904.

Nosso padre cientista é patrono dos radioamadores do Brasil e de outras instituições importantes como a Fundação Educacional Padre Landell de Moura fundada ,em 1967, em Porto Alegre, assim como do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Pe. Roberto Landell de Moura instalado pela Telebrás, em 1976, na cidade de Campinas (SP).

 O Exército do Brasil, em 2005, também prestou sua homenagem, concedendo o nome de Centro de Telemática Landell de Moura a uma organização militar de telecomunicações criada em Porto Alegre. Em 2011, no ano do sesquicentenário de nascimento do Pe. Landell, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) colocou, em circulação, um selo comemorativo. Em 1999, foi criada, em nosso Estado, a Semana Padre Landell de Moura por meio da Lei Estadual 11.384.

No dia 1º de maio de 1932, a revista ilustrada O Eco publicou, na p.121, o artigo "Iluminação a distância", cujo autor assinou com as iniciais J. J. O conteúdo trata da 1ª Feira de Amostras do RS, ocorrida, na Capital gaúcha, em 26 de março, daquele ano. No certame, participaram industrialistas e agricultores, expondo seus produtos. A iluminação, conforme a revista registrou, foi coordenada pelo Sr. Spinelli, desde o Rio de Janeiro, na época Capital Federal, a uma distância de 980 km. A redação da revista O Eco era coordenada pelos jesuítas do Colégio Anchieta de Porto Alegre, situado, na época na Rua Duque de Caxias. O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom) tem sob a sua guarda edições desta revista, que era impressa  na Typografia do Centro, localizada a Rua Dr, Flores, nº 108.  

O público presente na Feira considerou o fato um prodígio. No processo foi utilizado um Telefunken 32 que, na época, era um aparelho de inegável superioridade, tratando-se de recepções a grande distância. É evidente que a iluminação da nossa 1ª Feira de Amostras só foi possível graças ao pioneirismo, neste campo da Ciência, do Pe Landell.  

Em abril de, faleceu Ivan Dorneles Rodrigues (1946-2019). Natural de Alegrete, ele foi um dos mais dedicados biógrafos de Landell de Moura. Sua pesquisa, ao longo dos anos, elucidou, por meio de sua obra, fatos relevantes sobre a vida do nosso cientista.. Criador do Memorial Landell de Moura, Ivan frequentou, em nosso Estado, os espaços de memória e pesquisa, a exemplo do MuseCom ,onde  se encontra uma das maiores hemerotecas da Ámérica Latina, e do Instituto  Histórico  e Geográfico do RS.

O professor Luiz Artur Ferraretto - especialista na história do Rádio gaúcho – escreveu no obituário, do site do jornalista Felipe Vieira, o seguinte: “Fico pensando qual será o futuro do memorial em um país pobre de dedicação e de esperanças. É o desafio que fica para as instituições de ensino superior. Temo que sigam sem compreender a importância do Ivan e da sua obra. (...). 

Em 2002, os restos mortais do Pe. Landell de Moura foram transladados para a Igreja Nossa Senhora do Rosário, no centro da Capital gaúcha, na qual, em 1863, ele foi batizado.   Publicado no jornal Zero Hora de 11 de julho de 2019.

*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do MuseCom  

 Bibliografia  
 FORNARI, Ernani. O incrível Pe. Landell de Moura. Porto Alegre: Editora Globo,1960
 HAMILTON, Almeida. Padre Landell de Moura – um Herói sem glória.  Rio de Janeiro: editora Record, 2006.
RODRIGUES, Ivan Dorneles. Pe. Roberto Landell de Moura / a história documentada. 
. Porto Alegre: Editora Corag,2015. 

Imagens 
1- Landell de Moura (1961-1928)  Capa do livro Landell de Moura / Um herói sem Glória
2-Transmissor de ondas: réplica feita por Marco Aurélio Cardoso Moura / foto de Fernando Zago.
3- Última Hora de Porto Alegre /13-11-1924 extraída do livro Pe. Landell de Moura  / A história documentada de Ivan Dorneles Rodrigues
4 Revista ilustrada O Eco /  POA, 1º de maio de 1932 / Acervo MuseCom
5- Assinatura do Pe. Landell de Moura
4- Texto : Landell de Moura : o padre cientista

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