Na Assembleia da ONU, um
provincianismo muito além do previsível. Nada sobre as crises globais – mas
críticas ao petismo e elogios a Moro e às PMs… Arrogância de líder de direita e
horizonte de sindico tacanho
Gilberto Maringoni | Outras Palavras
Há que se reconhecer: Jair
Bolsonaro foi ousado em seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU.
Numa sessão em que o presidente dos Estados Unidos evoca o termo “mundo livre”,
jargão da Guerra Fria, o mandatário brasileiro mostrou suas garras, sem
mediações ou elipses. Mostrou-se de corpo inteiro.
Bolsonaro não se colocou para o
mundo, mas para a extrema-direita mundial em uma fala lida – e mal construída,
do ponto de vista do discurso, com inúmeros vai-e-vens – e meditada
previamente. Seu objetivo parece ser claro; colocar-se como condutor da onda
conservadora mundial.
Logo de saída, mostrou a que
veio: atacou os governos que desejavam levar o Brasil “ao socialismo”, com seu
rastro de “corrupção e crimes”, denunciou “a ditadura cubana” e seus médicos
“sem qualificação”, arremessou diatribes contra a Venezuela, denunciou o
“monopólio do cacique Raoni”, investiu contra reservas indígenas “que têm ouro,
diamantes e outras riquezas no subsolo”, elogiou nominalmente o “patriotismo”
do juiz Sergio Moro, e – entre variadas menções à política doméstica –
assegurou que a Amazónia não está em chamas. Tudo faz parte do “sensacionalismo
da mídia”.
Disparou contra a ideologia que
toma conta “das escolas e universidades” e criticou acidamente os que buscam
desvirtuar “nossas crianças” através da eliminação da “identidade biológica”.
Citou nominalmente “o petismo” que transformou nosso país em “abrigo de
terroristas, como Césare Battisti” e elogiou a ação de “nossa Polícias
Militares”. Sacou da algibeira a versão de que teria sido esfaqueado por “um
militante de esquerda”, em 2018.
Cita nominalmente Donald Trump
como parceiro na luta pela “soberania nacional”, acusa o caráter “colonialista”
do G7 elogia os EUA duas vezes e agradece à “colaboração” de Israel em
“recentes desastres” em “meu país”. Mencionou trechos da Bíblia, agradeceu a
Deus e atropelou sílabas e pontuações.
Collor de Mello esteve na mesma
assembleia geral, em 1991 para exaltar que “O ideário liberal venceu, e devemos
lutar para que se imponha de forma coerente, ampla e, sobretudo, inovadora”.
Era claramente a exaltação de um lado da História, no momento em que caíam a
URSS e o leste europeu. Mas, em nenhum momento, foi tão longe no anticomunismo
de almanaque, como faz Bolsonaro.
José Sarney, FHC, Lula e Dilma
fizeram pronunciamentos memoráveis naquela tribuna. Falaram para o mundo,
criticaram guerras, crises e desastres económicos.
FHC chegou a ser apelidado,
jocosamente, de “presidente-pomada”, pois serviria apenas para uso externo. A
brincadeira deplorava sua gestão interna, mas exaltava os competentes discursos
na ONU.
Em 2013, a presidenta
brasileira fez corajoso discurso, afirmando que “Recentes revelações sobre as
atividades de uma rede global de espionagem electrónica provocaram indignação e
repúdio em amplos setores da opinião pública mundial”.
Bolsonaro não fala sobre
conjuntura mundial, não toca na disputa EUA e China e suas duras consequências
para a periferia, deixa de lado problemas sociais globais e sequer se lembra de
mencionar a escalada de desemprego, violência e crise que assola o Brasil. Numa
locução recheada de menções pessoais, não toca no nome da menina Ágatha Félix,
fuzilada pela polícia carioca. Em tom quase patético, pede a estrangeiros que
“visitem o Brasil, conheçam o Brasil”, para verem que nosso país não é o que se
fala por aí.
A agressividade dos mais de 20
minutos de discurso mostra que o presidente brasileiro age externamente como
faz aqui: fala para os seus, para a extrema direita global. É previsível e não
intervém globalmente. Mostra-se provinciano e defensivo, ao lavar roupa suja doméstica
– em tom macartista aggiornato – e acusar de falsos os alertas
internacionais sobre o meio ambiente.
Na tribuna não estava o dirigente
de uma das dez maiores economias do mundo, de um ator global importante ou
mesmo de um líder regional. Quem usou do microfone foi um diminuto Mussolini de
arrabalde, uma caricatura de meganha truculento.
Os vinte minutos de holofotes
podem gerar manchetes mundo afora. Mas não escondem o ridículo alucinante do
comportamento do “novo Brasil” diante do mundo.
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