terça-feira, 9 de julho de 2019

Guiné-Bissau | Operacionalidade da Justiça questionada


Novo procurador-geral, Ladislau Embassa, nomeado esta quarta-feira (03.07), assume funções com Justiça guineense sob críticas. Politização, morosidade, corrupção, e alto custo seriam causas do mau funcionamento.

Para todos - cidadãos comuns, políticos e operadores judiciários - a atuação da Justiça, na Guiné-Bissau, está aquém das expetativas, uma opinião reforçada, recentemente, pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, Basílio Sanca, que numa entrevista à imprensa guineense apontou a corrupção no setor judiciário guineense.

Sobre a matéria, a DW falou com o Presidente da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné-Bissau, uma das organizações que mais tem reivindicado a igualdade de direitos no país.

Seco Duarte Nhaga diz que a Justiça não funciona, porque há uma politização do setor.

"Isso acaba por amputar as próprias instituições judiciárias no cumprimento das suas missões constitucionais de realização da Justiça. Basta vermos que só para a nomeação do procurador-geral da República, houve todo o imbróglio político à volta da nomeação do PGR", descreve Duarte Nhaga.

 Justiça vítima da política

Para o jurista Lesmes Monteiro, o sistema de justiça guineense é praticamente inexistente, porque o setor judiciário também é vítima da situação política do país.

"Na Guiné-Bissau, não podemos falar, no verdadeiro sentido do termo, de um sistema de justiça, porque há toda uma cumplicidade derivada da crise política que acaba por afetar o sistema de justiça guineense," avalia.

"Segundo a nossa constituição, no artigo 119, os tribunais são órgãos da soberania encarregues de administrar a Justiça em nome do povo, mas hoje há um crescente índice de corrupção, onde estão envolvidos todos os atores da Justiça, inclusive, os clientes, os advogados, os magistrados e os juízes", critica Monteiro.

E para que os problemas atuais sejam solucionados, Lesmes Monteiro defende que "primeiramente deve haver uma reforma legislativa. Deve haver uma fiscalização, a nível internacional, da atividade judicial. Há uma possibilidade de auditoria ou da fiscalização internacional, há outros países que já fizeram isso".

Insatisfação generealizada

O setor da justiça da Guiné-Bissau é caraterizado pela morosidade, pelas interferências políticas, corrupção, e, sobretudo, o seu alto custo para os cidadãos comuns.

"Só os documentos, para dar uma petição inicial, devem ter uma selagem e o selo custa muito dinheiro. Se a pessoa não tem capital, a sua pretensão não vai ser resolvida", descreve um estudante guineense.

A opinião é partilhada por outra cidadã, que fala na denegação da Justiça aos cidadãos.

"Sabemos que muitas pessoas não trabalham, muitas pessoas não têm condições económicas. Então, aplicando essas custas elevadas, é uma forma de denegação da Justiça e a nossa Constituição prevê que nenhuma pessoa pode ser denegada a Justiça, por virtude das condições económicas", constata.

"Quem não tem dinheiro não vai ao tribunal. Portanto, quem não tem dinheiro para contratar o advogado não resolve o seu problema no tribunal. E agora, uma vez não tendo feito isso, torna um bocadinho complicado e o problema fica adiado e nunca teremos a solução", critica outro estudante, apanhado numa das ruas de Bissau pela reportagem da DW.

CEDEAO e a nomeação do novo PGR

Fala-se do estado atual da Justiça guineense, numa altura em que o país já tem um novo procurador-geral da República, na sequência da demissão pelo Presidente José Mário Vaz do anterior titular do cargo, Bacar Biai, sob as orientações dos chefes de Estado da Comunidade Económica do Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

O novo homem forte do Ministério Público, nomeado esta quarta-feira (03.07), é Ladislau Embassa, juiz conselheiro até aqui presidente do Conselho Nacional da Comunicação Social.

Timóteo Saba Mbundé, especialista em relações internacionais, considera que a decisão da CEDEAO é compreensível, até porque há dois aspetos que legitimaram essa tomada de posição: "O primeiro aspeto tem a ver justamente com o facto de a Guiné-Bissau fazer parte de uma comunidade internacional e deve seguir todas as orientações, todos os preceitos, que regem a comunidade internacional, neste caso, que regem a CEDEAO", afirma, acrescentando que "outro elemento tem a ver com a própria fragilidade do país, que é uma fragilidade compreendida e entendida muito bem pela comunidade internacional".

Iancuba Dansó (Bissau) | Deutsche Welle

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