sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A Austrália em chamas...


A Austrália em chamas no Expresso Curto. Postal do Inferno é como Ricardo Marques intitula a prosa de destaque. Quer parecer que a tragédia que ocorre na Austrália está a passar ao lado de muitos de nós, na Europa invernosa. Lá é verão e aquele continente imenso está em chamas quase por todo o sudeste. Devemos dar-lhe mais atenção e solidariedade.

Deste Curto de hoje deixamos o produto acabado do jornalista do Expresso. Não sendo o único tema abordado é o mais relevante. Deixamos a prosa ao vosso dispor sem mais preâmbulos.

Bom dia, bom ano, se conseguirem.

PG

Bom dia, este é o Expresso Curto

Postal do inferno

Ricardo Marques | Expresso

Passa pouco das oito da manhã em Lisboa e são sete da tarde na Austrália, onde há uma área do tamanho de Portugal a arder.

Não há melhor forma de resumir o que se passa no sudeste australiano, onde há frentes de fogo com centenas de quilómetros que avançam a toda a velocidade.

“Não conseguimos parar estes incêndios. Não conseguimos parar os incêndios que temos”, admitiu um responsável do Rural Fire Service, a menos de 24 horas daquele que, teme-se, pode vir a ser o pior dia de sempre.

O calor vai aumentar no sábado, o vento vai aumentar com ele e há milhares de pessoas em filas de trânsito a tentar sair das zonas ameaçadas pelos fogos que há dois meses atingem algumas das zonas mais populosas do país. São 160 incêndios nos estados de Victoria e na Nova Gales do Sul.

Até ao momento, além de mais de 1400 casas destruídas e 3,5 milhões de hectares de área ardida, morreram 18 pessoas e há 18 desaparecidos, mas as autoridades admitem que o balanço de vítimas pode subir.

Em Mallacoota, onde milhares de residentes e turistas passaram os últimos dias ‘presos’ na praia, começou ontem à noite uma imensa evacuação feita pelas forças armadas australianas, com recurso a navios e a veículos anfíbios.

Milhões de animais morreram e, de acordo com um médico ouvido pelo Daily Mail, está em curso um verdadeiro processo de eutanásia a uma escala maciça. Podem ser precisos vários anos para que tudo regresse ao normal.

Aqui está a história de um herói e aqui está o dia mais triste de um agricultor. E a vida difícil do primeiro-ministro australiano quando decidiu visitar uma das zonas atingidas.

Sydney Morning Herald, um dos melhores jornais australianos, tem uma secção para acompanhar ao momento tudo o que acontece.

Este será seguramente um dos assuntos do dia.

Para melhor compreender a escala do que se está a passar - e antecipando-me um pouco às sugestões de leitura deste Expresso Curto - há dois livros que explicam bem o que é, e o que pode ser, a Austrália.

Um é “Canto Nómada”, de Bruce Chatwin. O titulo em inglês é “The Songlines” e conta a história da relação dos aborígenes com aquele imenso território, e a forma como se conseguem sempre encontrar através das grandes historias que estão ligadas às mais pequenas curvas da paisagem.

O segundo é “Down Under” de Bill Bryson, o eterno viajante que a dado momento se senta à conversa com um australiano. O homem chama-se Howe e conta que, de vez em quando, o inferno chega, alimentado pelos eucaliptos. É uma questão de sobrevivência, explica De sobrevivência das árvores e da competição entre elas. “É a forma de os eucaliptos superarem as outras plantas. Estão cheios de óleo e mal começam a arder é uma carga de trabalhos para travar aquilo”. As chamas avançam a mais de 80 quilómetros por hora, com projecções de centenas de metros.

Bryson pergunta-lhe se isso acontece com muita frequência. “Oh, talvez a cada dez anos temos um fogo realmente grande. Houve um 1994 que queimou 600 mil hectares e ameaçou parte de Sidney. Eu estava lá nessa altura e numa direção havia uma coluna de fumo negro que enchia completamente o céu. Ardeu durante dias. O maior de sempre foi em 1939. As pessoas ainda falam disso. Foi durante uma onda de calor tão forte que os manequins das lojas começaram a derreter nas montras. Consegue imaginar isso? Esse queimou a maior parte do estado de Victoria”.

Outras notícias

Segue-se um breve guia dos temas e assuntos a que convém estar atento durante o dia. E mais alguns para ocupar os tempos livres.

Morreu Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo, a matriarca da família Espírito Santo e a maior acionista individual do BES. Tinha 86 anos.

Há novas imagens do cerco e da tentativa de ataque à embaixada americana em Bagdad dos últimos dias. Durante a madrugada, o aeroporto da cidade foi atingido por rockets e, sabe-se agora, entre as oito vítimas mortais do ataque com drones está um general iraniano chamado Qassim Suleimani, figura de topo na estrutura da Guarda Revolucionária.

O New York Times diz que o ataque foi ordenado por Donald Trump e que Suleimani se preparava para lançar novos ataques contra interesses dos EUA. O general terá sido o estratego de todas as operações militares e dos serviços secretos iranianos na última década. Teerão promete vingança. Três factos que atiram a situação para o topo da atualidade nesta sexta-feira.

Mas há mais.

O Jornal de Notícias traz hoje na capa um novo caso de agressão a médicos. Desta vez aconteceu no Hospital de Setúbal: um doente sequestrou dois médicos no interior de um gabinete e agrediu-os com mesas e cadeiras. É o terceiro caso conhecido em poucos dias. Em 2019, no primeiro semestre, foram registados mais de 600 casos de violência.

A empresária angolana Isabel dos Santos está na mira das autoridades portuguesas, após ter sido decretado o arresto dos seus bens pela Justiça angolana. Tendo em conta as posições de Isabel dos Santos em várias empresas portuguesas, este é um daqueles casos que vai marcar a atualidade. Está na primeira página dos jornais económicos de hoje.

No plano politico, Rui Rio apresentou a sua moção para a corrida à liderança do PSD: são 32 páginas com o titulo “Portugal ao Centro”. E o PS vai reunir amanhã a comissão nacional para lançar a reeleição de António Costa e marcar o congresso.

O Estado português, que nos últimos 45 anos tem sido governado, à vez, por PS e PSD, não sabe o valor de dois terços dos seus imóveis. Um artigo que pode ler se seguir por esta ligação rumo ao Expresso.

No CDS, envolvido também num processo de escolha de nova liderança, o caso do momento é uma acusação de bullying laboral. A entrada do artigo é assim: “Assessora acusa secretário-geral de não lhe dar trabalho há dois meses. Partido ameaça barrar-lhe entrada”. O resto pode ler se tocar aqui.

Os dados foram divulgados ontem e a discussão deve seguir durante o dia de hoje. O ritual repete-se todos anos: conhecem-se os números, discute-se se subiram ou desceram, com maior ou menor preocupação, mas nunca se percebe verdadeiramente porquê. Este ano, de acordo com a secretaria de Estado da Administração Interna, a condução sob efeito do álcool e o uso do telemóvel - comportamentos inaceitáveis, segundo Patrícia Gaspar - deverão ser a principal preocupação das autoridades. Eis 2019 em termos de sinistralidade rodoviária: 472 mortos, 2288 feridos graves e 135063 acidentes. Quinze por hora.

A TAP, em sentido contrário, parece à prova de acidentes. A companhia portuguesa entrou pela primeira vez na lista das companhias aéreas mais seguras.

(Esta é só para quem mora em Lisboa e tem passado os últimos dias, ou noites, a ouvir uma estranha buzina)

Este é um caso que envolve aviões e a falta de alertas. Sonoros e outros. A fuga do ex-presidente da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, é uma daquelas cenas que até nos filmes parece inverosímil.

CNN tem um bom resumo da historia. Ghosn estava a aguardar julgamento no Japão por suspeita de vários crimes financeiros, fugiu em circunstâncias misteriosas (ao que parece numa operação conduzida por uma empresa de segurança privada e que levou meses a preparar) e que se reuniu com o presidente do Líbano, onde chegou num avião particular, depois de uma escala na Turquia.

O que fica de fora da história é o pormenor, não confirmado e desmentido pelo próprio, de que Ghosn escapou escondido numa caixa de instrumentos musicais. A Interpol já emitiu um mandato de captura, que foi recebido pelas autoridades libanesas. Na Turquia foram feitas várias detenções, a França já admitiu não extraditar Ghosn e a policia japonesa está a tentar perceber como foi possível a fuga de um dos homens mais conhecidos do país.

Na Indonésia, a chuva torrencial na zona de Jacarta, capital do país, provocou inundações e deslizamentos de terras que causaram mais de três dezenas de mortes. Milhares de pessoas foram obrigadas a deixar as suas casas. Portugal, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já apresentou as condolências ao governo indonésio.

A onze meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América - 2020 vai ser mesmo um ano recheado de acontecimentos…- há menos um candidato na corrida. O democrata Julian Castro atirou a toalha ao chão.

Em Espanha, a Esquerda Republicana da Catalunha vai abster-se no processo de investidura de Pedro Sánchez, o que abre caminho para a reeleição como presidente do Governo do líder do PSOE no dia 7 de janeiro.

Uma das memórias mais antigas que tenho do futebol inglês é a de um tipo magrinho de bigode e equipamento vermelho que se fartava de marcar golos. Chamava-se Ian Rush e foi mais ou menos nessa altura, no inicio dos anos 80, que comecei a gostar do Liverpool. Agora também gosto. Ontem ganharam outra vez. Há um ano que não perdem.

O Sporting foi punido pela Federação Portuguesa de Futebol com dois jogos à porta fechada em futsal, devido aos incidentes registados no quarto jogo da final da última época, frente ao Benfica, no Pavilhão João Rocha. Os leões vão recorrer.

Desta vez, o futuro ficou para o fim. A Google diz ter criado um software que é mais eficaz do que os médicos a detetar o cancro da mama. As conclusões estão num artigo na revista Nature.

O que ando a ler

O livro chama-se “A sense of where you are” e é o relato do encontro de duas figuras excecionais: John McPhee, um dos mais incríveis repórteres norte-americanos, e Bill Bradley, um dos melhores jogadores de basquetebol de sempre.

(A propósito pode ler aqui o obituário de David Stern, o antigo comissário da NBA que morreu no primeiro dia do ano)

Na altura em que o livro foi escrito, o jovem Bradley - que mais tarde foi eleito para Senado americano - era o melhor jogador da universidade de Princeton: um portento atlético, com um magnetismo pessoal raro e uma ainda mais rara capacidade de trabalho.

A matéria prima ideal para McPhee (que foi alertado pelo pai, na altura médico na universidade, para aquele miúdo incrível) transformar o que podia ter sido um simples perfil numa verdadeira obra de arte de investigação e narração - que tem somado sucessivas edições desde 1965.

John McPhee é um dos responsáveis pela afirmação de uma nova forma de contar a realidade, apostando tudo em investigações exaustivas e, acima de tudo, numa narrativa literária - entenda-se literária apenas no sentido em o autor que se socorre de ferramentas normalmente usadas na ficção para relatar a realidade, os factos.

O jornalista americano já escreveu sobre tudo, desde montanhas a cargueiros, e sobre quase todos. A história de Bradley vale pelo que conta, claro, mas também por ser o primeiro livro de um dos grandes autores de não-ficção.

Aqui para nós, nada como um clássico para começar o ano.

Desejo-lhe uma excelente sexta-feira, um bom fim de semana e um 2020 em grande. Conte connosco.

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