“Sem respeitar os tratados
internacionais em relação as salva-guardas ambientais, em que é signatário, e
sem cumprir sua própria legislação ambiental, o Brasil se torna pária no mundo
globalizado e terá sua pauta de exportações imensamente prejudicada, pois essas
exigências fazem parte dos acordos multilaterais do mercado mundial”
Dalton Macambira, Rio de Janeiro
| Correio do Brasil | opinião
Após defender a ditadura militar
e se declarar fã incondicional do torturador e assassino Brilhante Ustra, em
oito meses de governo, Bolsonaro elegeu como alvos principais de sua “cruzada
anticivilizatória”: a educação, os professores e os ambientalistas. Esse ódio
ao saber, a cultura e ao meio ambiente são manifestações próprias de governos
autoritários, que buscam no obscurantismo, de cunho claramente fascista,
destruir as bases de uma sociedade democrática e do estado de direito.
A polémica mais recente do
presidente foi colocar em prática o que afirmara desde a campanha eleitoral,
quando disse que iria acabar com a farra das multas ambientais, sendo que
depois de eleito cogitou seriamente extinguir o Ministério do Meio Ambiente, numa
clara demonstração de que fragilizaria os órgãos de fiscalização do uso dos
recursos naturais no país. Mesmo reconhecendo que o Ibama e o ICMBio não têm os
recursos necessários para o exercício de sua missão institucional, o capitão
reformado brigou com a Alemanha e a Noruega, principais doadores do Fundo
Amazónia que tem sido fundamental para financiar as ações de comando e controle
na região.
Maior floresta
Parece que a assessoria ainda não
informou ao presidente que a Amazónia é a maior floresta tropical do mundo, com
mais de cinco milhões de quilómetros quadrados de uma megabiodiversidade, quase
70% das reservas florestais do planeta, onde muitas espécies animais e vegetais
ainda são desconhecidas pela ciência, e representa cerca de 60% do território
brasileiro.
Ao contrário do que afirma o
senso comum, a Amazónia não é o pulmão do mundo, pois uma floresta adulta ao
captar o carbono, através da fotossíntese, para a sua sustentação e produção de
oxigénio, faz o movimento inverso na respiração e, embora a maior parte dela
esteja no Brasil, não é apenas nossa, nós a dividimos com mais cinco países:
Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela.
No entanto, parece que ainda não
informaram à Bolsonaro que a floresta amazónica tem relação direta com o regime
de chuvas em praticamente toda a América do Sul. Uma única árvore com uma copa
de cerca de 20 metros
de diâmetro é capaz de produzir até mil litros de água por dia para a
atmosfera, no processo de evapotranspiração, sem falar nos 25 mil quilómetros
de rios navegáveis da região que possibilitam, pela evaporação, a formação de
nuvens e a consequente elevada pluviosidade que permite encher rios e
reservatórios de todo o país, para irrigação e produção de energia, fator
decisivo que transformou o Brasil em um dos maiores produtores mundiais de
alimentos.
Portanto, está claro, como o sol,
que o desmatamento ilegal e as queimadas na Amazónia são fatores contrários ao
nosso desenvolvimento, sobretudo pelo momento de grande crise económica,
agravado pelos inúmeros absurdos praticados pelo governo.
Congresso Nacional
Também parece que não informaram
ao capitão reformado, homem de poucas letras e que pouco cultiva o hábito da
leitura, que os acordos internacionais em que o Brasil é signatário foram
referendados pelo Congresso Nacional, portanto, não são compromissos de
governo, mas de Estado.
Como Bolsonaro não respeita a liturgia do cargo e a institucionalidade, os seus seguidores se acham no direito de desrespeitar as leis, como ocorreu com o “dia do fogo”, convocado criminosamente pelas redes sociais.
Querem mudar na marra o que a
democracia só permite por meio do voto. No estado de direito quem não concorda
com a proibição da pena de morte ou com a legislação ambiental, por exemplo,
precisa ter voto no Parlamento para fazer valer suas ideias.
O presidente também mandou
bloquear recursos da ordem de R$ 430 milhões dos programas de fiscalização e
combate a incêndios florestais e seus próprios ministros admitiram que tal
medida foi tomada para garantir o dinheiro das emendas de parlamentares que
venderam o voto para aprovar a reforma da previdência.
Apesar da confissão do crime,
tendo como consequência o aumento das queimadas e o desmatamento ilegal na
Amazónia, os guardiões da moral e do combate a corrupção do Ministério Público
até o momento não tomaram qualquer iniciativa.
Os números também revelam que à
medida que aumentam os crimes ambientais no país, as multas e fiscalizações
caem drasticamente, não apenas por falta de recursos, mas por decisão política
do governo.
O órgão ambiental federal que
multou Bolsonaro em 2012 não apenas retirou a multa como exonerou o fiscal por
sua “ousadia”. Para liberar o garimpo, inclusive em terras indígenas, e o
desmatamento na Amazónia, o ministro do meio ambiente não apenas mandou
suspender a fiscalização como foi até a região confraternizar com as
madeireiras e mineradoras. Não satisfeito, o presidente preferiu culpar o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pelo aumento do desmatamento e
as organizações não governamentais pelas queimadas.
Amazónia é nossa
Os generais de plantão, os mesmos
que pressionaram o STF para manter Lula preso, saíram na defesa do capitão
reformado: bradaram que a “Amazónia é nossa” e reclamaram que a França estava
interferindo em problemas internos do Brasil, em função de declarações do
presidente francês contra o aumento das queimadas e do desmatamento ilegal.
Coincidentemente esses mesmos
militares nada reclamaram pela soltura do Temer e da não prisão de Aécio.
Também nada declararam quando da entrega da Embraer à Boeing norte-americana.
Ou seja, os milicos que defendem a nossa soberania em relação à Europa se
submetem vergonhosamente aos interesses dos EUA.
Sem respeitar os tratados
internacionais em relação as salva-guardas ambientais, em que é signatário, e
sem cumprir sua própria legislação ambiental, o Brasil se torna pária no mundo
globalizado e terá sua pauta de exportações imensamente prejudicada, pois essas
exigências fazem parte dos acordos multilaterais do mercado mundial.
Seja em defesa do meio ambiente
ou por interesse dos nossos concorrentes diretos em desgastar e fragilizar o
Brasil no comércio internacional, a segunda hipótese é a mais provável, o
governo Bolsonaro marcha na contra corrente da história e tende cada vez mais a
ficar isolado, prejudicando seriamente o meio ambiente e o desenvolvimento
económico do nosso país, perdendo, inclusive, apoio do agronegócio que o ajudou
decisivamente, ao lado do Poder Judiciário/Ministério Público, em sua eleição.
*Dalton Melo Macambira, é
professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí e
doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Rede PRODEMA/UFPI.
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