Depois de demitir o Governo de
Aristides Gomes, o Presidente cessante, José Mário Vaz, nomeou, esta
terça-feira, um novo primeiro-ministro, que já tomou posse. PAIGC critica e
CEDEAO considera ilegal.
O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz,
nomeou, esta terça-feira (29.10), Faustino Imbali para o cargo de
primeiro-ministro do país. Uma nomeação que acontece poucas horas depois
do chefe
de Estado ter demitido o Governo liderado por Aristides Gomes e ter
convidado o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), o
segundo partido mais votado nas eleições de março, a indicar um nome para
primeiro-ministro.
Esta tarde, na tomada de posse
como primeiro-ministro, Faustino Imbali disse que a prioridade do seu
Governo é a realização das eleições presidenciais a 24 de
novembro. "Eleições que, por imperativo da nossa função como chefe do
Governo, seremos intimados a levar a cabo com a maior isenção possível
transparência, imparcialidade, liberdade, sapiência e sempre imbuídos de
sentido de Estado e de responsabilidade", acrescentou.
O combate à corrupção e ao
tráfico de droga, e garantir paz e estabilidade no país, estão também entre as
prioridades de Faustino Imbali, que garantiu também que "o
diálogo será a palavra de ordem no relacionamento do Governo com os partidos
políticos e com os candidatos às eleições presidenciais".
Faustino Imbali já foi
primeiro-ministro da Guiné-Bissau, entre março e dezembro de 2001, e ministro
dos Negócios Estrangeiros, entre 2012 e 2013. Foi fundador do partido Manifesto
do Povo, mas atualmente é militante do Partido de Renovação Social (PRS), que
tem acordo de incidência parlamentar com o MADEM-G15.
José Mário
Vaz responsabiliza o executivo de Aristides Gomes por agravar a
discórdia e desconfiança quanto ao processo de preparação das eleições
presidenciais, marcadas para 24 de novembro, com a repressão de um protesto
que se realizou no sábado (26.10), em Bissau, que provocou um morto, e
não foi autorizado pelo Ministério do Interior.
José Mário Vaz terminou o seu
mandato como Presidente da Guiné-Bissau em junho, mas continuou em funções
por decisão dos chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos
Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política no país.
Numa cimeira em Abuja, a 29 de junho, os chefes de Estado e de Governo da
CEDEAO decidiram que José Mário Vaz continuaria em funções até à eleição de um
novo chefe de Estado.
Esta terça-feira, após
a demissão do Governo e posterior nomeação de um novo primeiro-ministro, a
CEDEAO emitiu um comunicado, no qual considera que o decreto presidencial
em causa é "ilegal".
"Relativamente ao decreto
presidencial nº 12/2019 de 28 de outubro, demitindo o Governo atual dirigido
pelo primeiro-ministro Aristides Gomes, cujo caráter ilegal é evidente", a
CEDEAO "lembra que este Governo resulta de decisões da cimeira" de 29
de junho de 2019, lê-se.
Na mesma nota, a CEDEAO expressa
"grande preocupação pela evolução recente da situação política na
Guiné-Bissau", reitera "todo o seu apoio ao primeiro-ministro
Aristides Gomes e ao seu Governo" e ameaça aplicar sanções a quem perturbar
o processo para as eleições presidenciais de 24 de novembro.
"Todos os que, de alguma
maneira, travem o progresso harmonioso do processo eleitoral atualmente em
curso com vista às eleições presidenciais de 24 de novembro serão sujeitos a
sanções", afirma a CEDEAO.
Jomav não é Presidente, diz PAIGC
Por sua vez, o presidente do
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos
Simões Pereira, afirmou que o decreto de demissão foi assinado pelo
candidato José Mário Vaz e não pelo Presidente.
"Não é o Presidente que
assina o decreto, é um candidato. O Presidente continua em funções com base no
consenso de Abuja", lembrou Domingos Simões Pereira, acrescentando que
"a atuação de José Mário Vaz está em linha com o que nos habituou nos
últimos cinco anos".
Em declarações à agência de
notícias Lusa, Domingos Simões Pereira disse que vai encorajar o Executivo
liderado por Aristides Gomes a continuar em funções e a organizar as eleições
presidenciais, e pede à comunidade internacional que atue e imponha sanções a
todos os que continuarem a obstruir a ordem democrática.
Esta tarde, o PAIGC emitiu um
comunicado onde reforça a opinião do seu líder: "A tentativa de decretar a
exoneração do Governo constitucional, saído das eleições legislativas de 10 de
março, é nula, inexistente e inválida, porquanto ilegal e inconstitucional, e
um atentado ao Estado de Direito democrático, à paz e estabilidade da
Guiné-Bissau, assim como uma afronta à comunidade internacional", lê-se no
comunicado.
O PAIGC salienta que depois de
"goradas todas as intenções anteriores de compra de votos na Assembleia
Nacional Popular para o chumbo do programa de Governo, de lançar ondas de
protesto para semear a desordem e o caos" e conseguir travar o processo
para as eleições presidenciais, José Mário Vaz decidiu "agravar a lista de
crimes cometidos contra a Nação".
Governo reage
Reunido de urgência, esta
terça-feira (29.10), o Conselho de Ministros divulgou um comunicado no qual
"repudia veemente a intenção do Presidente da República em instalar um
clima de desordem total no país" com o intuito de "interromper o
processo eleitoral". No mesmo documento, o Governo de Aristides Gomes
responsabiliza José Mário Vaz "e os partidos políticos da minoria
parlamentar, por todas as consequências que poderão resultar desta tentativa de
desestabilizar o país".
Na manhã desta terça-feira
(29.10), já depois de ter sido demitido, Aristides Gomes publicou, na
sua página oficial no Facebook, fotografias de reuniões de trabalho, escrevendo
que hoje é "mais um dia de serviço à Nação". Mais tarde, após o Conselho
de Ministros, Aristides Gomes afirmou aos jornalistas que "só sai se for
pela via da força".
Quanto ao que se passa no país, o
primeiro-ministro considerou ser o início de um golpe de Estado, mas, reforçou,
que foi prontamente denunciado pelo seu Governo e condenado pela comunidade
internacional.
"Atitude lamentável"
Em entrevista à DW África, o
jurista Suleimane Cassamá diz concordar com a CEDEAO, que o decreto que
exonerou o Governo é ilegal - por dois motivos: "Para além de
pequenos atos cerimoniais, [José Mário Vaz] não deve proferir nenhum ato
político-jurídico, porque já é candidato e, infelizmente, formalizou a sua
candidatura junto do Supremo Tribunal de Justiça e foi aceite; e tem mandato
caduco. Esses dois aspetos não permitem que [ele realize] sequer uma simples
convocatória, para alguma reunião de nenhum órgão de soberania", explicou.
Suleimane Cassamá considera, por
isso, "inexistente" o decreto em causa. "Forçar a produção dos
efeitos deste decreto significa ir contra a lei, a constituição e contra o
próprio país", afirma.
Também o constitucionalista Jorge
Miranda chama a atenção para a mesma realidade, afirmando que os atuais
poderes de José Mário Vaz são apenas protocolares. "É uma verdadeira
situação de golpe de Estado, é a continuação do golpe de Estado. Já terminou o
mandato e devia limitar-se a assumir protocolarmente as funções", disse.
Para o constitucionalista, que
participou na elaboração da Constituição da Guiné-Bissau, esta é uma situação
"lamentável".
"É mais uma crise na
Guiné-Bissau. Tem tantas crises e é mais uma. É lamentável", disse Jorge
Miranda, que acrescentou: "Acho que o Governo vai continuar em funções e
faz bem, mas isso pode provocar um conflito. Esperemos que tudo se resolva
pacificamente".
CPLP apoia Aristides Gomes
Em declarações à Lusa, o
secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), Francisco Ribeiro Telles, explicou que o executivo liderado por
Aristides Gomes "obedece aos requisitos constitucionais, como tal é um
governo legítimo".
O mesmo responsável afirmou que,
para a CPLP, a prioridade é também a realização das presidenciais, que a seu
ver são "eleições determinantes para o futuro da Guiné-Bissau, mas
difíceis e complexas".
Portugal pede
"estabilidade" e eleições
Reagindo também, esta terça-feira
(29.10), ao anúncio da demissão do Executivo da Guiné-Bissau pelo Presidente da
República, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de
Portugal, apontou que a posição do seu país "é inteiramente clara" e
a sua principal preocupação é que haja "estabilidade" na
Guiné-Bissau.
"O processo eleitoral na
Guiné-Bissau e o processo de estabilização na Guiné-Bissau tem no próximo dia
24 de novembro um momento muito importante, que é a realização da eleição presidencial.
Está marcada para 24 de novembro e, havendo necessidade de uma segunda volta,
haverá uma segunda volta no fim de dezembro. Do ponto de vista do Governo
português, nada deve impedir a realização das eleições presidenciais na
Guiné-Bissau", declarou.
O chefe da diplomacia portuguesa
considerou que a tomada de posse de Faustino Imbali "carece de
legitimidade, quer jurídica quer política, e contribui para acentuar o momento
de crise que se vive hoje na Guiné-Bissau". Santos Silva apelou ainda
a José Mário Vaz que "reconsidere as decisões que tenha tomado" e
"contribua para a realização de eleições [presidenciais] em 24 de
novembro".
Deutsche Welle | Agência Lusa | Iancuba
Dansó (Bissau), rl
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