A Austrália em chamas no Expresso
Curto. Postal do Inferno é como Ricardo Marques intitula a prosa de destaque.
Quer parecer que a tragédia que ocorre na Austrália está a passar ao lado de
muitos de nós, na Europa invernosa. Lá é verão e aquele continente imenso está
em chamas quase por todo o sudeste. Devemos dar-lhe mais atenção e solidariedade.
Deste Curto de hoje deixamos o
produto acabado do jornalista do Expresso. Não sendo o único tema abordado é o
mais relevante. Deixamos a prosa ao vosso dispor sem mais preâmbulos.
Bom dia, bom ano, se conseguirem.
PG
Bom dia, este é o Expresso Curto
Postal do inferno
Ricardo Marques | Expresso
Passa pouco das oito da
manhã em Lisboa e são sete da tarde na Austrália, onde há uma área do tamanho
de Portugal a arder.
Não há melhor forma de resumir o
que se passa no sudeste australiano, onde há
frentes de fogo com centenas de quilómetros que avançam a toda a
velocidade.
“Não conseguimos parar estes
incêndios. Não conseguimos parar os incêndios que temos”, admitiu um
responsável do Rural Fire Service, a menos de 24 horas daquele que,
teme-se, pode vir a ser o pior dia de sempre.
O calor vai aumentar no
sábado, o vento vai aumentar com ele e há milhares de pessoas em
filas de trânsito a tentar sair das zonas ameaçadas pelos fogos que há
dois meses atingem algumas das zonas mais populosas do país. São 160
incêndios nos estados de Victoria e na Nova Gales do Sul.
Até ao momento, além de mais de 1400 casas
destruídas e 3,5 milhões de hectares de área ardida, morreram 18
pessoas e há 18 desaparecidos, mas as autoridades admitem que o balanço
de vítimas pode subir.
Em Mallacoota, onde milhares
de residentes e turistas passaram os últimos dias ‘presos’ na praia,
começou ontem à noite uma imensa
evacuação feita pelas forças armadas australianas, com recurso a
navios e a veículos anfíbios.
Milhões de animais morreram
e, de acordo com um médico ouvido pelo Daily Mail, está em curso um verdadeiro processo
de eutanásia a uma escala maciça. Podem ser precisos vários anos para
que tudo regresse ao normal.
Aqui está
a história de um herói e aqui está
o dia mais triste de um agricultor. E a vida
difícil do primeiro-ministro australiano quando decidiu visitar uma
das zonas atingidas.
O Sydney
Morning Herald, um dos melhores jornais australianos, tem uma secção para acompanhar
ao momento tudo o que acontece.
Este será seguramente um dos
assuntos do dia.
Para melhor compreender a
escala do que se está a passar - e antecipando-me um pouco às sugestões de
leitura deste Expresso Curto - há dois livros que explicam bem o que é, e
o que pode ser, a Austrália.
Um é “Canto Nómada”, de
Bruce Chatwin. O titulo em inglês é “The Songlines” e conta a história da relação
dos aborígenes com aquele imenso território, e a forma como se conseguem sempre
encontrar através das grandes historias que estão ligadas às mais pequenas
curvas da paisagem.
O segundo é “Down Under” de
Bill Bryson, o eterno viajante que a dado momento se senta à conversa com um
australiano. O homem chama-se Howe e conta que, de vez em quando, o
inferno chega, alimentado pelos eucaliptos. É uma questão de sobrevivência,
explica De sobrevivência das árvores e da competição entre elas. “É a forma de
os eucaliptos superarem as outras plantas. Estão cheios de óleo e mal começam a
arder é uma carga de trabalhos para travar aquilo”. As chamas avançam a
mais de 80 quilómetros por hora, com projecções de centenas de metros.
Bryson pergunta-lhe se isso
acontece com muita frequência. “Oh, talvez a cada dez anos temos um fogo
realmente grande. Houve um 1994 que queimou 600 mil hectares e ameaçou
parte de Sidney. Eu estava lá nessa altura e numa direção havia uma coluna de
fumo negro que enchia completamente o céu. Ardeu durante dias. O maior de
sempre foi em 1939. As pessoas ainda falam disso. Foi durante uma onda de calor
tão forte que os manequins das lojas começaram a derreter nas montras. Consegue
imaginar isso? Esse queimou a maior parte do estado de Victoria”.
Outras notícias
Segue-se um breve guia dos temas
e assuntos a que convém estar atento durante o dia. E mais alguns para
ocupar os tempos livres.
Morreu Maria do Carmo Moniz
Galvão Espírito Santo, a
matriarca da família Espírito Santo e a maior acionista individual do
BES. Tinha 86 anos.
Há novas
imagens do cerco e da tentativa de ataque à embaixada americana
em Bagdad dos últimos dias. Durante a madrugada, o
aeroporto da cidade foi atingido por rockets e, sabe-se agora, entre
as oito vítimas mortais do ataque com drones está um general iraniano chamado
Qassim Suleimani, figura de topo na estrutura da Guarda Revolucionária.
O New York Times diz que o
ataque foi ordenado por Donald Trump e que Suleimani se preparava
para lançar novos ataques contra interesses dos EUA. O general terá sido o
estratego de todas as operações militares e dos serviços secretos iranianos na
última década. Teerão promete
vingança. Três factos que atiram a situação para o topo da atualidade
nesta sexta-feira.
Mas há mais.
O Jornal de Notícias traz hoje na
capa um novo caso de agressão a médicos. Desta vez aconteceu no Hospital
de Setúbal: um doente sequestrou dois médicos no interior de um gabinete e
agrediu-os com mesas e cadeiras. É o terceiro caso conhecido em poucos
dias. Em 2019, no primeiro semestre, foram
registados mais de 600 casos de violência.
A empresária angolana Isabel
dos Santos está
na mira das autoridades portuguesas, após ter sido decretado o arresto
dos seus bens pela Justiça angolana. Tendo em conta as posições de Isabel dos
Santos em várias empresas portuguesas, este é um daqueles casos que vai marcar
a atualidade. Está na primeira página dos jornais económicos de hoje.
No plano politico, Rui
Rio apresentou a sua moção para a corrida à liderança do PSD: são 32
páginas com o titulo “Portugal ao Centro”. E o PS
vai reunir amanhã a comissão nacional para lançar a reeleição de
António Costa e marcar o congresso.
O Estado português, que nos
últimos 45 anos tem sido governado, à vez, por PS e PSD, não sabe o valor
de dois terços dos seus imóveis. Um artigo que pode ler se seguir por
esta ligação rumo ao Expresso.
No CDS, envolvido também num
processo de escolha de nova liderança, o caso do momento é uma acusação de
bullying laboral. A entrada do artigo é assim: “Assessora acusa
secretário-geral de não lhe dar trabalho há dois meses. Partido ameaça barrar-lhe
entrada”. O resto pode ler se tocar aqui.
Os dados foram divulgados ontem e
a discussão deve seguir durante o dia de hoje. O ritual repete-se todos
anos: conhecem-se os números, discute-se se subiram ou desceram, com maior ou
menor preocupação, mas nunca se percebe verdadeiramente porquê. Este ano, de
acordo com a secretaria de Estado da Administração Interna, a condução sob
efeito do álcool e o uso do telemóvel - comportamentos inaceitáveis, segundo
Patrícia Gaspar - deverão ser a principal preocupação das autoridades. Eis 2019
em termos de sinistralidade rodoviária: 472 mortos, 2288 feridos graves e
135063 acidentes. Quinze por hora.
A TAP, em sentido contrário,
parece à prova de acidentes. A companhia portuguesa entrou pela primeira
vez na lista
das companhias aéreas mais seguras.
(Esta é só para quem mora em Lisboa e
tem passado os últimos dias, ou noites, a
ouvir uma estranha buzina)
Este é um caso que envolve aviões
e a falta de alertas. Sonoros e outros. A fuga do ex-presidente da
Renault-Nissan, Carlos Ghosn, é uma daquelas cenas que até nos filmes
parece inverosímil.
A CNN
tem um bom resumo da historia. Ghosn estava a aguardar julgamento no
Japão por suspeita de vários crimes financeiros, fugiu em circunstâncias
misteriosas (ao que parece numa operação conduzida por uma empresa de segurança
privada e que levou meses a preparar) e que se reuniu com o presidente do Líbano,
onde chegou num avião particular, depois de uma escala na Turquia.
O que fica de fora da história é
o pormenor, não confirmado e desmentido pelo próprio, de que Ghosn escapou
escondido numa caixa de instrumentos musicais. A Interpol já emitiu um mandato
de captura, que foi recebido pelas autoridades libanesas. Na Turquia foram
feitas várias detenções, a França já admitiu não extraditar Ghosn e a
policia japonesa está a tentar perceber como foi possível a fuga de um dos
homens mais conhecidos do país.
Na Indonésia, a chuva
torrencial na zona de Jacarta, capital do país, provocou inundações e
deslizamentos de terras que causaram mais de três dezenas de mortes. Milhares
de pessoas foram obrigadas a deixar as suas casas. Portugal, através do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, já apresentou as
condolências ao governo indonésio.
A onze meses das eleições
presidenciais nos Estados Unidos da América - 2020 vai ser mesmo um ano
recheado de acontecimentos…- há
menos um candidato na corrida. O democrata Julian Castro atirou a
toalha ao chão.
Em Espanha, a Esquerda
Republicana da Catalunha vai
abster-se no processo de investidura de Pedro Sánchez, o que abre caminho para
a reeleição como presidente do Governo do líder do PSOE no dia 7 de
janeiro.
Uma das memórias mais antigas que
tenho do futebol inglês é a de um tipo magrinho de bigode e equipamento
vermelho que se fartava de marcar golos. Chamava-se Ian Rush e foi
mais ou menos nessa altura, no inicio dos anos 80, que comecei a gostar do
Liverpool. Agora também gosto. Ontem ganharam outra vez. Há um ano que não perdem.
O Sporting foi punido
pela Federação Portuguesa de Futebol com dois jogos à porta
fechada em futsal, devido aos incidentes registados no quarto jogo da final da
última época, frente ao Benfica, no Pavilhão João Rocha. Os leões vão
recorrer.
Desta vez, o futuro ficou
para o fim. A Google diz ter criado um software
que é mais eficaz do que os médicos a detetar o cancro da mama. As
conclusões estão num artigo na revista Nature.
O que ando a ler
O livro chama-se “A sense of
where you are” e é o relato do encontro de duas figuras excecionais: John
McPhee, um dos mais incríveis repórteres norte-americanos, e Bill Bradley,
um dos melhores jogadores de basquetebol de sempre.
(A propósito pode
ler aqui o obituário de David Stern, o antigo comissário da NBA que
morreu no primeiro dia do ano)
Na altura em que o livro foi
escrito, o jovem Bradley - que mais tarde foi eleito para Senado
americano - era o melhor jogador da universidade de Princeton: um portento atlético,
com um magnetismo pessoal raro e uma ainda mais rara capacidade de trabalho.
A matéria prima ideal para McPhee (que
foi alertado pelo pai, na altura médico na universidade, para aquele miúdo
incrível) transformar o que podia ter sido um simples perfil numa
verdadeira obra de arte de investigação e narração - que tem somado
sucessivas edições desde 1965.
John McPhee é um dos responsáveis
pela afirmação de uma nova forma de contar a realidade, apostando tudo em
investigações exaustivas e, acima de tudo, numa narrativa literária -
entenda-se literária apenas no sentido em o autor que se socorre de ferramentas
normalmente usadas na ficção para relatar a realidade, os factos.
O jornalista americano já
escreveu sobre tudo, desde montanhas a cargueiros, e sobre quase todos. A
história de Bradley vale pelo que conta, claro, mas também por ser o primeiro
livro de um dos grandes autores de não-ficção.
Aqui para nós, nada como um
clássico para começar o ano.
Desejo-lhe uma excelente sexta-feira,
um bom fim de semana e um 2020 em grande. Conte connosco.
Sugira o Expresso Curto a
um/a amigo/a
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