Jorge Rocha* | opinião
Como socialista incomoda-me
a tendência de alguns dirigentes socialistas (e espante-se, até do Bloco!) em
considerarem-se sociais-democratas. O termo obedece a conceitos que nada têm a
ver com o Socialismo enquanto sistema alternativo ao capitalismo, tendo apenas
a ver com uma forma de reformismo eivado da pretensão de tornar mais
suportáveis os métodos da atual exploração do homem pelo homem. Daí que, pese
embora ter ficado associado a formas de governo, que foram-se progressivamente
desviando do que ele propusera nos seus textos teóricos, Marx ficou
injustamente depreciado com a queda do Muro de Berlim. E, no entanto, os meios
académicos não são os únicos a reconhecerem-lhe o mérito de ter construído a
análise mais aprofundada, e correta, sobre o capitalismo. Também nos meios
financeiros há quem se aperceba da justeza desses argumentos, porque o seu
postulado fundamental mantém-se pertinente: o capitalismo é instável, as crises
sucedem-se e as sociedades vão vendo agravadas as desigualdades de rendimento entre
os detentores dos meios de produção e os que apenas têm a força do trabalho
para venderem como empregados daqueles. As últimas décadas têm acentuado esse
desequilíbrio de rendimentos entre o fator capital e o fator trabalho não
havendo ainda as mais do que justificadas tensões sociais, só porque o sistema
teve a habilidade de neutralizar os partidos e movimentos políticos dotados de
uma visão estratégica substantiva, sendo substituídos por contestações
inorgânicas como as protagonizadas recentemente em França pelos coletes
amarelos.
Não tivesse o movimento
contestatário ao capitalismo perdido a noção do interesse coletivo em
detrimento dos de raiz corporativa e estaríamos bem mais próximos do desiderato
anunciado por Marx: o derrube de um sistema que levara os patrões a maximizarem
a exploração da mão-de-obra no sentido de alcançarem o lucro máximo sob pena de
serem substituídos por quem se mostrasse mais eficiente nesse objetivo.
O que Marx não anteviu foi que
demorasse tanto tempo a chegar-se a essa agudização decisiva: vivendo exilado
em Inglaterra na fase da intensificação da industrialização, ele assistiu à
degradação das condições de vida dos operários que, em Liverpool, em 1869, só
tinham uma esperança de vida de 28 anos, indicador que desde a Peste Negra
nunca estivera tão baixo. Ele acreditou que as razões da revolta estavam a
crescer de uma forma irreversível. Só que os reformistas, entre os quais se
contaram os sociais-democratas, vieram aligeirar os níveis de exploração ao
mesmo tempo que os lucros promoviam um rápido desenvolvimento económico, que
tornava acessíveis, mesmo aos operários, o acesso ao consumo de bens
anteriormente proibitivos.
Pode-se considerar que, ao longo
do século XX, as condições de agudização social tendentes a apressarem ou a
adiarem as condições para a mudança qualitativa do sistema económico, ora foram
avançando, ora recuando. A globalização foi a derradeira oportunidade para o
capitalismo iludir as populações com as vantagens da concorrência e da
superioridade da propriedade privada. Sem poder expandir-se mais do que já
conseguiu o capitalismo não consegue prosseguir com as suas economias de escala
em mercados sem outras geografias por onde se expandir. Pode-se até considerar
que, não fosse esse fôlego derradeiro garantido pela globalização e as
desregulamentações laborais lançadas por Reagan ou Thatcher, já se teria
agravado o panorama de emprego nas sociedades ocidentais, ainda assim, marcado
pelo trabalho precário, pelo desemprego dos jovens e pela dura realidade de, em
diversos países - a começar por essa montra mais vistosa do capitalismo, que
são os Estados Unidos -, o facto de se ter um emprego (ou dois, ou três) não
ser condição bastante para sair da espiral de empobrecimento por que passam
muitos setores sociais.
Momentaneamente aqueles que
poderiam incluir-se nos que Dostoievski crismou de «Humilhados e Ofendidos»,
podem andar a ser enganados por opiáceas religiões, tendentes a convencê-los de
existirem paraísos no Além para quem aqui se conformar com o Inferno quotidiano.
Podem errar ao deixarem-se arrastar por gente da extrema-direita, que anseia
por os ter como exército de idiotas, que os ajude a criar melhores condições
políticas para melhor os amordaçar. Ou podem subsistir outras formas de os
enganar, seja sob a forma de fanatismos futebolísticos ou mentiras descaradas
nos jornais, nas televisões ou nas redes sociais. Mas foi Brecht quem lembrou
que um rio, que se veja muito apertado no seu leito, acabará por extravasar
violentamente para as margens. E lá irá para o caixote do lixo da História este
modelo económico que, hoje em dia, beneficia um número progressivamente
diminuto de plutocratas e condena a enorme maioria à frustração de ter cada vez
mais mês para caber em tão exígua paga.
Sobra, enfim, outro fator, que
ganha crescente importância: se o capitalismo obriga a que se produza cada vez
mais, sem olhar a como nem com quê, o aquecimento global e a redução
progressiva dos recursos sustentáveis do planeta obrigam a pôr-lhe urgente fim.
Como um número crescente de intelectuais e políticos começam a considerar,
importa criar as bases sólidas de um Eco-Socialismo alternativo, que ganhe
arrebatador apoio nos que pretendem ver cumpridos os pressupostos marxistas de
uma maior igualdade na distribuição de rendimentos ao mesmo tempo que se
respeite a sustentabilidade do planeta que nos serve de casa.
Como propunha Marx a meio do
século XIX contra este capitalismo, que nos conduz para uma distopia
apocalítica, só há uma solução: substitui-lo pelo sistema económico e social,
que a História impõe que lhe suceda.
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