Díli, 19 fev 2020 (Lusa) -- O
Governo timorense revogou hoje uma resolução de 2013 que extinguia os grupos de artes marciais (GAM),
organizações de onde alguns membros são regularmente apontados como
responsáveis por crimes em Timor-Leste.
A par da revogação, aprovada em
Conselho de Ministros, o Governo instruiu a Polícia Nacional de Timor-Leste
(PNTL) para que "intensifique as ações de combate aos crimes relativos à
prática ilícita de artes marciais e de rituais".
O texto da revogação, a que a
Lusa teve acesso, remete para a lei de 2017 várias questões previstas na
resolução anterior, relativas à "prática de artes marciais, rituais, armas
brancas e rama ambon".
Em concreto, essa lei considerava
que a "prática de artes marciais com objetivo de promover atividades
físicas e veículo de transmissão de valores culturais e éticos tem importância
social e cultural inegável em qualquer sociedade, em especial, na camada
jovem".
A lei referia-se às regras para a
constituição e registo de escolas e grupos de artes marciais, processo cuja
fiscalização foi atribuída à Comissão Reguladora das Artes Marciais.
Aprovada em julho de 2013 pelo
então primeiro-ministro Xanana Gusmão, a resolução agora revogada referia-se a
incidentes "praticados por grupos de artes marciais", incluindo casos
de "distúrbios sérios, destruição de bens, mortos e feridos".
O Governo tentou várias vezes
mediar e conseguir compromissos dos GAM "para salvaguardar o respeito por
princípios de convivência social", num processo que levou em maio de 2011
à assinatura de um compromisso, que não produziu os efeitos desejados.
A resolução considerava
igualmente "inaceitável" que alguns grupos tivessem "praticado
juramentos em solo indonésio" e à bandeira indonésia.
A resolução agora revogada
determinava a extinção dos grupos de artes marciais PSHT, KORK e KERAK SAKTI,
com "a proibição total da continuação de qualquer atividade de artes
marciais dos respetivos membros", aplicando "tolerância zero"
para todos os membros das forças de defesa e segurança que participassem nessas
atividades.
A extinção acabou por não
resolver todos os problemas, com os grupos a fraturarem-se e, em alguns casos,
a potenciarem conflitos entre bairros.
No ano passado, a organização
não-governamental (ONG) timorense Fundasaun Mahein (FM) defendeu que o combate
à violência dos GAM exigia, além de ações de segurança, respostas do Governo
aos problemas económicos e sociais de base.
"Embora a violência dos GAM
represente uma ameaça à segurança pública, as respostas militares não abordam
as causas do problema e podem até causar mais danos do que benefícios",
sublinhou.
"É importante reconhecer que
os GAM não são inerentemente problemáticos. Enquanto alguns GAM atuam como
veículos para a competição violenta, a prática das artes marciais em si pode
ter uma valiosa função social, dando aos jovens uma saída saudável para a
agressão e um sentimento de camaradagem", referiu a ONG.
A FM citou como medidas urgentes
o combate ao desemprego juvenil, mais ênfase na formação profissional e
vocacional, mais apoios para a educação, e medidas integradas e holísticas para
os jovens.
A FM destacou também as
potenciais ameaças e riscos da situação, com destaque para a "competição
violenta" entre os GAM, que afeta vários bairros da cidade, com alguns
grupos a serem "ferramentas úteis para políticos oportunistas que buscam
fomentar a agitação ou fabricar crises para seu próprio ganho político".
"Ainda hoje, muitos líderes
usam os GAM para aumentar a participação eleitoral nas suas localidades e para
intimidar eleitores e opositores. Enquanto houver excesso de organizações
juvenis que operem à sombra da lei, os políticos continuarão a manipulá-las
para alcançar os seus próprios objetivos a nível nacional", explicou.
Os GAM são "indiretamente
uma ameaça para a democracia e os processos políticos de Timor-Leste", mas
responder com ações de segurança ou "respostas pesadas" por afetar o
Estado de Direito, considerou a FM.
"Ainda que os GAM sejam um
desafio, são frequentemente demonizados no discurso público e transformados num
problema maior do que são. Medos injustificados podem levar a respostas
militares e policiais que criam novos e maiores problemas", considerou a
ONG.
ASP // EJ
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