Pequim, 23 jan 2020 (Lusa) -
Miguel Matos, um dos raros portugueses a residir em Wuhan, estava de malas
feitas para as Filipinas quando foi impedido de partir, parte de um bloqueio
que visa travar a propagação de uma nova epidemia.
"É preciso muito azar",
conta à Lusa o treinador de guarda-redes do Hubei Chufeng Heli, clube que
compete na terceira divisão chinesa de futebol. "Vim na quarta-feira do
estágio de pré-época em Kunming (sudoeste da China), só para pegar nas malas, e
hoje de manhã fui notificado que não podia sair da cidade", revela.
"Autoestradas, ligações
ferroviárias e aéreas, está tudo fechado", descreve. "Não podemos
sair daqui", acrescenta.
As autoridades proibiram as
entradas e saídas de Wuhan e de mais duas cidades vizinhas, por período indeterminado,
numa quarentena de facto que apanhou milhões de pessoas desprevenidas, na
véspera do início das férias do Ano Novo Lunar.
A principal festa das famílias
chinesas, equivalente ao Natal nos países ocidentais, é também a maior migração
interna do planeta: segundo o ministério chinês dos Transportes dever-se-ão
registar um total de três mil milhões de viagens internas durante os próximos
40 dias.
António Rosa, professor de Design
e Arte numa escola internacional de Wuhan, também foi apanhado de surpresa:
"Já estava de férias há vários dias, mas fiquei a aguardar pelas férias da
minha namorada, que começam na sexta-feira, para viajarmos juntos para o
Vietname".
"Se soubesse o que sei hoje
já não estava aqui", diz à Lusa.
O vírus foi inicialmente detetado
no mês passado num mercado de mariscos nos subúrbios de Wuhan, a capital da
província de Hubei, que é também um importante centro de transporte doméstico e
internacional, mas alastrou-se, entretanto, a várias províncias chinesas.
A doença foi identificada como um
novo tipo de coronavírus, semelhante à pneumonia atípica, ou Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SARS), que entre 2002 e 2003 matou 650 pessoas na
China continental e em Hong Kong.
Inicialmente as autoridades
chinesas reportaram apenas 41 pacientes, todos em Wuhan, e descartaram que a
doença fosse transmissível entre seres humanos, mas o número de infetados
aumentou rapidamente esta semana e atingiu hoje os 571, distribuídos por 25
províncias chinesas, e matou 17 pessoas.
Miguel Matos conta que em Wuhan,
a sétima maior cidade da China, com 11 milhões de habitantes, o silêncio é
"total", com os "estabelecimentos encerrados e as ruas
vazias".
Após a notificação das
autoridades, legumes e outros bens esgotaram rapidamente nos supermercados da
cidade, à medida que as famílias vão acumulando mantimentos. Nas bombas de
gasolina, formaram-se também longas filas ao longo do dia.
"Fomos às compras, porque
não tínhamos nada aqui em casa, mas já só conseguimos comprar alguma
carne", relata o treinador.
António Rosa revela que as
máscaras, cujo uso é recomendado pelas autoridades para prevenir o contágio,
esgotaram rapidamente nas lojas de Wuhan, e há quem se esteja a aproveitar para
as vender agora por quatro vezes o preço original.
O professor diz que, por enquanto,
a situação de quarentena se aguenta, mas que caso se prolongue durante semanas
será "incomportável".
Miguel Matos afirma não saber
quanto tempo vigorará a quarentena, mas revela que funcionários de um hospital
local o informaram que se pode estender até finais de março. "O que me
disseram é que não está a haver excesso de zelo, mas que a situação é mesmo
grave", conta.
Imagens difundidas nas redes
sociais chinesas mostram os hospitais da cidade a abarrotar de pessoas que
acorreram a fazer análises clínicas. Longas filas formaram-se também no
aeroporto e estação de comboios, à medida que os residentes tentaram abandonar
Wuhan.
Segundo estimativas da agência
Lusa, vivem em Wuhan seis portugueses.
A cidade acolhe ainda anualmente
dezenas de estudantes angolanos e de outros países lusófonos na Universidade de
Wuhan, uma das maiores do país na área de engenharias.
JPI // LFS
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