Pequim, 29 nov 2019 (Lusa) - Num
dos edifícios da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (Beiwai), quase
cem alunos e ex-alunos, oriundos de toda a China, aguardam por um exame de
português, um projeto de vida que atrai cada vez mais chineses.
"Espero conseguir com este
certificado [CAPLE, Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeira] ter
mais oportunidades de emprego", explica à agência Lusa Zelma, que viajou
deste Tianjin, cidade portuária a 120 quilómetros de Pequim, ilustrando a
crescente competitividade no mercado de trabalho para licenciados em português,
língua que, até há pouco, significava emprego certo na China.
A mais antiga licenciatura em
língua portuguesa da República Popular da China foi criada em 1961,
precisamente na Beiwai. Durante quase vinte anos, aquele curso foi o único do
género no país e, até ao final da década de 1990, surgiu apenas mais um, em Xangai.
No entanto, o ensino do português
no continente chinês registou um crescimento acelerado nos últimos 20 anos,
coincidindo com o retorno de Macau à soberania de Pequim, que confiou à região
o papel de plataforma comercial com os países lusófonos.
A evolução das trocas comerciais
entre a China e a lusofonia, que só em 2018 se cifraram em 147.354 milhões de
dólares (131.206 milhões de euros), um aumento de 25,31%, em termos homólogos,
geraram uma crescente necessidade em formar quadros para trabalhar com os
países de língua portuguesa.
Hoje, não contando com Macau e
Hong Kong, há 25 universidades chinesas que ensinam português, abrangendo mais
de 1.500 estudantes. No entanto, o rápido aumento da oferta está a dificultar a
vida aos profissionais da área, habituados outrora a receberem propostas de
trabalho mesmo antes de terminarem o curso.
"Para quem tem apenas
licenciatura, encontrar emprego na China tornou-se difícil", diz Isabel,
que entrou em 2008 para o curso de português da Universidade Normal de Harbin,
no nordeste da China, e tirou depois uma pós-graduação na Universidade de
Macau.
"Optei por estudar português
porque na altura havia escassez de profissionais com conhecimentos da
língua", recorda. "Mas, nos últimos anos, o mercado tornou-se mais
competitivo".
Para os recém-licenciados que
rumam a Pequim ou Xangai, as duas principais metrópoles do país, e que estão
entre as cidades com mais alto custo de vida do mundo, o salário inicial varia
entre 7.000 e 8.000 yuan (900 a 1.000 euros).
Um intérprete simultâneo chinês -
português e vice-versa pode receber até 10.000 yuan (1.300 euros) por dia de
trabalho, geralmente a acompanhar delegações de empresários ou visitas
oficiais, mas trata-se de uma tarefa ocasional e executada apenas pelos
profissionais mais experientes.
Já quem está disposto a rumar a
África "continua a ter muitas oportunidades", conta Isabel.
Em Angola ou Moçambique um
intérprete e tradutor numa das centenas de empresas chinesas que ali operam na
construção de infraestruturas, setor energético ou mineração, recebe por ano
entre 200.000 e 400.000 yuan (entre 25.000 e 50.000 euros), segundo estimativas
da agência Lusa, com base em ofertas de emprego difundidas em portais chineses.
A maior exigência no mercado de
trabalho levou a Beiwai a elevar este ano o seu departamento de estudos de
língua portuguesa ao estatuto de faculdade, visando complementar o ensino da
língua com conhecimentos "mais aprofundados" sobre os países
lusófonos e "aumentar o intercâmbio internacional", diz à agência
Lusa a diretora, Patrícia Jin.
"É um passo natural, que nos
permite ter mais recursos, mais possibilidades e mais alunos e
professores", explica. "Com esta evolução, abriremos mais cadeiras,
em cinco área de estudo: linguística, tradução, literatura, ciência política,
economia e comércio", detalha.
Entre os licenciados há também
quem opte por reforçar o seu curriculum com um mestrado em Portugal ou no
Brasil.
Zelma, por exemplo, vai em breve
começar um mestrado na Universidade de Lisboa, permitindo-lhe também conhecer
melhor um país cuja História aprendeu ainda no ensino secundário.
"Fui sempre aluna da área
das Humanidades e sempre gostei muito de História, conheço bem o período dos
Descobrimentos", conta.
JPI // PJA
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