Não basta massacrar um povo:
também é necessária sua eliminação simbólica. Ao desumanizar os árabes, Israel
reedita ideologia racista do “orientalismo”: “são terroristas ou refugiados,
sem rostos nem histórias”
Começo este texto com duas
passagens dos meus diários de viagem.
“Apuro meus ouvidos para
escutar a conversa de pessoas que estavam sentadas próximas à minha mesa. Elas
trocavam impressões sobre mais um dia de peregrinação em Jerusalém. Estávamos
jantando em um restaurante de um hotel que recebe peregrinos de várias partes
do mundo. Aos poucos a conversa deixou os temas religiosos e dirigiu-se para
outros mundanos. Agora, os comentários concentravam-se sobre a parte palestina
de Jerusalém [a Jerusalém Oriental]. Estavam impressionados com a diferença da
organização entre o lado judeu e o palestino. ‘Vocês viram como as ruas são
sujas?!’. O outro responde: ‘Eles são sujos!’”. (Jerusalém/Palestina, 20
de novembro de 2017)
“Passei a noite de 24 de
dezembro em Belém (Bethlehem). No dia seguinte, ao voltar para Jerusalém, tive
que atravessar o checkpoint 300. Observei os palestinos e as palestinas que
passavam pacientemente pelas inúmeras etapas de controle até conseguir chegar
ao outro lado. A fila andava lentamente e de repente parou. Um brasileiro
quando passava pelo dispositivo de controle de metal [igual aos que existem nos
aeroportos] foi obrigado a voltar inúmeras vezes. O som agudo e alto do
aparelho anunciava que ele não tinha autorização para passar. Claramente
constrangido, ele perguntava para que tudo aquilo. Sabia, afirmava ele, que o
controle de segurança era importante, mas via um exagero em tudo aquilo. Falava
com a voz entrecortada, enquanto vasculhava nos bolsos possíveis moedas que
poderiam ser a origem de fazer aquele sinal disparar. Já estava sem cinto, sem
sapatos…” (Jerusalém/Palestina, 25 de dezembro de 2017)
O que estas duas passagens têm em
comum além de serem protagonizadas por pessoas brasileiras? A incapacidade de
se entender onde se está. Mesmo estando presencialmente ali, eles não
conseguiam ler, minimamente, o contexto em que seus corpos se moviam. Jerusalém
Oriental vive, desde 1967, sob a ocupação militar israelense. Embora os
palestinos e as palestinas que ali habitam paguem impostos, não têm direito aos
mesmos serviços de qualidade que os oferecidos em Jerusalém Ocidental, a
exemplo a coleta de lixo. Vivem sob o constante terrorismo do Estado de Israel,
que quer expulsar (e tem expulsado) os palestinos de suas casas.
O brasileiro constrangido não
percebeu que estava cruzando uma das obras-primas mais perversas do
colonialismo israelense. Todos os dias milhares de palestinos se submetem aos
rituais de humilhação impostos pelos soldados israelenses. (veja vídeo).