Dos mais de 180 compromissos
nacionais firmados no pacto climático para a redução de emissões, cerca de 75%
são insuficientes para retardar o aquecimento global, afirma relatório. União
Europeia é rara exceção.
Cientistas estão alertando que as
mudanças climáticas poderão, em breve, chegar a um ponto sem volta. Embora esse
ponto de inflexão continue sendo motivo de desacordo na comunidade científica,
há consenso sobre a melhor maneira de evitá-lo: reduzindo rapidamente as
emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
Mas o principal instrumento para
atingir essa redução de emissões – o Acordo de Paris sobre o clima
– está lamentavelmente se mostrando insuficiente. Firmado
em 2015, o pacto internacional visa limitar o aumento da temperatura a 2
ºC em relação aos níveis da era pré-industrial, com os países se
esforçando para limitar a 1,5 ºC.
Segundo um relatório do
Fundo Ecológico Universal (FEU) divulgado nesta terça-feira (05/11), cerca
de 75% dos 184 compromissos nacionais que compõem o Acordo de Paris
foram considerados insuficientes para retardar as mudanças climáticas. Para
piorar, algumas dessas promessas ainda não estão sendo nem implementadas,
afirma a organização.
A divulgação do relatório foi
planejada para coincidir com a próxima Conferência da ONU sobre as Mudanças
Climáticas (COP), a ser realizada em Madri em dezembro, na qual os
signatários do Acordo de Paris poderão fazer novas promessas com cortes de
emissões mais acentuados.
Desde que o Acordo de Paris foi
ratificado em 2016, apenas seis países revisaram suas metas: quatro ampliaram
seus cortes, e dois enfraqueceram suas promessas.
"Com exceção de alguns
compromissos, ou seja, da União Europeia e de outros sete países, as metas são
bastante insuficientes", diz à DW Robert Watson, ex-presidente do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e coautor do relatório do FEU.
Segundo Watson, os compromissos
nacionais não impedirão que o aumento da temperatura se limite a 2 ºC,
muito menos à meta mais ambiciosa de 1,5 ºC. "Os compromissos são
simplesmente muito poucos, e estão sendo implementados tarde demais",
afirma. "Queremos pressionar por metas muito mais ambiciosas o mais rápido
possível."
Também nesta terça-feira, um
manifesto publicado na revista Bioscience Magazine e assinado
por mais de 11 mil cientistas de 153 países declarou que, a menos que
medidas urgentes sejam tomadas, uma emergência climática poderá trazer
"sofrimento sem precedentes" para o planeta.
A meta de 2 °C está descartada?
Não é a primeira vez que se
apontam falhas nas chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CDNs),
que formam o cerne do Acordo de Paris.
Em setembro, o relatório
histórico United in Science – que sintetiza a pesquisa climática de
grandes organizações parceiras, incluindo o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma), o Projeto Global de Carbono (GCP) e o IPCC – apontou que
as promessas de Paris precisam ser triplicadas para que seja possível evitar
um aquecimento catastrófico.
Se implementadas conforme o
acordo, as metas atuais atingirão um aquecimento próximo de 3 ºC no final
deste século, afirma Pep Canadell, diretor-executivo do GCP e coautor do
relatório, em entrevista à DW.
Segundo Canadell, mais
preocupante talvez seja o fato de que a chance de limitar o aquecimento a 1,5
ºC já tenha passado e que, a menos que o pico de emissões seja atingido antes
de 2030, "as chances de [o aquecimento] permanecer abaixo de 2 ºC
também estarão amplamente perdidas".
De acordo com o relatório, um
problema é que as economias emergentes China e Índia, que estão entre os maiores
emissores de gases de efeito estufa do mundo, apenas se comprometeram a reduzir
a "intensidade" de suas emissões em relação ao PIB até 2030.
O crescimento econômico contínuo
fará com que as emissões desses países poluidores aumentem nas próximas décadas,
o que significa que ambos ainda têm um longo caminho a percorrer para atingir
as metas de Paris.
Um raro pingo de esperança recai
sobre os 28 Estados-membros da União Europeia, que deverão reduzir, até 2030,
as emissões de gases de efeito estufa em 58% em relação aos níveis de
1990.
Zero emissão
Parte do problema com as
promessas de Paris é que esses compromissos não vinculativos não são
consistentes com os objetivos mais amplos, afirma Niklas Höhne, sócio-fundador
do NewClimate Institute, organização de pesquisa sediada na Alemanha. Como
antídoto, ele diz que os países precisam estabelecer imediatamente um
cronograma para zerar – e manter assim – as emissões líquidas de CO2.
"Não se trata mais de
pequenos compromissos", afirma Höhne, lembrando a política de emissão
líquida zero com a qual o Partido Trabalhista do Reino Unido já se comprometeu
até 2030, bem como os patrocinadores do "Green New Deal" (novo pacto
verde) do Partido Democrata nos Estados Unidos.
Robert Watson, coautor do
relatório do FEU, diz concordar que zerar as emissões líquidas
precisa ser a meta até 2050, o que significaria que no mínimo a energia
elétrica deveria ser 100% renovável.
O abandono dos EUA
Os Estados Unidos, historicamente
o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, complicaram as coisas
quando o governo do presidente Donald Trump, nesta semana, confirmou sua saída
do Acordo de Paris.
Considerando as reversões por
parte de Trump das principais regulamentações americanas sobre o clima, o
compromisso assumido pelo governo de Barack Obama de reduzir as emissões em
26-28% até 2025 provavelmente não será cumprido.
"Consideramos isso [a saída
dos EUA do Acordo de Paris] definitivamente uma decisão perigosa", afirma
Sven Harmeling, especialista em clima da CARE, uma ONG da Holanda que ajuda
comunidades vulneráveis a se adaptarem à crise climática.
"Apelamos a outros países,
mas também às partes interessadas nos Estados Unidos, sejam cidades, sejam
empresas, para que não se distraiam com o passo isolado do governo americano e
intensifiquem a luta contra as mudanças climáticas", diz Harmeling à DW.
Watson afirma que existe
potencial para que sejam cumpridas as metas americanas no Acordo de Paris com
ou sem Trump, já que governos estaduais e a indústria privada estabelecem suas
próprias metas de descarbonização: "Há algumas faíscas de esperança de
que, mesmo nos EUA, na ausência de liderança do governo e do Congresso, alguns
dos estados e indústrias do país estejam tentando reduzir as emissões de
CO2."
A Califórnia, por exemplo – que
seria a quinta maior economia do mundo em termos de PIB – estabeleceu uma meta
de zerar suas emissões líquidas até 2045. "Esse é um grande avanço e um
sinal muito encorajador", aponta Höhne.
Stuart Braun (ca) | Deutsche
Welle
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