Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Será que no final da preparação,
discussão e aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2020 teremos um cenário
político dinâmico e mobilizador dos portugueses, ou vão ampliar-se os sinais de
uma governação encalhada que amiúde nos atormentam nos últimos tempos?
Quando, em 2015, os partidos da
Esquerda definiram compromissos parcelares, mas convergentes, para que o
Partido Socialista pudesse formar governo e tivesse apoio parlamentar estável,
considerei que seria possível encetar-se um ciclo político de reformas
progressistas - no período de algumas legislaturas - que pusesse termo às
políticas de autoflagelação em que os portugueses haviam sido enfiados, desde
praticamente o início do século, e projetasse um rumo de desenvolvimento humano
e social, económico, cultural e político.
Colocavam-se várias exigências
para o êxito desse processo reformista: primeira, o azimute político a seguir
teria de, no fundamental, respeitar as balizas que vão da consideração
programática do Partido Socialista todo, até aos limites dos programas dos
campos à sua esquerda; segunda, era necessário dar pequenos passos de reversão
das imposições mais violentas e simbólicas do austeritarismo, mas passar
progressivamente para objetivos estratégicos.
A primeira legislatura, em geral,
correu bem porque o caderno de encargos resultante dos compromissos entre as
forças que compunham a maioria parlamentar era de mínimos e correspondia aos
pequenos passos iniciais necessários. Além disso todos os partidos da maioria
agiram com forte sentido de responsabilidade, fator mobilizador e estabilizador
da sociedade. Contudo, no último terço da legislatura tornou-se evidente que o
governo não apostava nas mudanças estruturais necessárias.
Na saúde, o ensaio de última hora
foi pobre e contraditório. No trabalho, António Costa vem apurando o discurso
progressista e na prática guinando à direita. Na educação, na gestão do
território, na revitalização da Administração Pública nada avançou. Nestas
áreas vitais os problemas agudizam-se. A situação complicar-se-á se o OE não
trouxer novas respostas. Mas as medidas para se garantir, por exemplo, uma boa
gestão da Administração Pública ou a capacitação do SNS chocam com
questionáveis pressupostos das "contas certas".
Hoje parece evidente que o PS e
António Costa geriram o período pós-eleições com sobranceria; que o
"otimismo irritante" aplicado a processos de pesca à linha pode ser
desastroso; que o reforço do PS não acrescentou solidez e estabilidade, antes
pelo contrário; que seria vantajoso o OE 2020 ser bem urdido à esquerda, com
definição e ordenação das prioridades e dos meios a afetar; que o contexto
europeu e internacional fosse interpretado, não apenas pela cartilha seguidista
que o "PS sozinho" adota face aos poderes dominantes da União Europeia
ou da NATO, mas também com perspetivas críticas; que os setores empresariais
retrógrados se sentissem menos à vontade para chantagearem o OE e para
promoverem cenários apocalíticos que travam o crescimento dos salários,
estratégia que há de conduzir à contínua emigração dos trabalhadores
qualificados e à degradação do perfil da economia.
O capitão do barco quererá mesmo
desencalhá-lo? É isso que se deseja.
*Investigador e professor
universitário
*Publicado no JN em 7.12.2019
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