A "escravatura mental"
afeta hoje "qualquer pessoa de qualquer classe social", disse à Lusa
o músico português Dino D`Santiago, depois do concerto que deu na quarta-feira,
no Festival Músicas do Mundo, em Sines.
Já durante a atuação o músico,
nascido na Quarteira (Algarve) e com ascendência cabo-verdiana, referiu-se ao
conceito de "escravatura mental" para apelar às pessoas que o ouviam
para pensarem no hoje e deixarem "o amanhã para amanhã".
"É um novo tipo de escravatura
que vivemos nos dias de hoje, todos nós (...). É o único tipo de escravatura
que não traz etnias, não traz cores, não traz raças, não traz nada. Qualquer
pessoa de qualquer classe social pode ser uma escrava mental",
concretizou, em entrevista à Lusa, depois do concerto.
Apelando às pessoas para que deem
"o grito de Ipiranga" contra "o alter ego que as domina",
Dino D`Santiago explica que essa "escravatura" passa pelo peso de
políticas e religiões, mas também pelos "medos" e pela falta de
autoconhecimento.
"Tem a ver com as pessoas
ainda viverem muito os sonhos dos seus pais, `quero que sejas médicos, quero
que sejas arquiteto`. (...). Eu decidi ser músico e continuo a ser um louco nos
dias de hoje. Temos que mudar isso", insiste.
Dino D`Santiago falou muito de
"sonhos" durante o concerto que deu no castelo de Sines, para um
recinto cheio, apesar da noite `cacimbada`, desde logo porque tinha o sonho de
"pisar o palco" do Festival Músicas do Mundo -- dedicou até uma
música ao diretor artístico e de produção do festival, Carlos Seixas.
Mas o concerto
"superou" o sonho, porque Dino não imaginava a "multidão"
que o esperava, os "sorrisos todos", as letras cantadas de cor.
"Foi, este ano, o concerto que mais vivi e mais senti, não tirando a
importância que os outros tiveram, este soube-me de uma forma muito
especial", reconheceu.
Acompanhado por três mulheres, o
músico prestou homenagem aos "filhos de imigrantes" -- Sines tem uma
significativa comunidade cabo-verdiana. "A vida não é fácil, mas nós
conseguimos, nô bai [crioulo para `vamos a isso`]", disse. Afinal,
"vai dar tudo certo", como ele próprio canta.
No final do concerto, Dino
juntou-se ao público, cantando no meio da comunidade cabo-verdiana de Sines,
que durante o dia tinha ido visitar.
"Vi muita integridade e
dignidade", contou à Lusa, sobre a visita que fez ao bairro Amílcar Cabral
e à Associação Cabo-verdiana de Sines e Santiago do Cacém.
"Aquelas mulheres [da
associação], sempre as mulheres no topo do que são as ações sociais, do que são
os valores da `morabeza` de Cabo Verde, recebem ali crianças, idosos",
relatou.
"Vi o bairro, que eles fazem
questão de não chamar de bairro social, que é um bairro bem urbanizado, bem
bonito", acrescentou.
No bairro, não lhe falaram de
problemas, pediram-lhe apenas para os continuar a visitar, para "falar com
as crianças". E o que tem Dino para lhes dizer? "Acreditem, eu também
vim de uma condição inferior e estou a conseguir superar, porque estou a
acreditar no meu sonho."
Frisando que hoje "há tantas
novas migrações", o músico elogia Portugal como "um dos países que
melhor recebe as pessoas. desde sempre".
O que não quer dizer que não haja
dificuldades. "É como nós, mesmo em casa temos problemas com a nossa
família, agora imagina um Estado soberano a ter que lidar com outras famílias,
a receber filho adotados, não é fácil. Respeito muito a dinâmica",
constatou.
"Portugal é dos países que
melhor sabe receber e realmente aculturar as pessoas, não é tipo `ok, trouxemos
para o nosso país e agora vocês vão ficar neste buraquinho e neste buraquinho e
neste buraquinho e nós vivemos aqui`. Em Portugal, as pessoas fundem-se, para o
bom e para o mau, mas felizmente procuram fundir-se", considera.
O Festival Músicas do Mundo
prossegue hoje, no castelo e na avenida marginal de Sines, com a Banda das Crechas
(Galiza -- Espanha, 18:00), Le Trio Joubran (Palestina, 21:00), Gipsy Kings by
Diego Baliardo (França, 22:15), Branko (Portugal, 23:30), Kokoroko (Reino
Unido, 00:45), Fanfaraï Big Band (França/Argélia, 02:30) e Frente Cumbiero
(Colômbia, 03:45).
RTP | Lusa
Foto: FMM Sines
Sem comentários:
Enviar um comentário