Ela mantém-se aferrada aos dogmas
— enquanto os problemas centrais ligados à produção e distribuição de riquezas
mudaram. Contudo, tornou-se mais influente, ao se converter em ideologia a
favor do 1%. Que fazer: salvá-la ou destruí-la?
David Graeber, no New York Review of Books | Outras Palavras |
Tradução: Felipe Calabrez
De Robert Skidelsky. Imprensa da Universidade de Yale, 492 págs
Há um sentimento crescente, entre
aqueles que têm a responsabilidade de administrar grandes economias: o de que a
disciplina de Economia não é mais adequada ao seu objetivo. Ela está começando
a parecer uma ciência desenvolvida para resolver problemas que não existem
mais.
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Um bom exemplo é a obsessão pela
inflação. Os economistas ainda ensinam aos alunos que o principal papel
econômico do governo – muitos insistiriam que seu único papel econômico
realmente adequado – é garantir a estabilidade de preços. Devemos estar constantemente
vigilantes sobre os perigos da inflação. Para os governos, simplesmente
imprimir dinheiro é, portanto, inerentemente pecaminoso. Se, no entanto, a
inflação se mantiver muito baixa, por meio da ação coordenada do governo e dos
banqueiros centrais, o mercado encontrará sua “taxa natural de desemprego” e os
investidores, aproveitando os sinais claros de preços, serão capazes de
garantir um crescimento saudável. Essas premissas vieram com o monetarismo da
década de 1980, a idéia de que o governo deveria se restringir à administração
do suprimento de dinheiro. Na década de 1990, passaram a ser aceitas como um
senso comum tão elementar que praticamente todo debate político teve que partir
de um reconhecimento ritual dos perigos dos gastos do governo. Continua a ser
assim, apesar do fato de que, desde a recessão de 2008, os bancos centrais
imprimiram dinheiro freneticamente na tentativa de criar inflação e obrigar os
ricos a fazer algo útil com seu dinheiro, tendo fracassado retumbantemente em
ambos os empreendimentos.
Agora vivemos em um universo
econômico diferente do que vivíamos antes do crash. A queda do desemprego
não eleva mais os salários. Imprimir dinheiro não causa inflação. No entanto, a
linguagem do debate público e a suposta sabedoria transmitida nos livros
econômicos permanecem quase inteiramente inalteradas.
Espera-se uma certa defasagem
institucional. Hoje em dia, os economistas convencionais (orig.:
mainstream) podem não ser particularmente bons em prever colisões
financeiras, facilitar a prosperidade geral ou criar modelos para prevenir as
mudanças climáticas. Mas quando se trata de se estabelecer em posições de
autoridade intelectual, não afetadas por essas falhas, seu sucesso é
incomparável. Alguém teria que olhar para a história das religiões para
encontrar algo parecido. Até hoje, a economia continua a ser ensinada não como
uma história de argumentos – não, como qualquer outra ciência social, como uma
série de perspectivas teóricas muitas vezes conflitantes – mas como algo mais
parecido com a física, a realização gradual de verdades matemáticas universais
e intransponíveis. É claro que existem teorias “heterodoxas” da economia
(institucionalista, marxista, feminista, “austríaca”, pós-keynesiana …), mas
seus expoentes foram quase completamente excluídos do que são considerados
departamentos “sérios”. Até mesmo rebeliões diretas de estudantes de economia
(do movimento pós-autista na França até a economia do pós-colapso na
Grã-Bretanha) foram incapazes de incluí-los no currículo básico.