Manuel Carvalho Da Silva*
| Jornal de Notícias | opinião
Quando a troika, municiada por
cabeças neoliberais do nosso burgo, concebeu um "ajustamento" que
assentava na desvalorização do trabalho como terapia que permitiria reduzir os
custos de produção e os preços das exportações, propiciando às empresas ganhos de
competitividade nos mercados internacionais, muitos patrões (e não só)
ter-se-ão regozijado: pensaram que escapavam da crise por entre os pingos da
chuva e consolidavam uma política de baixos salários.
Sabiam que o desemprego e a
desproteção no desemprego obrigariam muita gente a aceitar salários inferiores
aos anteriormente auferidos, mas secundarizaram dois efeitos importantes: i) a
desvalorização que aplaudiam havia de voltar-se contra eles como um bumerangue,
sob a forma de quebras da procura, logo das suas vendas, provocando mais
encerramentos e falências do que previram; ii) a queda dos salários iria
aumentar imenso a emigração, produzindo uma acentuada redução da população
disponível para trabalhar.
A diminuição da população ativa,
de facto ocorrida, está na origem de uma nova manifestação do efeito
bumerangue. A partir de meados de 2013 o nível de emprego começou a recuperar e
o desemprego a cair. Mas o novo emprego concentrou-se fundamentalmente em
setores exportadores caracterizados por baixos salários, por precariedade e
baixa produtividade; em atividades bastante ligadas a um turismo que concorre à
escala internacional pelos preços baixos. A desvalorização salarial favoreceu
uma alteração de estrutura na economia portuguesa que a pode trancar num padrão
de baixos rendimentos.