José Soeiro | Expresso | opinião
A Lusa anunciou a apresentação de
uma queixa à Entidade Reguladora da Comunicação Social, o Sindicato dos
Jornalistas apresentou um protesto, o diretor de um outro jornal exprimiu num
editorial o sentimento da imprensa no modo como foi tratada esta
semana pelo líder israelita Benjamin Netanyahu e pelo secretário de Estado da
defesa norte-americano Michael Pompeo, que impediram os jornalistas de recolher
declarações na conferência conjunta: com "soberba",
"arrogância" e "desprezo inaceitáveis", prova de como
prevalece "a lei do quero, posso e mando".
Esse foi, contudo, como
reconheceu Manuel Carvalho, apenas um pequeno episódio de uma visita que, por
tantas outras razões, desonra Portugal. Depois de terem tentado reunir em
Londres sem sucesso, e de terem contactado outros chefes de estado europeus,
Pompeo e Netanyahu escolheram Lisboa para um encontro com um programa de
guerra. Em novembro deste ano, a Administração Trump mudou a sua posição sobre
os colonatos judeus na Cisjordânia ocupada que, de acordo com a lei
internacional, são ilegais. Embora abundem as Resoluções da ONU que, apoiadas nas
Convenções de Genebra, declaram a ilegalidade da ocupação daqueles territórios,
embora seja essa a posição do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, apesar
de essa ser também a posição partilhada pela comunidade internacional,
incluindo a maioria dos aliados de Israel, a atual administração americana
atropelou tudo e todos e Pompeo, um falcão de Trump que foi diretor da CIA,
anunciou a mudança da posição americana há poucas semanas. Antes disso, já
Trump tinha alinhado com os setores mais extremistas do sionismo ao decidir a
transferência da Embaixada americana de Telavive para Jerusalém e ao ter
reconhecido a anexação dos Montes Golã.
Netanyahu, que tem no seu
cadastro algumas das mais agressivas ações de ocupação de territórios
palestinos, vários crimes de guerra contra a Faixa de Gaza com bombardeamentos
ordenados por si que mataram milhares de pessoas (incluindo crianças) e uma
política de repressão brutal dos povo palestino, encontra-se "em
gestão", por não conseguir constituir maioria para um novo governo, e
vê-se a braços com uma acusação inédita por corrupção. A reunião com Pompeo faz
assim parte de um périplo de legitimação mas tem também uma agenda muito
concreta de agressão: a articulação do apoio de Trump à anexação do Vale de
Jordão, a parte mais oriental da Cisjordânia, onde vivem 65 mil palestinianos e
onde estão 9 mil do quase meio milhão de israelitas que vive em territórios
ocupados.
Queiramos ou não encarar a
questão, Pompeo e Netanyahu encontraram-se em Lisboa para planearem, conscientemente,
mais algumas ações de violência contra a Palestina e de desprezo pela lei
internacional, a mesma a cuja defesa o Estado português está vinculado.
Recentementem, aliás, o próprio Parlamento reiterou a posição do nosso país, ao
aprovar um voto que "reafirma o carácter ilegal dos colonatos
israelitas" e que "reitera o direito do povo palestiniano à
constituição de um Estado livre, viável, soberano e independente, com capital
em Jerusalém Leste, conforme as resoluções da ONU". O mesmo país que há
poucas semanas reafirmou isto, podia ter aceitado, sem pestanejar, servir de
plataforma para um encontro tão sinistro? Em nome de quê? Em nome de quem?
Mais infeliz ainda foi o triste
papel a que se prestaram Augusto Santos Silva e António Costa, que reuniram quer
com Pompeo quer com Netanyahu. O primeiro-ministro, que recebeu Netanyahu na
sua residência oficial, disse sobre a reunião que "foram abordados
diversos temas de interesse bilateral, como sejam o fomento da cooperação
económica e procura de parcerias nas áreas da investigação científica, inovação
e a água" (a água, que é justamente um dos recursos de que os israelitas
vêm privando os palestinianos, sufocando também dessa forma quem vive em Gaza).
Sobre a violação de direitos humanos e da lei internacional, o que disse Costa?
Nada. Sobre os planos de agressão traçados por Netanyahu e Pompeo, em total
desrespeito pelas resoluções da ONU — que no momento até é presidida por um
português — o que disse o Governo? Nada. Sobre o plano dos sionistas e de Trump
de anexação de mais 30% do território da Cisjordânia, alguma palavra do
Primeiro-Ministro? Nada.
Portugal, um pequeno país com
posições decentes contra a ocupação israelita, teve uma oportunidade de mostrar
a sua grandeza. O que exibiu foi sobretudo silêncio — e os servis apertos de
mão com os criminosos.
*Título PG (parcial)
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