sábado, 19 de janeiro de 2019

Capitalismo e o espírito naif para a construção do futuro


A - A estrutura e a atuação do capital

O capitalismo aprecia lucros, acima de tudo; e para os garantir atende a todos os meios de os conseguir, avaliando os custos que tem de incorrer para o efeito, procedendo tecnicamente ao que se chama análise custo-benefício. 

Essa análise cinge-se a uma abordagem meramente técnica e contabilística, no caso de pequenos negócios. Isso já não acontece quando se trata de grandes negócios, envolvendo vultuosos meios financeiros, humanos e de capital; aí, além daquelas abordagens, triviais, são enquadradas as variáveis envolventes, como as económicas, as sociais, as políticas, as ideológicas e, mais recentemente, as ecológicas.
  
Vejamos de seguida, um ensaio de definição da organização global do capitalismo
  
1 - Objetivo essencial do capitalismo - A acumulação de capital

Essa acumulação alimenta-se da produção de bens e serviços, para consumo ou investimento, tendo como base o trabalho humano;

E, sob a forma de especulação no mercado financeiro, com base em decisões tomadas por algoritmos.

Principais instrumentos da acumulação capitalista

O consumismo é captura psicológica de massas, é um vício, uma adição que alimenta o "mercado". Essa captura torna as próprias vítimas do capitalismo em interessados na sua continuidade; 

O endividamento é uma alavanca do consumo e para o comprometimento de rendimentos futuros. Por seu intermédio, o sistema financeiro apossa-se dos salários e dos bens das pessoas; garante uma fatia da carga fiscal aplicada pelos governos sobre a multidão; e condiciona ad aeternum as finanças públicas através da dívida:

Os gastos militares animam a atividade económica dos países produtores; são elementos de contenção de intervenções externas, embora na generalidade pouco possam conter; ou, são instrumentos de intervenções no exterior na base de um ilegítimo direito de intervenção. Em todos os casos suportam parasitárias castas militares; 
  
As transnacionais, o sistema financeiro e o capital do crime entrelaçam-se numa matriz complexa e mutável de conluios e conflitos, cujos fins justificam todos os meios, incluindo um cortejo enorme de disfunções e sofrimento nas relações entre os povos e no seio de cada um destes. São os elementos estruturantes da reprodução de capital;

Os estados-nação são unidades geográficas de divisão e gestão diferenciada do rebanho humano, uma herança do capitalismo colonialista e concorrencial dos séculos passados, atualmente enquadrados, na sua grande maioria, pelas transnacionais e pelo capital financeiro que estruturam o mundo globalizado de hoje. É no seu âmbito que as classes políticas nacionais procedem à gestão de proximidade da mansidão dos povos;

Várias organizações internacionais funcionam como gestores setoriais de nível planetário - OMC. FMI/BM, OMS, UNCTAD... - ou associando vários países, num âmbito regional alargado - OCDE, UE, NATO, ASEAN, OCX... Claro que nessas organizações se evidencia a hierarquia existente entre os estados-nação, muitos dos quais não têm sequer capacidades de acompanhamento dos assuntos, por dificuldades financeiras ou técnicas, limitando-se a votar ao lado dos mais fortes, por convicção ou compra de voto;

As classes políticas nacionais são as zeladoras dos interesses dos capitalistas nacionais e da sua integração e compatibilização face ao capital global; hierarquizam os interesses dos grupos nacionais que bem sabem como cooptar ou corromper membros influentes das classes políticas. Em regra, apresentam-se divididas entre governo e oposição, um género de Dupont e Dupond mas, com mais aptidões para o teatro. Em foracomo o Bilderberg são chamados anualmente a prestar provas os mandarins locais tomados como promissores candidatos a cargos supranacionais;

As ideologias nacionalistas, patrioteiras ou xenófobas atravessam os espetros políticos nacionais como instrumentos de divisão, diversão e controlo dos povos. O inimigo torna-se a globalização - embora já tenha séculos e as suas crises de depressão tenham promovido nacionalismos e guerras apocalíticas. Os capitalistas nacionais ficam isentos de responsabilidades e a culpa das desgraças é o Outro - imigrante, refugiado, islâmico, negro, estrangeiro; um discurso que inflama gente perdida num mundo que não entende, que a tv não explica;

Os grandes media conjugam várias caraterísticas - manipuladores de opinião, por ocultação ou deturpação de factos, propagandistas de futilidades sociais, desportivas ou políticas e de tradutores dos grandes media globais. Essas qualidades empurram as pessoas para as redes sociais onde, no seio de uma grande vacuidade é possível alguma expressão livre, com uma margem menor quanto a censura; embora a contrapartida seja a exploração massificada de dados. Como pertencentes a grupos empresariais detêm relações íntimas com os grandes negócios e as classes políticas;

A autoridade estatal desenvolve atividade no âmbito da repressão policial ou judiciária, socialmente muito discriminatória e ainda, através da via fiscal no contexto da redistribuição regressiva do rendimento. É o Estado que procura conjugar benefícios que atendam à competitividade dos capitalistas com uma carga fiscal que se torne compaginável com as capacidades dos sindicatos para a contenção social; e ainda que proceda à produção legislativa que forneça de modo discreto, elementos favoráveis ao empresariato, à movimentação de capitais, à exploração dos trabalhadores;

A simbiose entre o Estado e o capital, mormente financeiro, corresponde a uma captura do primeiro pela lógica do segundo; são os casos dos sistemas de saúde, educação, ação social, segurança social, do abandono de uma política de habitação, dos transportes públicos, das vias de comunicação, do abastecimento público de água, eletricidade, comunicações, etc;

O sistema educativo - público ou privado - encontra-se mercantilizado, parcelarizado em extremo (ao contrário do que significa universidade) mormente a nível superior. É o grande doutrinador do individualismo, da competição e do empreendedorismo tecnocrático, da preparação para o "mercado" de trabalho, para a máquina burocrática das empresas ou das instituições públicas e ainda para enformar a classe política;

A democracia de mercado vulgarmente conhecida por representativa (embora só os gangs partidários estejam representados) não passa de um placebo de uma real democracia. Estabelece um fosso entre os eleitos e os eleitores, colocados de fora de qualquer possibilidade de representação; eterniza os membros da classe política como "representantes"; exclui, na realidade, qualquer referendo ou outra iniciativa popular, sobretudo para a retirada de mandatos a quem demonstre incapacidade ou comportamentos indignos.

3 - Efeitos colaterais do modelo de acumulação de capital

Desenvolve-se uma luta acerba - comercial, política, militar - entre empresas e Estados, pelos recursos materiais do planeta, como pelo controlo dos ditos mercados consumidores;

Face aos danos ambientais motivados pela competição inerente aos grupos capitalistas e aos seus Estados, revelam-se duas atitudes por parte de capitalistas e das classes políticas - a da gestão mercantil desses danos, como mais uma oportunidade de negócio ou, a da sua efetiva desvalorização enquanto problema, como se observa pelas considerações de Trump e Bolsonaro;

Na ausência de uma narrativa política globalizante e suficientemente consensual de superação do capitalismo, tornam-se dominantes fórmulas tecnocráticas ou politicamente inócuas de encarar os problemas sociais, políticos, económicos ou ambientais; e, recentemente têm surgido narrativas fascizantes recolhidas no sótão de avós pouco recomendáveis;

O aumento da parcela dos rendimentos nacionais embolsados pelos ricos - bem como da riqueza na sua posse - empurra as populações para dificuldades económicas que geram estagnação ou redução dos seus padrões de vida que, contudo, não têm sido origem de levantamentos populares; Perante a crise sistémica de baixas taxas de reprodução do capital é mobilizado o Estado para desempenhar um papel supletivo ou preventivo dos efeitos da desestruturação económica, social e ambiental, causados pela acumulação capitalista. Esse papel consubstancia-se ainda no apoio a grupos capitalistas, mormente bancos ou, no apoio a desempregados para que se lancem na aventura do empresariado em nome individual, que na grande maioria dos casos termina em falência, endividamento e frustração;

O papel da propaganda promovida pelas classes políticas tem-se acentuado para gerar a mansidão da multidão - com a criteriosa utilização de instrumentos vários, como a manipulação, a ameaça e a repressão. A ideia de que os modelos em vigor - económico e político - são os melhores e os mais eficientes de todos - there is no alternative - vai vingando, ao contrário de outras épocas, dada a ausência de uma esquerda anticapitalista com notoriedade e alheia aos novelos que embrulham e indiferenciam as classes políticas;

O magno objetivo da acumulação vem conduzindo ao afogamento da Humanidade em dívida[1] - pública ou privada - com regulares crises financeiras que a inércia dos povos permite sejam temporariamente superadas. A dívida, em geral, serve para antecipar consumos e, sobretudo, capturar os devedores; desse ponto de vista não é pagável, haja ou não pífias reestruturações. Por outro lado, as cascatas de títulos de dívida que alimentam a especulação financeira servem para esse efeito e não para serem liquidadas; até porque o devedor inicial, o real, rapidamente fica desconhecido após sucessivas titularizações;

Parte das inovações tecnológicas visam o controlo social através da vacuidade e da manipulação - redes sociais, media, a focagem de tempo e atenção em smartphones - para além de gerar negócios impulsionadores de rápidas formas acumulação de capital; um controlo social muito mais intenso e eficaz do que no tempo em que a imprensa era dominante;

A crescente parcela da acumulação de capital que provém dos delírios financeiros, associada aos avanços atuais e futuros na gestão da informação ou na robotização, colocam às altas esferas do capital - e os seus think tanks - a questão, a médio prazo, de uma redução drástica dos efetivos humanos.
  
B - A insuficiência de qualquer abordagem parcelar do capitalismo
  
Como sistema, global e integrado, o capitalismo, pode ser observado de vários ângulos - económico, social, político, tecnológico e ambiental, entre outros; e, devido a essas caraterísticas, qualquer medida ou acontecimento setorial, de per si, interage com outros sectores, melhorando o desempenho nuns mas afetando negativamente outros. A II Guerra, provocou enorme destruição material e humana mas, daí resultaram alterações profundas, no ordenamento global a nível tecnológico, económico, social e político. Os celebrados 30 gloriosos anos conduziram, na Europa, à instauração do modelo social europeu que depois foi adulterado e extinto pelo neoliberalismo, o qual, por sua vez, gerou novos paradigmas na área laboral. O desmoronar da URSS e do seu capitalismo de estado facilitou a integração da Europa de Leste na UE e empurrou a Rússia para alianças estratégicas baseadas na Ásia... Contudo, globalmente, pode dizer-se que houve apenas reajustamentos no âmbito do modo de produção capitalista. 
  
Outro caso de reajustamento, obviamente menos profundo e mais estrito, é o da proibição dos clorofluorcarbonetos (CFC) e dos halons em 1987, que contribuiu para a redução do buraco do ozono, embora o acordo para essa supressão tenha sido facilitado porque a sua produção estava centrada uma grande empresa, a DuPont; ... e ainda porque logo se encontraram sucedâneos, não havendo danos para o sistema capitalista. Aliás, curiosamente, o CO2 ajuda a aumentar o ozono na estratosfera ao contrário do metano, num efeito líquido que estará em estudo.
  
Enquanto os grupos de contestação - ainda que com méritos técnicos e políticos em questões circunscritas - se cingirem a abordagem parcelares e sem um perfil estratégico, o capitalismo saberá proceder à gestão das concessões, cooptações e repressões, necessárias e convenientes para a sua continuidade; sobretudo, porque dispõe de vários organismos, think tanks e consultores com meios poderosos, de caráter técnico, financeiro e de conhecimentos, capazes de proceder a sínteses, estratégias políticas, táticas, de âmbito geográfico e social, mais específico ou alargado, mais verídico ou mais falsificado[2]
  
Quanto mais circunscrita - no espaço e no âmbito - for a contestação, mais facilitada será a repressão e mais difícil será a congregação de apoios populares face às atitudes do poder. Se os grupos de contestação, cada qual com uma base circunscrita de atuação - aspetos ambientais, sociais, políticos, económicos... - se concertarem ou federarem os seus objetivos contra o capitalismo como elemento bloqueador do bem-estar dos povos, a sua atuação ganhará força, consistência, recursos, visibilidade e abrangência no combate. Por outro lado, essa integração, pela troca de ideias e pela interação entre os vários grupos temáticos, contribuirá para uma maior maturidade na consciência da necessária supressão do capitalismo. 
  
fracasso da luta anticapitalista - mesmo nas suas distintas áreas - está garantido enquanto não tiver por detrás a força vital e a vontade expressa e militante da multidão de seres humanos, despidos de complexos nacionalistas, étnicos ou religiosos; ou ainda, se incorporarem instituições verticalizadas e autoritárias, como são os Estados ou os partidos políticos que, aliás, estão ficando desacreditados, como se tem observado em França na revolta dos Coletes Amarelos. Os Estados nasceram, no dealbar do capitalismo, para dar coesão aos estados-nação, como coutadas de restritos grupos de capitalistas, procurando vincar no "seu" povo, através da escola e do serviço militar, a diferença e o antagonismo face aos outros povos; fazendo esquecer que dos dois lados de uma fronteira há apenas seres humanos com os mesmos propósitos essenciais de vida. 
  
Assim, os estados-nação com os seus instrumentos de repressão e saque da multidão estão sendo, na sua maioria, subalternizados pela globalização daí surgindo duas tendências. Uma cosmopolita, inclusiva, de cruzamento de corpos e culturas, de construção do comum; e outra, temerosa do futuro e que se refugia por detrás da xenofobia, da fronteira e do antagonismo face ao Outro, sempre visto como ameaça, esperando recriar o paraíso dentro da narrativa oitocentista de "a cada povo uma nação".  
  
Assim, na luta global e em todas as frentes nas quais o capitalismo exerce o seu domínio ou influência, a supressão daquele deverá exercer-se a partir de enxames de redes rizomáticas, com decisão democrática, horizontal, tomada por todos, uma vez que a existência de hierarquias e dos privilégios facilita casos de traições, de cooptações ou conluiosvindas de instituições que servem o capital - mormente as classes políticas.
  
Este e outros textos em: 
http://grazia-tanta.blogspot.com/                            
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents


[1]  Como o sistema financeiro captura a Humanidade através da dívida
Reestruturar a dívida pública nada resolve na nossa vida
  
[2]  Como exemplo das típicas manipulações produzidas por consultores, recorde-se, nos anos 90, que a EDP pretendia construir uma barragem no rio Coa mas, a descoberta de pinturas rupestres veio levantar obstáculos ao empreendimento. Expedita, a gestão da EDP recorreu a um "reputado especialista" que negou valor histórico aos achados, que seriam obra de pastores do século... XIX. Descobriu-se que o especialista era um burlão e, com a mudança de governo, a construção da barragem foi abandonada.

Em http://grazia-tanta.blogspot.com/

** Extraído de Pravda.ru

Portugal | O Diabo do Rui


Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

O tempo que uma semente demora a morrer após brotar na face oculta da Lua não é muito menor do que o tempo que o PSD demorou a tentar enterrar Rui Rio num vaso. Apenas um ano após o mais recente Congresso do partido, assim é quando a terra aparenta não ser fértil. O PSD apresenta-se, aos olhos dos eleitores, como uma laranja espremida à espera de um desastre. Não será fácil conviver com esta realidade num partido com profundas convicções de baronato que se vê a perder povo todos os dias. Nas palavras de Rui Rio, o "espectáculo pouco dignificante que estamos a dar aos portugueses" é isso mesmo: um circo de poder daqueles que há um ano não quiseram apresentar-se como alternativa interna e que agora avançam pela pressão de uma horda de deputados e autarcas que sentem que vão perder o seu lugar de pousio. Este é o PSD entregue à sua falta de fé. Este é o partido mais preocupado com os seus dramas internos do que comprometido em romancear com o país. Personagens, figurinhas, barões assinalados. Afinal o Diabo chegou e para os "passistas" dá pelo nome de Rui Rio.

A herança de Rui Rio era pesada e árdua, sabia-se. Rio ganhou o Congresso num partido que ainda não se tinha sequer convencido que perdera o Governo ganhando eleições. É coisa para abalar qualquer democrata, mesmo aqueles que não estavam bem cientes de como funcionava o sistema parlamentar português. E esse inconformismo nunca foi verdadeiramente resolvido pelos "passistas" eleitos, sentados agora na sombra de um líder que não os escolheu e que os deixará inapelavelmente na mão pelas listas eleitorais que se aproximam. Ou pelos votos que, provavelmente, perderão nas urnas. Eis uma catástrofe anunciada que só pode ser erradicada pela raiz antes da contagem decrescente. Pé em riste, cartão laranja-avermelhado, a queimar. Antes da razia, a azia. O PSD faz tiro ao boneco, dispara o seu fogo-amigo ao líder que elegeu para um período de transição onde se esperava que, pelo menos, a "geringonça" perdesse peças ou que Rio coisificasse a purga interna. Acabou por ser uma aparente perda de tempo e um exercício de baixa autoestima para todos.

A crispação e guerrilha interna à liderança de Rui Rio não encontra paralelo em nenhum exercício comparativo de semelhanças. A intensidade da contestação foi sempre tão gritante que mais parecia que o PSD havia descido à adolescência, à procura de conformar o Mundo à sua medida. É, neste momento, um projecto político de personalidades, dividido por dois rumos antagónicos e dissensões num contexto de PREC à Direita. Demasiadas borbulhas, mesmo para um adolescente.

*Músico e jurista

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Foto: Mário Cruz/Lusa

Portugal | Ary dos Santos: O poeta do povo e da revolução


Ary dos Santos morre jovem, em 18 de Janeiro de 1984, com 47 anos, na vertigem de uma vida vivida com a mesma intensidade que iluminava a sua poesia.

Manuel Augusto Araújo | Abril Abril | opinião

Ary dos Santos foi um malabarista da palavra, descobrindo na simplicidade das metáforas conexões inesperadas que se apropriam da linguagem popular que recupera para a linguagem maior, mesmo erudita, da poesia. São raros os poetas que conseguem o ritmo encantatório, quase alucinado que imprime aos seus versos. Ler Ary no silêncio das páginas acaba sempre por acordar a sua poderosa voz de declamador em que sabia como poucos enfatizar a oralidade omnipresente na sua poesia escrita para ser dita ou cantada. Na poesia de Ary tudo parece fácil, quase imediato, escrito de um jacto sem rasuras. Uma aparente facilidade que oculta um intenso e complexo trabalho de criatividade e renovação que mergulha nas raízes populares sem nunca decair no imediatismo nem nas vulgaridades. Há uma linha de continuidade na sua obra poética, desde o seu primeiro livro Adereços, Endereços até ao último Estrada da Luz/Rua da Saudade, uma autobiografia romanceada de uma vida em que todos os minutos foram vividos em alta rotação, assumidos com uma coragem rara.

A sua importância para a poesia moderna portuguesa é inegável não só por ser um cidadão-poeta empenhado desde sempre na transformação social, o que adquire expressão maior no pós-25 de Abril, como na renovação do fado, a canção típica da sua bem-amada cidade: Lisboa.

Como nenhum outro é o poeta por excelência da Revolução dos Cravos que plasmou em inúmeros poemas de alto calibre na sua grande qualidade e originalidade, colocando em muitos a tónica militante do amor ao seu partido, o Partido Comunista Português. Uma poesia viril, uma voz indomada e indomável, como bem escreveu Baptista-Bastos, bem expressa no poema «Poeta Castrado, Não!»:

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado      não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é seu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já se não fala
‑ é tão vulgar que nos cansa
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
‑ a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
‑ Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
‑ Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
demagogo       mau profeta
falso médico       ladrão
prostituta       proxeneta
espoleta       televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!


Não, nunca foi um poeta castrado. Foi um poeta militante, um homem-poeta traidor à sua classe, era oriundo de uma família aristocrática, por amor ao seu povo.

Versos para serem cantados ou declamados que falam da grandeza das coisas simples, do amor, da nobreza do trabalho, das lutas pelos amanhãs que virão, da pulsação cívica dos bairros, dos mistérios escondidos nos passagens da sua cidade. Versos que parecem surgir do nada, do quase nada como se construíssem repentinamente e que são muitíssimo trabalhados por quem, como poucos, arrombava todos os segredos da língua. Poemas que assombram pelo ritmo que a declamação sublinha e por, nas canções, se colarem à música para que foram escritos. Assombro ainda maior por serem escritos sobre a música e não musicados a posteriori, por um Ary que sem conseguir acertar um compasso descobria a vibração do som com um fulgor deslumbrante. Ouça-se «Estrela da Tarde», um paradigma dessa revelação num poema em que o poeta exige uma música onde pudesse colocar a torrente de palavras que o inquietava.

Um elitismo bacoco e infame procura diminuir a grandeza de Ary dos Santos, não lhe perdoando a Bandeira Vermelha1 que orgulhosamente transportava, que procuram silenciá-lo fazendo-o pagar bem caro a sua militância comunista, a sua assumida homossexualidade.

No trabalho sobre a palavra em Ary, nada é banal nem banalizável, mesmo nos slogans publicitários em que roçava, a par de Alexandre O’Neill, a excepcionalidade.

Ary é um génio da poesia, das letras extraordinárias para fados e canções. Um talento superlativo, magnifico, sem desperdícios de um homem de uma grandeza de alma incomum amante do seu país, do seu povo, da sua cidade, do seu partido.

Ary dos Santos morre jovem, em 18 de Janeiro de 1984 com 47 anos, na vertigem de uma vida vivida com a mesma intensidade que iluminava a sua poesia. Uma vida cunhada pela frontalidade, a generosidade e o vigor que colocava em cada segundo que vivia.

É este poeta maior entre os poetas seus contemporâneos que está ocultado dos programas escolares. Raramente é recordado nos meios de comunicação social, silêncio de maior a estranheza na rádio e na televisão sendo ele autor de muitas das mais belas canções que se escreveram em português. É a infâmia do círculo de silêncio da mediocridade propinante que procura menorizar este enorme poeta por lhe ser insuportável a sua grandeza militante.

A voz de Ary continua e continuará a fazer-se ouvir sobre os escombros desse desdém medíocre, com uma força que a história registará e que continua bem viva em todos os seus camaradas e todos os que continuam a luta que foi dele e que é de todo o povo patriota.

Nota:
1.Um dos mais emocionantes e interventivos poemas de Ary dos Santos foi criado em poucas horas, para o jornal Avante!, em 14 de Agosto de 1975, que publicou uma reportagem sobre a violência fascista que, dias antes, desatada em Braga, destruíra o Centro de Trabalho do PCP na cidade. Vale a pena ler este poema e a sua história.

Repressão Patronal | Arménio Carlos: “Não foi a Cristina que difamou a empresa”

Marcha Solidária com Cristina Tavares, contra a repressão e os despedimentos ilegais Créditos/ Facebook
Na Marcha Solidária com Cristina Tavares, que decorreu este sábado em Santa Maria de Lamas, foram anunciadas novas iniciativas de apoio à trabalhadora, vincando-se a ilegalidade do seu despedimento.

A marcha foi convocada em solidariedade com Cristina Tavaresfuncionária que a Fernando Couto Cortiças despediu, no passado dia 10, na sequência do processo disciplinar que a empresa corticeira instaurou à trabalhadora, em Novembro do ano passado, por denegrir a imagem da empresa. A trabalhadora tinha denunciado as condições em que fora reintegrada, em Maio último, por ordem judicial, após ter sido despedida anteriormente.

Para justificar este despedimento, a empresa acusou a operária de ter proferido «afirmações caluniosas», mas, para o Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte (SOCN/CGTP-IN), a situação configura-se como uma «retaliação», uma vez que o processo disciplinar foi instaurado a Cristina Tavares poucos dias depois de a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ter dado como provada a existência de uma atitude repressiva constante contra a funcionária por parte da empresa, que foi autuada em 31 mil euros.

«Não à repressão, não aos despedimentos»

Entre a centena e meia de participantes na marcha de hoje, que decorreu entre o Parque de Santa Maria de Lamas e a sede da APCOR (Associação Portuguesa da Cortiça), na mesma localidade do concelho da Feira, «havia muitas dezenas de trabalhadores e activistas sindicais, sobretudo do distrito de Aveiro, mas também dos de Coimbra, Porto e Braga», disse ao AbrilAbril o coordenador da União de Sindicatos de Aveiro (USA), Adelino Nunes.

O dirigente sindical sublinhou que a marcha «foi bem ruidosa, com muitas palavras de ordem». Solidários com Cristina e denunciando a situação em que se encontra, os participantes exigiram «Trabalho com direitos» e disseram, sobretudo, «Não à repressão» e «Não aos despedimentos».

Numa mobilização que, para além do movimento sindical, contou com representantes de organizações e partidos políticos como o Movimento Democrático de Mulheres, PCP, Partido Ecologista «Os Verdes» e BE, já no final o SOCN anunciou que solicitou uma reunião aos partidos com assento na Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira.

Adelino Nunes disse ainda ao AbrilAbril que o sindicato vai promover a realização de uma nova iniciativa solidária no próximo sábado, dia 26: um cordão humano frente à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

«Não foi a Cristina que difamou a empresa»

No final da marcha, junto à associação patronal da cortiça, intervieram João Ribeiro, da Interjovem, Alírio Martins, presidente do SOCN, e Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP-IN.

O sindicato, além de prosseguir com a queixa-crime já apresentada contra a empresa, por assédio, anunciou que vai avançar com a impugnação do despedimento, referiu o coordenador da USA.

Por seu lado, o secretário-geral da Inter sublinhou a necessidade de manter a solidariedade com Cristina Tavares, bem como com outros trabalhadores em idênticas circunstâncias, tendo feito um apelo para que tais casos sejam denunciados aos sindicatos.

Na intervenção final, Arménio Carlos, que destacou a ilegalidade do despedimento desta trabalhadora, afirmou que «não foi a Cristina que difamou a empresa», mas foi esta que agiu em «retaliação», ao arrepio da decisão judicial.

A melhor testemunha de Cristina Tavares é a ACT, «que confirmou que a trabalhadora estava a ser assediada, humilhada e sujeita a um trabalho improdutivo», frisou Arménio Carlos.

Abril Abril

O Gancho | Henri Cartoon


HenriCartoon | por Henrique Monteiro

Football Leaks | Hacker evita cadeia com prova de que vive há ano e meio na Hungria

Rui Pinto
Juíza húngara coloca Rui Pinto, que assumiu ligação ao Football Leaks, em prisão domiciliária. PJ teme que, fora da cadeia, suspeito aproveite para apagar rasto dos crimes que lhe são imputados.

O hacker português Rui Pinto, que, após ter sido detido na quarta-feira passada, na Hungria, assumiu a sua ligação ao escândalo Football Leaks, conseguiu, para já, evitar a cadeia, com a prova de que vivia há ano e meio no mesmo apartamento, em Budapeste, na capital húngara.

Rui Pinto está desde esta sexta-feira em prisão domiciliária com vigilância electrónica, enquanto as autoridades húngaras decidem se o entregam ao Ministério Público português, que emitiu o mandado europeu que esteve na origem da sua detenção. A Polícia Judiciária tentava há muitos meses localizar o pirata informático suspeito de tentativa de extorsão e acesso ilegítimo, entre outros crimes.

O seu advogado húngaro, David Deak, explicou ao PÚBLICO que apresentou documentos em tribunal, nomeadamente um contrato de arrendamento, que convenceram a juíza que analisou quais as restrições que deviam ser impostas ao jovem de 30 anos, enquanto as autoridades húngaras decidem a extradição. “Ele explicou que vivia na mesma casa há um ano e meio e não andava a fugir de ninguém. Insistiu ainda que nunca tinha sido punido criminalmente e que não é um criminoso”, completou David Deak.

O Ministério Público húngaro tinha pedido que o hacker ficasse na cadeia à espera da decisão sobre a sua extradição, o que, segundo David Deak, é aceite na maioria dos casos. “Por isso, recorreram para a segunda instância, pedindo a prisão do meu cliente e eu recorri, pedindo que lhe fosse imposta a restrição mínima: ficar em liberdade, mas impedido de sair da cidade de Budapeste”, adiantou ainda o advogado húngaro. A decisão do tribunal superior deve ser conhecida nas próximas duas semanas. 

Sobre os motivos que levaram o hacker a opor-se à sua entrega às autoridades portuguesas, David Deak declarou apenas que a defesa acredita que não terá um processo justo em Portugal, sem justificar essa convicção.

Quem não ficou nada contente com a prisão domiciliária de Rui Pinto foi a Polícia Judiciária, que investiga há mais de três anos o hacker e teme que a liberdade de contactos e de movimentos – ainda que confinada à sua casa – lhe permita, pessoalmente ou através de terceiros, apagar o rasto dos crimes de que é suspeito.

No mandado de detenção europeu emitido esta semana, o Ministério Público português alega que há o perigo de Rui Pinto fugir, de perturbar a investigação e de continuar a actividade criminosa. Por isso, assume-se a intenção de apresentar o pirata informático a um juiz de instrução que determine uma medida de coacção mais gravosa que o simples termo de identidade e residência, quando este chegar a Portugal.

A detenção do hacker, comunicada aos vários países da União Europeia através da Europol, está a suscitar o interesse de autoridades estrangeiras que pretendem ter acesso ao vasto material informático apreendido - discos externos, pen drives, cartões de memória e num computador - e interrogar o jovem.

Esta sexta-feira, um dos advogados de Rui Pinto, William Bourdon, afirmou que o hacker estava a colaborar com o Ministério Público francês, que, desde Dezembro de 2016, investiga crimes de fraude fiscal qualificada, na sequência das revelações feitas por um consórcio de jornalistas com base em documentos colocados no site do Football Leaks. “Existe uma cooperação activa entre Rui Pinto e o Parquet National Financier [departamento especializado em crimes financeiros]”, revelou Bourdon em declarações à France Press, citadas pelo Expresso.

O semanário diz que Rui Pinto também aceitou um pedido de colaboração que lhe tinha sido enviado por um procurador suíço, que está a liderar uma investigação sobre a relação entre um colega magistrado e o presidente da FIFA, Gianni Infantino. Isto na sequência de notícias publicadas em Novembro passado pelo consórcio de jornalistas, com base em documentos divulgados pelo Football Leaks.

Neste momento, o Ministério Público imputa a Rui Pinto seis crimes: dois crimes de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo, um de ofensa a pessoa colectiva e ainda uma tentativa de extorsão.

O único clube de futebol visado por estes ilícitos é o Sporting, que terá sido vítima de um crime de acesso ilegítimo. Rui Pinto terá acedido, a 30 de Setembro de 2015, ao email de vários membros da administração e do departamento jurídico dos “leões”. Antes, já fizera o mesmo com o sistema informático do fundo de investimento Doyen Investment Sports, que financia passes de jogadores e treinadores de futebol. Esses documentos acabaram publicados num site intitulado Football Leaks. Este fundo, sediado em Malta, também terá sido visado pela tentativa de extorsão que o Ministério Público imputa a Rui Pinto.

Mariana Oliveira | Público

Cerca de 30% da população timorense enfrenta insegurança alimentar -- Governo


Díli, 18 jan (Lusa) -- Cerca de 30% da população timorense enfrenta insegurança alimentar, valor que aumenta para mais de metade em algumas das regiões do país, segundo um relatório sobre a alimentação no país, divulgado pelas autoridades nacionais.

"Cerca de 30% da população de Timor-Leste enfrenta insegurança alimentar crónica, 21% enfrenta insegurança alimentar moderada e 15% insegurança grave", explicou o ministro da Agricultura e Pescas, Joaquim Martins Gusmão.

A situação é particularmente grave em zonas como o enclave da Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA) ou o município de Ermera, a sul da capital, onde respetivamente 58 e 55 por cento dos habitantes enfrentam insegurança grave crónica.

Rofino Soares Gusmão, chefe do Departamento de Segurança Alimentar disse que a população que vive essa situação é de 42% em Ainaro, de 40% em Manufahi, de 37% em Aileu e de 35% em Baucau, a segunda cidade do país.   

Melhorar a produtividade agrícola e fortalecer a qualidade alimentar das populações são essenciais, defende o Governo, nas zonas mais afetadas.

Dados das Nações Unidas mostram que uma maioria da população continua sem se alimentar adequadamente, com a nutrição a afetar significativamente a saúde de muitos timorenses.

O problema da nutrição é um dos mais graves em Timor-Leste, com elevados índices de nanismo e raquitismo entre as crianças.

ASP // FST

Lei anticorrupção e revisão da pensão vitalícia prioridades para Governo timorense


Díli, 18 jan (Lusa) -- A aprovação da lei anticorrupção e a revisão da lei da pensão vitalícia são as suas prioridades do Governo timorense na área de reforma legislativa, segundo um conjunto de resoluções aprovadas pelo executivo.

As resoluções, aprovadas em Conselho de Ministros, abrangem as reformas legislativa e judiciária, duas das políticas centrais do atual e dos anteriores governos timorenses.

A questão esteve esta semana na agenda de duas reuniões do Conselho de Ministros em que se debateu primeiro notas conceptuais sobre o trio de reformas e, finalmente, se aprovaram as resoluções, apresentadas pelo ministro da Reforma Legislativa e Assuntos Parlamentares, Fidelis Magalhães.

Entre as metas prioritárias da reforma está a aprovação de uma Lei da Organização Judiciária e a criação de novos mecanismos de conciliação e arbitragem para a resolução de conflitos, a ser implementados até ao final de 2020.

O objetivo essencial é reduzir o número de processos pendentes nos tribunais distritais -- milhares, tanto cíveis como criminais.

Depois, e segundo uma nota do executivo, num prazo de "três a quatro anos", a reforma judiciária passa pela criação de "secções especializadas nos tribunais distritais, em várias áreas, incluindo o direito comercial e contratos".

Na componente legislativa, "a prioridade imediata do Governo é a aprovação pelo Parlamento Nacional da lei anticorrupção, a revisão da lei da pensão vitalícia e a aprovação e publicação de um código de conduta para os membros" do executivo.

O Governo vai também dar prioridade "ao aumento da qualidade das leis", promovendo "novas regras comuns que terão de ser seguidas por todos os ministérios na redação de leis e decretos".

"O objetivo das reformas judiciária e legislativa é garantir aos cidadãos, em todo o país, maior acesso à Justiça e ao conhecimento das leis, incluindo a tradução de algumas leis para tétum", refere o executivo.

"Nos próximos quatro anos vão ser lançadas campanhas de socialização sobre os direitos dos cidadãos e o acesso dos cidadãos ao sistema de Justiça, em todo o território nacional", explica.

Em breve deverá chegar ao Conselho de Ministros uma terceira resolução, sobre inovação administrativa, um documento "transversal e integrado", como explicou à Lusa o ministro Fidelis Magalhães.

"Queremos promover a inovação administrativa e ligar as três áreas de reforma, num contexto amplo de manter a interligação entre esse processo, de forma a modernizar o Estado", adiantou o governante. 

ASP // SR  

Motivações políticas na origem da proibição de ativista de Hong Kong em Macau - deputado


Macau, China, 17 jan (Lusa) - Um deputado pró-democracia de Macau disse hoje à Lusa que a proibição de entrada no território, na quarta-feira, de uma ex-líder estudantil, do chamado movimento dos 'guarda-chuvas amarelos' de Hong Kong, teve motivações políticas.

"Não vejo nenhum motivo pelo qual Yvonne Leung põe em risco a segurança. Como em muitos casos no passado, isto tem motivações políticas", afirmou à Lusa Sulu Sou, o mais jovem deputado de Macau.

Em declarações à agência de notícias France-Presse (AFP), a ex-presidente da União dos Estudantes da Universidade de Hong Kong Yvonne Leung afirmou que as autoridades de Macau lhe disseram que suspeitavam que ela quisesse entrar no território "para participar em certas atividades que poderiam comprometer a segurança pública ou a ordem pública".

Contactada pela agência Lusa, a Polícia de Segurança Pública de Macau não respondeu até ao momento.

"A polícia muitas vezes abusa das razões de segurança e confidencialidade", acusou o deputado pró-democracia de Macau e o único legislador a ser condenado por desobediência qualificada devido a um protesto realizado em 2016.

Yvonne Leung, de 25 anos, participou no movimento dos 'guarda-chuvas amarelos', em setembro de 2014, que paralisou o território durante meses, e foi a única mulher da delegação estudantil presente nas negociações com as autoridades de Hong Kong, durante os protestos.

Ao longo de mais de dois meses, centenas de milhares de pessoas paralisaram quarteirões inteiros da cidade para exigir um verdadeiro sufrágio universal. Mas Pequim não recuou.

Nos últimos anos, Yvonne Leung retirou-se de qualquer atividade política ou ativista.

Aquando da transferência da soberania de Hong Kong, em 1997, do Reino Unido para a China, e da administração de Macau, em 1999, de Portugal para Pequim, foi prometida às duas regiões administrativas especiais chinesas uma semiautonomia durante 50 anos, que, entre outras, lhes permitiria manter os direitos de reunião e liberdade de expressão.

Nos últimos dois anos registaram-se pelo menos três casos onde as autoridades de Macau, alegadamente, proibiram a entrada por razões de segurança pública.

Em setembro de 2017, mais de dez jornalistas de Hong Kong disseram ter sido impedidos de entrar em Macau durante a semana que antecedeu as eleições legislativas de 17 de setembro, algo não confirmado pelas autoridades da região.

Um mês antes, após a passagem do tufão Hato, a 23 de agosto, que causou dez mortos e 240 feridos, pelo menos cinco jornalistas da região vizinha de Macau denunciaram terem sido bloqueados na fronteira.

Mais recentemente, em março último, a direção do Festival Literário de Macau cancelou os convites a quatro escritores por temer que fossem barrados à entrada do território.

MIM // JH | Na foto: Sulu Sou

Moçambique | Um país autoritário, com certeza


@Verdade | Editorial

De acordo com o Índice de Democracia elaborado anualmente pelo “The Economist”, a posição de Moçambique deteriorou-se em 2018, passando a ser como um regime autoritáro. Pesaram para esta vergonhosa classificação as eleições autárquicas realizadas em Outubro passado, onde vergonhosamente assistimos a um retrocesso no processo democrático no país.

A situação mais recente é a de Marromeu, na província de Sofala, onde repetiu-se a votação em oito mesas devido a irregularidades, entretanto mesmo os resultados da segunda votação são contestados pela Renamo e pelo MDM. Além disso, a péssima actuação dos órgãos eleitorais e o Conselho Constitucional, que mesmo diante de evidências de fraude v validou os resultados.

É bom que se reconheça que essa péssima classificação de Moçambique é o reflexo da má governação e a verdadeira face do Governo da Frelimo que tem estado a empurrar este país para a sarjeta. Há quatro décadas, os moçambicanos têm vivido por depois de um regime autoritário que o único sentido de governação que tem é amedrontar e oprimir a população, sobretudo quando este se faz à rua p'ra exigir os seus direitos ou explicações sobre uma determinada situação.

A detenção ilegal do jornalista da Rádio Comunitária Nacedje, Amade Abubacar, há sensivelmente duas semanas, em Macomia, é sintomático do quão autoritário é o regime da Frelimo. O jornalista foi preso na manhã do dia 05 de Janeiro em curso, quando entrevistava e fotografava populares que chegavam à vila de Macomia, supostamente à procura de refúgio na sequência dos ataques que assolam aquele distrito, protagonizados por grupos armados, desde Outubro de 2017.

O mais indignante nesta história é o silêncio cúmplice da Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, sobretudo quando a vítima foi mantido em cárcere num quartel militar no distrito de Mueda. Esta atitude demonstra uma grave violação à liberdade de Imprensa e de expressão. Diga-se em abono da verdade, este é o comportamento típico de governos autoritários.

Moçambique | Caso Abubacar: "Processo viciado e de acusações fabricadas"


Jornalista moçambicano Amade Abubacar está detido há duas semanas em Cabo Delgado, mas ainda não foi presente a tribunal. É acusado de instigação pública com recurso a meios informáticos. MISA denuncia falhas grosseiras.

Esperava-se que Amade Abubacar comparecesse perante o juiz de instrução esta sexta-feira (18.01), em Macomia, na província nortenha de Cabo Delgado, o que acabou por não acontecer. Detido a 5 de janeiro pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de novos ataques armados, o jornalista foi mantido durante dias numa base militar em Mueda, até esta quarta-feira (16.01) ser transferido para um comando da polícia.

Amade Abubacar esteve incomunicável e sem advogado durante 11 dias, mas já está a receber apoio jurídico de um advogado do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA). Sabe-se agora que é acusado de "instigação pública com recurso a meios informáticos". O jornalista da Rádio e Televisão Comunitária Nacedje de Macomia foi preso por militares quando fotografava famílias que abandonavam a região com receio de novos ataques armados.

Em entrevista à DW África, o presidente do MISA-Moçambique, Fernando Gonçalves, diz que se trata de uma "acusação fabricada" e que o processo está "viciado de irregularidades". Sublinha ainda que "deter civis em quartéis militares não é prática comum em Moçambique", mas não duvida que casos semelhantes possam voltar a acontecer em breve.

DW África: Amade Abubacar já foi transferido de uma base militar em Mueda para um comando da polícia. O MISA, que pretendia dar assistência jurídica a este jornalista, entretanto já conseguiu falar com ele?

Fernando Gonçalves (FG): O nosso advogado já falou com ele, porque hoje (18.01) ele devia comparecer perante o juiz de instrução para se proceder à legalização da sua detenção e depois seguir-se o processo. O advogado conseguiu falar com ele, mas até aqui não tenho informações detalhadas sobre o teor dessa conversa.

DW África: Quando calcula que será presente em tribunal? Na próxima semana?

FG: Não sei. Hoje, se a sessão tivesse sido realizada, seria a primeira sessão, que vai legalizar a detenção e aí o juiz marca o dia em que devem ser apresentados os argumentos.

DW África: Amade Abucar pelo menos já não se encontra incomunicável e sem advogado.

FG: Mas nós não estamos satisfeitos porque Amade Abubacar foi detido no dia 5 de janeiro e só agora, dia 17, é que ele foi transferido do comando militar para a polícia. A nossa lei não permite que as Forças Armadas tenham sob sua detenção civis que sejam acusados da prática de qualquer crime. Essa é uma competência da polícia, é a polícia que trata desses processos. A polícia lavra o processo, envia à Procuradoria e a Procuradoria envia ao tribunal. Portanto, este processo todo, para nós, está viciado, está eivado de irregularidades e de grosseiras falhas na observação da lei.

DW África: A detenção de civis em estabelecimentos militares, além de ser ilegal, também viola tratados sobre liberdade de expressão e de imprensa.

FG: Absolutamente. Viola todos os princípios consagrados em tratados, protocolos, instrumentos de âmbito internacional de que Moçambique e parte integrante. Não estamos satisfeitos com esta situação. Entendemos que Amade Abubacar devia ser libertado.

DW África: Agora já se sabe que o Ministério Público acusa Amade Abubacar de"instigação pública com recurso a meios informáticos". Como é que o MISA reage a esta acusação?

FG: Para nós, é uma acusação fabricada. O trabalho jornalístico tem impacto no público e os jornalistas usam meios informáticos para a transmissão do seu trabalho para o público. Ele estava apenas a fazer o seu trabalho. Agora, se as pessoas ficam agitadas por aquilo que ele escreve ou coloca, essa não é a intenção. A intenção é que as pessoas tenham informação e essa informação é transmitida por meios informáticos. A não ser que a Procuradoria agora tenha descoberto outros meios que devem ser utilizados pelos jornalistas para a transmissão da informação em que trabalham.

DW África: Além de Amade Abubacar, recentemente também o fotojornalista Estácio Valói foi detido por militares no norte de Moçambique. São dois casos em menos de um mês. Quem é que legitima o Exército moçambicano a deter jornalistas? É normal que isto aconteça em Moçambique?

FG: Não é normal e por isso é que nos estamos a opor a esse tipo de práticas. E se as Forças Armadas entendem que uma determinada zona é de acesso restrito porque é uma zona de guerra, as Forças Armadas podem impedir as pessoas de entrar nessa zona. E se apanharem alguém que está a entrar, podem dizer: o senhor não entra ou a senhora não entra. Mas deter civis em quartéis militares não é prática comum em Moçambique, não corresponde aos desejos de Moçambique de ser tratado como um Estado de direito democrático.

DW África: Pode dizer-se que Cabo Delgado, neste momento, é uma região quase proibida para a comunicação social, apesar de não haver o tal aviso da parte dos militares de que se trata de uma zona de guerra?

FG: Se há razões de Estado que não permitem que os jornalistas entrem em Cabo Delgado, é importante que as instituições do Estado relevantes se pronunciem sobre isso, mas os jornalistas não podem agir com base em presunções de que é ou não é permitida a entrada em determinada zona.

DW África: Acredita que já está a ter efeitos a pressão que tem sido exercida por várias organizações da sociedade civil e entidades ligadas à defesa da liberdade de imprensa? Vai também continuar essa exigência pela libertação do jornalista?

FG: Vamos continuar, vamos acompanhar o processo. E nós defendemos o seguinte:  Amade Abubacar foi detido quando estava a entrevistar pessoas que estavam a ser retiradas de uma determinada zona. Isso não é proibido por lei em Moçambique. Não é proibido fotografar refugiados em Moçambique. Portanto, vamos bater-nos para que ele seja libertado. Entretanto, é preciso que fique claro: se Amade Abucar tiver cometido algum ato que está classificado como crime na legislação moçambicana, ele deve ser entregue à polícia, a polícia deve elaborar o processo, esse processo dever ser remetido à Procuradoria da República e a Procuradoria, por sua vez, remete o processo ao tribunal e o assunto é julgado e ele tem o direito de constituir a sua própria defesa. Ele ficou 11 dias incomunicável, sem acesso a um advogado, sem acesso aos familiares. Isto não é normal e não se pode permitir.

DW África: Acha que Amade Abubacar irá fazer o mesmo que o jornalista Estácio Valói, que já disse que pretende processar os militares que o detiveram em Cabo Delgado? Acredita que haverá consequências?

FG: Isso é uma decisão pessoal dele.  A nós o que importa é que devem ser salvaguardados aspectos importantes que têm que ver a com a liberdade de expressão e com o exercício da liberdade de imprensa em Moçambique. Amade Abubacar depois saberá decidir sobre o que quer fazer se julgar que tenha sido injustiçado.

DW África: Tendo em conta o ambiente de tensão que se vive no norte de Moçambique, o MISA acha provável que haja mais casos deste género nos próximos tempos?

FG: Não temos dúvidas que isso possa voltar a acontecer, porque no espaço de um mês houve dois casos desses. Portanto, não podemos pôr de lado a possibilidade de isso acontecer numa outra altura.

Madalena Sampaio | Deutsche Welle

Angola | Os antigos combatentes


Jornal de Angola | editorial

O Estado deve prestar atenção a todos os cidadãos angolanos que voluntariamente prestaram relevantes serviços à Nação, aderindo à luta pela independência Nacional, mesmo com o risco de perderem a vida.

Compatriotas nossos, corajosos e patriotas, não hesitaram em muitos casos em deixar o conforto dos seus lares e enveredarem pela luta contra as injustiças, por estarem indignados com a opressão e exploração colonial.

Muitos desses nossos compatriotas morreram no campo de batalha na luta contra o colonialismo português, mas temos ainda, e felizmente, outros que combateram o colonialismo e que se encontram vivos.

Mas nem todos os nossos antigos combatentes vivem dignamente. Depois de mais de quarenta anos de Independência, não devíamos estar mais a discutir sobre as condições de vida dos nossos antigos combatentes, que tudo fizeram para que fossem livres e independentes. O Estado deve resolver definitivamente os problemas dos nossos antigos combatentes. Os anos passam e a sociedade continua. Transcorridos vários anos desde a proclamação da Independência, a ouvir as reclamações de pessoas que nunca exigiram riqueza, mas apenas rendimentos que lhes permitam sustentar as suas famílias. A maioria dos antigos combatentes é humilde e patriota. Nunca tirou nada do Estado. Só espera do Estado o apoio que merece.

 Os angolanos não têm memória curta. Sabem quem andou a lutar, na guerrilha ou na clandestinidade, para que nós estivéssemos a viver em liberdade. E os que lutaram são de todas as regiões do país. Que todos os angolanos que um dia decidiram dar a sua contribuição para nos libertar do colonialismo sejam tratados com dignidade. 

Não é justo que compatriotas nossos que muito sofreram nas cadeias e na luta da guerrilha estejam ainda hoje a pedir ao Estado que resolva os seus problemas, quando sabemos que há pessoas que andaram a enriquecer facilmente e em muito pouco tempo, prejudicando o erário.

Os antigos combatentes não devem estar permanentemente a reclamar junto do Estado, como se nada tivessem feito em prol do nosso país. Temos um departamento ministerial que se encarrega especificamente de assuntos ligados aos antigos combatentes. Os antigos combatentes têm esperança de que este departamento ministerial resolva muitos dos seus problemas. É preciso prestar atenção à vida das pessoas. Alguma coisa deve ser feita para que os nossos compatriotas  que, em condições adversas, combateram o colonialismo e preservaram a Independência e a nossa liberdade, tenham o seu pedaço de pão.

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