quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné-Bissau | José Mário Vaz nomeia Faustino Imbali para primeiro-ministro


Depois de demitir o Governo de Aristides Gomes, o Presidente cessante, José Mário Vaz, nomeou, esta terça-feira, um novo primeiro-ministro, que já tomou posse. PAIGC critica e CEDEAO considera ilegal.

 O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, nomeou, esta terça-feira (29.10), Faustino Imbali para o cargo de primeiro-ministro do país. Uma nomeação que acontece poucas horas depois do chefe de Estado ter demitido o Governo liderado por Aristides Gomes e ter convidado o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), o segundo partido mais votado nas eleições de março, a indicar um nome para primeiro-ministro.

Esta tarde, na tomada de posse como primeiro-ministro, Faustino Imbali disse que a prioridade do seu Governo é a realização das eleições presidenciais a 24 de novembro. "Eleições que, por imperativo da nossa função como chefe do Governo, seremos intimados a levar a cabo com a maior isenção possível transparência, imparcialidade, liberdade, sapiência e sempre imbuídos de sentido de Estado e de responsabilidade", acrescentou.

O combate à corrupção e ao tráfico de droga, e garantir paz e estabilidade no país, estão também entre as prioridades de Faustino Imbali, que garantiu também que "o diálogo será a palavra de ordem no relacionamento do Governo com os partidos políticos e com os candidatos às eleições presidenciais". 

Faustino Imbali já foi primeiro-ministro da Guiné-Bissau, entre março e dezembro de 2001, e ministro dos Negócios Estrangeiros, entre 2012 e 2013. Foi fundador do partido Manifesto do Povo, mas atualmente é militante do Partido de Renovação Social (PRS), que tem acordo de incidência parlamentar com o MADEM-G15.

José Mário Vaz responsabiliza o executivo de Aristides Gomes por agravar a discórdia e desconfiança quanto ao processo de preparação das eleições presidenciais, marcadas para 24 de novembro, com a repressão de um protesto que se realizou no sábado (26.10), em Bissau, que provocou um morto, e não foi autorizado pelo Ministério do Interior. 

CEDEAO considera "ilegal" decreto presidencial

José Mário Vaz terminou o seu mandato como Presidente da Guiné-Bissau em junho, mas continuou em funções por decisão dos chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política no país. Numa cimeira em Abuja, a 29 de junho, os chefes de Estado e de Governo da CEDEAO decidiram que José Mário Vaz continuaria em funções até à eleição de um novo chefe de Estado.

Esta terça-feira, após a demissão do Governo e posterior nomeação de um novo primeiro-ministro, a CEDEAO emitiu um comunicado, no qual considera que o decreto presidencial em causa é "ilegal".

"Relativamente ao decreto presidencial nº 12/2019 de 28 de outubro, demitindo o Governo atual dirigido pelo primeiro-ministro Aristides Gomes, cujo caráter ilegal é evidente", a CEDEAO "lembra que este Governo resulta de decisões da cimeira" de 29 de junho de 2019, lê-se.

Na mesma nota, a CEDEAO expressa "grande preocupação pela evolução recente da situação política na Guiné-Bissau", reitera "todo o seu apoio ao primeiro-ministro Aristides Gomes e ao seu Governo" e ameaça aplicar sanções a quem perturbar o processo para as eleições presidenciais de 24 de novembro. 

"Todos os que, de alguma maneira, travem o progresso harmonioso do processo eleitoral atualmente em curso com vista às eleições presidenciais de 24 de novembro serão sujeitos a sanções", afirma a CEDEAO.

Jomav não é Presidente, diz PAIGC

Por sua vez, o presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, afirmou que o decreto de demissão foi assinado pelo candidato José Mário Vaz e não pelo Presidente.

"Não é o Presidente que assina o decreto, é um candidato. O Presidente continua em funções com base no consenso de Abuja", lembrou Domingos Simões Pereira, acrescentando que "a atuação de José Mário Vaz está em linha com o que nos habituou nos últimos cinco anos".

Em declarações à agência de notícias Lusa, Domingos Simões Pereira disse que vai encorajar o Executivo liderado por Aristides Gomes a continuar em funções e a organizar as eleições presidenciais, e pede à comunidade internacional que atue e imponha sanções a todos os que continuarem a obstruir a ordem democrática.

Esta tarde, o PAIGC emitiu um comunicado onde reforça a opinião do seu líder: "A tentativa de decretar a exoneração do Governo constitucional, saído das eleições legislativas de 10 de março, é nula, inexistente e inválida, porquanto ilegal e inconstitucional, e um atentado ao Estado de Direito democrático, à paz e estabilidade da Guiné-Bissau, assim como uma afronta à comunidade internacional", lê-se no comunicado. 

O PAIGC salienta que depois de "goradas todas as intenções anteriores de compra de votos na Assembleia Nacional Popular para o chumbo do programa de Governo, de lançar ondas de protesto para semear a desordem e o caos" e conseguir travar o processo para as eleições presidenciais, José Mário Vaz decidiu "agravar a lista de crimes cometidos contra a Nação". 

Governo reage

Reunido de urgência, esta terça-feira (29.10), o Conselho de Ministros divulgou um comunicado no qual "repudia veemente a intenção do Presidente da República em instalar um clima de desordem total no país" com o intuito de "interromper o processo eleitoral". No mesmo documento, o Governo de Aristides Gomes responsabiliza José Mário Vaz "e os partidos políticos da minoria parlamentar, por todas as consequências que poderão resultar desta tentativa de desestabilizar o país".

Na manhã desta terça-feira (29.10), já depois de ter sido demitido, Aristides Gomes publicou, na sua página oficial no Facebook, fotografias de reuniões de trabalho, escrevendo que hoje é "mais um dia de serviço à Nação". Mais tarde, após o Conselho de Ministros, Aristides Gomes afirmou aos jornalistas que "só sai se for pela via da força". 

Quanto ao que se passa no país, o primeiro-ministro considerou ser o início de um golpe de Estado, mas, reforçou, que foi prontamente denunciado pelo seu Governo e condenado pela comunidade internacional. 

"Atitude lamentável"

Em entrevista à DW África, o jurista Suleimane Cassamá diz concordar com a CEDEAO, que o decreto que exonerou o Governo é ilegal - por dois motivos: "Para além de pequenos atos cerimoniais, [José Mário Vaz] não deve proferir nenhum ato político-jurídico, porque já é candidato e, infelizmente, formalizou a sua candidatura junto do Supremo Tribunal de Justiça e foi aceite; e tem mandato caduco. Esses dois aspetos não permitem que [ele realize] sequer uma simples convocatória, para alguma reunião de nenhum órgão de soberania", explicou.

Suleimane Cassamá considera, por isso, "inexistente" o decreto em causa. "Forçar a produção dos efeitos deste decreto significa ir contra a lei, a constituição e contra o próprio país", afirma.

Também o constitucionalista Jorge Miranda chama a atenção para a mesma realidade, afirmando que os atuais poderes de José Mário Vaz são apenas protocolares. "É uma verdadeira situação de golpe de Estado, é a continuação do golpe de Estado. Já terminou o mandato e devia limitar-se a assumir protocolarmente as funções", disse.

Para o constitucionalista, que participou na elaboração da Constituição da Guiné-Bissau, esta é uma situação "lamentável".

"É mais uma crise na Guiné-Bissau. Tem tantas crises e é mais uma. É lamentável", disse Jorge Miranda, que acrescentou: "Acho que o Governo vai continuar em funções e faz bem, mas isso pode provocar um conflito. Esperemos que tudo se resolva pacificamente".

CPLP apoia Aristides Gomes

Em declarações à Lusa, o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles, explicou que o executivo liderado por Aristides Gomes "obedece aos requisitos constitucionais, como tal é um governo legítimo".

O mesmo responsável afirmou que, para a CPLP, a prioridade é também a realização das presidenciais, que a seu ver são "eleições determinantes para o futuro da Guiné-Bissau, mas difíceis e complexas". 

Portugal pede "estabilidade" e eleições

Reagindo também, esta terça-feira (29.10), ao anúncio da demissão do Executivo da Guiné-Bissau pelo Presidente da República, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, apontou que a posição do seu país "é inteiramente clara" e a sua principal preocupação é que haja "estabilidade" na Guiné-Bissau.

"O processo eleitoral na Guiné-Bissau e o processo de estabilização na Guiné-Bissau tem no próximo dia 24 de novembro um momento muito importante, que é a realização da eleição presidencial. Está marcada para 24 de novembro e, havendo necessidade de uma segunda volta, haverá uma segunda volta no fim de dezembro. Do ponto de vista do Governo português, nada deve impedir a realização das eleições presidenciais na Guiné-Bissau", declarou. 

O chefe da diplomacia portuguesa considerou que a tomada de posse de Faustino Imbali "carece de legitimidade, quer jurídica quer política, e contribui para acentuar o momento de crise que se vive hoje na Guiné-Bissau". Santos Silva apelou ainda a José Mário Vaz que "reconsidere as decisões que tenha tomado" e "contribua para a realização de eleições [presidenciais] em 24 de novembro". 

Deutsche Welle | Agência Lusa | Iancuba Dansó (Bissau), rl

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