Em 2003 o pesquisador Martin
Howard no seu livro “We Know What You Want” descobriu que em cada hora de
notícias da CNN, o noticiário transmitia pouco menos de cinco minutos de
“notícias reais” (fatos espontâneos, históricos, externos à existência da mídia)
– o restante é ocupado por metalinguagem e autorreferências. Sem falar no
chamado “Efeito Heisenberg”: a mídia não consegue mais reportar o real –
transmite apenas os efeitos que ela produz ao cobrir os eventos e, também, o
esforço que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia. O “Cinegnose”
aplicou essa mesma metodologia na análise de quatro edições do telejornal local
“Bom Dia São Paulo” da Globo. E chegou a resultados próximos: duas horas de
telejornal resultam em 27 minutos de “notícias reais” – ou média de 13 minutos
de notícias por hora. No restante, o telejornal passa o tempo falando de si
mesmo – metalinguagem, autorreferencialidade fática e efeito
Heisenberg. Resultando num híbrido de jornalismo e propaganda.
Infotenimento.
Sabemos que há muito tempo a TV
deixou de ser uma janela aberta para o mundo – uma testemunha ocular da
História de eventos espontâneos que são apenas observados e reportados. Não
importa se de forma parcial ou imparcial. Mas, pelos menos, os fatos estão ali,
históricos, espontâneos, regidos por uma lógica própria e indiferentes à
existência das mídias.
Mas isso foi deixado para trás,
para os velhos tempos do “Repórter Esso” dos tempos do rádio e da TV Tupi, que
se auto-intitulava “testemunha ocular da História”.
Essa mudança radical da natureza
da TV (ou dos fatos) não se deve apenas à mentira, omissão ou manipulação dos
acontecimentos por interesses midiáticos políticos, ideológicos ou partidários.
Mas também como um efeito intrínseco ao próprio crescimento das mídias, até se
tornarem um horizonte de eventos análogo ao dos buracos negros da astrofísica: se
não apareceu no horizonte midiático, logo jamais aconteceu.
O jornalística e crítico
social norte-americano Neal Gabler deu um nome para esse fenômeno: “Efeito
Heisenberg” em uma alusão ao princípio da mecânica quântica de Werner
Heisenberg (1901-1976): quando se tenta estudar uma partícula atômica, o ato de
medir a posição necessariamente perturba o momentum da partícula – você não
pode observar uma coisa sem influenciá-la – Leia GABLER, Neal. “Vida, O Filme –
Como o entretenimento conquistou a realidade”, Companhia das Letras, 1999.
Negócio tautológico
Para Gabler, o crescimento do
complexo midiático ao ponto de transformá-lo no próprio horizonte de eventos da
sociedade produziu um gigantesco Efeito Heisenberg: a mídia não consegue mais
reportar o real, mas apenas cobre a si mesma – o efeitos que ela produz ao
cobrir os eventos e, também, o esforço que as pessoas fazem para obter a
atenção da mídia.
O problema é que, por má-fé,
continua a vender isso como “informação” ou “jornalismo”, escondendo a natureza
tautológica em que se transformou o negócio.
Por exemplo, Martin Howard em seu
livro “We Know What You Want” (Desinformation Book, 2005) levantou alguns dados
de como o telejornalismo da CNN, por hora, produz em média pouco menos de cinco
minutos de notícias “reais” (isto é, relativas a fatos “espontâneos”,
“históricos”, externos à mídia), em confronto a acontecimentos cuja motivação é
atrair a atenção das mídias (estórias de tabloides e notícias regionais) ou
metalinguagem e auto-referência – conteúdo de talk show e escaladas. Sem falar
nos infomerciais e intervalos publicitários.
O caso do telejornal local Bom
Dia São Paulo da TV Globo (apresentado pelos jornalistas Rodrigo Bocardi e
Glória Vanique) é certamente um objeto exemplar para essa análise sobre o
destino “Heisenberg” da grande mídia.
Nota GGN | Em postagem anterior
este humilde blogueiro já havia analisado que os diversos “Bom Dia” (SP, Rio,
Minas etc.) de uns tempos para cá assumiram uma função motivacional, como
primeiro telejornal da manhã para aqueles que vão à procura de trabalho ou para
seus empregos – o predomínio de matérias “inspiradoras”, “motivacionais” onde
até na previsão do tempo o viés é o de dar “boas notícias” para dar um “up” no
astral tão em baixa dos brasileiros – clique
aqui.
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