segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Um outro mundo é possível!


Jorge Rocha* | opinião

Como socialista incomoda-me a tendência de alguns dirigentes socialistas (e espante-se, até do Bloco!) em considerarem-se sociais-democratas. O termo obedece a conceitos que nada têm a ver com o Socialismo enquanto sistema alternativo ao capitalismo, tendo apenas a ver com uma forma de reformismo eivado da pretensão de tornar mais suportáveis os métodos da atual exploração do homem pelo homem. Daí que, pese embora ter ficado associado a formas de governo, que foram-se progressivamente desviando do que ele propusera nos seus textos teóricos, Marx ficou injustamente depreciado com a queda do Muro de Berlim. E, no entanto, os meios académicos não são os únicos a reconhecerem-lhe o mérito de ter construído a análise mais aprofundada, e correta, sobre o capitalismo. Também nos meios financeiros há quem se aperceba da justeza desses argumentos, porque o seu postulado fundamental mantém-se pertinente: o capitalismo é instável, as crises sucedem-se e as sociedades vão vendo agravadas as desigualdades de rendimento entre os detentores dos meios de produção e os que apenas têm a força do trabalho para venderem como empregados daqueles. As últimas décadas têm acentuado esse desequilíbrio de rendimentos entre o fator capital e o fator trabalho não havendo ainda as mais do que justificadas tensões sociais, só porque o sistema teve a habilidade de neutralizar os partidos e movimentos políticos dotados de uma visão estratégica substantiva, sendo substituídos por contestações inorgânicas como as protagonizadas recentemente em França pelos coletes amarelos.

Não tivesse o movimento contestatário ao capitalismo perdido a noção do interesse coletivo em detrimento dos de raiz corporativa e estaríamos bem mais próximos do desiderato anunciado por Marx: o derrube de um sistema que levara os patrões a maximizarem a exploração da mão-de-obra no sentido de alcançarem o lucro máximo sob pena de serem substituídos por quem se mostrasse mais eficiente nesse objetivo.

O que Marx não anteviu foi que demorasse tanto tempo a chegar-se a essa agudização decisiva: vivendo exilado em Inglaterra na fase da intensificação da industrialização, ele assistiu à degradação das condições de vida dos operários que, em Liverpool, em 1869, só tinham uma esperança de vida de 28 anos, indicador que desde a Peste Negra nunca estivera tão baixo. Ele acreditou que as razões da revolta estavam a crescer de uma forma irreversível. Só que os reformistas, entre os quais se contaram os sociais-democratas, vieram aligeirar os níveis de exploração ao mesmo tempo que os lucros promoviam um rápido desenvolvimento económico, que tornava acessíveis, mesmo aos operários, o acesso ao consumo de bens anteriormente proibitivos.


Pode-se considerar que, ao longo do século XX, as condições de agudização social tendentes a apressarem ou a adiarem as condições para a mudança qualitativa do sistema económico, ora foram avançando, ora recuando. A globalização foi a derradeira oportunidade para o capitalismo iludir as populações com as vantagens da concorrência e da superioridade da propriedade privada. Sem poder expandir-se mais do que já conseguiu o capitalismo não consegue prosseguir com as suas economias de escala em mercados sem outras geografias por onde se expandir. Pode-se até considerar que, não fosse esse fôlego derradeiro garantido pela globalização e as desregulamentações laborais lançadas por Reagan ou Thatcher, já se teria agravado o panorama de emprego nas sociedades ocidentais, ainda assim, marcado pelo trabalho precário, pelo desemprego dos jovens e pela dura realidade de, em diversos países - a começar por essa montra mais vistosa do capitalismo, que são os Estados Unidos -, o facto de se ter um emprego (ou dois, ou três) não ser condição bastante para sair da espiral de empobrecimento por que passam muitos setores sociais.

Momentaneamente aqueles que poderiam incluir-se nos que Dostoievski crismou de «Humilhados e Ofendidos», podem andar a ser enganados por opiáceas religiões, tendentes a convencê-los de existirem paraísos no Além para quem aqui se conformar com o Inferno quotidiano. Podem errar ao deixarem-se arrastar por gente da extrema-direita, que anseia por os ter como exército de idiotas, que os ajude a criar melhores condições políticas para melhor os amordaçar. Ou podem subsistir outras formas de os enganar, seja sob a forma de fanatismos futebolísticos ou mentiras descaradas nos jornais, nas televisões ou nas redes sociais. Mas foi Brecht quem lembrou que um rio, que se veja muito apertado no seu leito, acabará por extravasar violentamente para as margens. E lá irá para o caixote do lixo da História este modelo económico que, hoje em dia, beneficia um número progressivamente diminuto de plutocratas e condena a enorme maioria à frustração de ter cada vez mais mês para caber em tão exígua paga.

Sobra, enfim, outro fator, que ganha crescente importância: se o capitalismo obriga a que se produza cada vez mais, sem olhar a como nem com quê, o aquecimento global e a redução progressiva dos recursos sustentáveis do planeta obrigam a pôr-lhe urgente fim. Como um número crescente de intelectuais e políticos começam a considerar, importa criar as bases sólidas de um Eco-Socialismo alternativo, que ganhe arrebatador apoio nos que pretendem ver cumpridos os pressupostos marxistas de uma maior igualdade na distribuição de rendimentos ao mesmo tempo que se respeite a sustentabilidade do planeta que nos serve de casa.

Como propunha Marx a meio do século XIX contra este capitalismo, que nos conduz para uma distopia apocalítica, só há uma solução: substitui-lo pelo sistema económico e social, que a História impõe que lhe suceda.

Sem comentários:

Mais lidas da semana