Economista Pedro Hipólito acha
que o "império" de Isabel dos Santos é insustentável e prevê que
empresária venda mais de suas participações em negócios após o congelamento de
seus bens e contas em Angola e Portugal.
A avaliação que o consultor Pedro
Hipólito fez sobre a fortuna de Isabel dos Santos após o escândalo "Luanda
Leaks" tem sido um sucesso nas redes sociais. Em poucos dias, o vídeo
"Luanda Leaks: O império de Isabel dos Santos é insustentável" teve
dezenas de milhares de acessos e comentários no canal de Hipólito no YouTube.
Nesta entrevista à DW África, o
diretor-geral da Five Thousand Miles - uma empresa de consultoria e desenvolvimento
de negócios internacionais com escritórios em Lisboa, Lagos, Durban e São Paulo
- explica como chegou à conclusão de que a fortuna de Isabel dos Santos corre
sérios riscos após o arresto de bens da empresária em Angola e do congelamento
das suas contas em Portugal.
DW África: Como se pode concluir
que a fortuna de Isabel dos Santos está realmente ameaçada?
Pedro Hipólito (PH): O grupo
de Isabel dos Santos tem dois lados. Tem um lado angolano e um lado
internacional. Durante muito tempo, o lado angolano financiou o lado
internacional, [por exemplo, através de] participações de empresas públicas
angolanas nos investimentos internacionais onde a engenheira Isabel dos Santos
também tinha património… A participação dela na GALP terá sido financiada por
empresas angolanas, vimos a aquisição da [joalharia] De Grisogono também com
participação da empresa de diamantes de Angola [a estatal Sodiam]. Os
dividendos dos empréstimos das empresas dela e as empresas públicas angolanas
apoiavam o grupo fora de Angola. Com a situação que está em curso, todas as
operações em Angola foram arrestadas. Todas essas empresas (BFA, Unitel,
Eurobic, e Zap) foram arrestadas pela Justiça angolana. Não podem libertar
recursos para o resto do grupo internacional.
Todas as empresas públicas
angolanas, nesse contexto de credibilidade fragilizada, vão ter resistência em
continuar a investir em empresas participadas pela família dos Santos. De
Angola não sai mais nada. Em cima de não sair mais nada, há um pedido de
restituição de mil milhões de dólares [por parte da Justiça angolana]. Toda a
parte internacional era uma parte alavancada com dívida. Nós vimos o caso da De
Grisogono – [de aquisição] apoiada pela empresa estatal de diamantes - que já
faliu. Vemos o caso de empresas muito boas, como a Efacec, que era apoiada com
dívidas até de bancos internacionais… E esta dívida não desaparece. Portanto,
quando a grande fonte de receita de um grupo económico de dimensão seca,
há claims de justiça e de credibilidade em cima, e os investimentos
internacionais são todos alavancados com dívida - serviço da dívida e juros a
pagar - é uma questão de tempo até haver uma erosão generalizada nos ativos -
pelo menos aqueles conhecidos e públicos.
Pedro Hipólito |
DW África: A De Grisogono faliu
dias depois do escândalo "Luanda Leaks" vir à tona e a empresa de
bebidas SODIBA corre o risco de fechar. Isabel dos Santos vendeu as suas
posições no Eurobic e já anunciou que vai sair da estrutura acionista da Efacec
Power Solutions. Seriam esses sinais claros de que ela está a perder a sua
fortuna?
PH: É difícil dizer. Depende
muito também dos credores. As posições internacionais, em grande medida, eram
financiadas com dívida até de bancos ou por vezes da própria petrolífera
angolana [Sonangol]. Esses bancos agora vão ter que fazer uma escolha. O
cenário "A" é forçar o cumprimento dos contratos, dizendo que tem
mesmo que pagar os juros e amortizar os empréstimos. Se fizerem isso, vão
declarar a degradação do "império" de Isabel dos Santos, que
provavelmente não tem cashflow para se sustentar.
Portanto, vão ser executadas
garantias que podem ser as ações do próprio grupo [de Isabel dos Santos] nas
várias empresas. Mas isso pode pôr os bancos expostos a reconhecerem
imparidades. Porque vão ter que reconhecer que aquele crédito, ao fim e ao cabo,
entrou em default. O cenário "B" seria fazer o rollover dos
créditos cedidos e dar tempo para uma restabilização. Portanto, depende muito
do comportamento que os credores vierem a ter. Mas eu julgo que esse
comportamento tem que ocorrer de imediato, estamos a falar num par de semanas.
Vimos o Eurobic transacionado, o banco de Isabel dos Santos. Outros
investimentos em Portugal, como a Efacec, que são muito alavancados, vão
abrigar uma decisão dos bancos. Provavelmente com venda de participações de
Isabel dos Santos e, depois disso, um novo apoio da banca ou novo investidor.
DW África: Qual seria a próxima a
cair?
PH: Eu não quero falar de
informação privada, mas quem lê os jornais percebe que a posição do grupo
Isabel dos Santos da Efacec foi adquirida com muita dívida. A Efacec é uma
empresa portuguesa de produtos de qualidade, tecnologia e know-kow. Eu
imagino que, neste momento, não exista a capacidade para servir essa dívida.
Não quero falar da sustentabilidade da empresa Efacec. O que estou a dizer é
que veículos criados para fazer a aquisição da participação de Isabel dos
Santos em cerca de 70% da Efacec podem ficar muito fragilizados. Não a Efacec
em si, mas os veículos que têm as ações. Eu julgo que isso será visível muito
rapidamente. Terá que haver uma rápida alteração nos contratos de vencimento.
DW África: Qual é o setor mais
fragilizado neste cenário?
PH: Ela tem três áreas principais
históricas. A primeira é as telecomunicações - foi fundadora da Unitel em
Angola e da Zon em Portugal. O segundo setor é o da banca, com BIC, BFA… Ela
chegou a ter o BPI em Portugal. O Eurobic, ela vendeu há alguns dias. O
terceiro setor é o da energia, com a Galp. Ela tem uma participação na Galp,
mas está dentro de um veículo que também tem a Sonangol como investidor. E a
posição dela na Galp, como se diz, foi financiada em 75 milhões de dólares pela
Sonangol. E há uma questão na Justiça sobre o pagamento desta dívida, porque a
engenheira Isabel dos Santos quereria pagar em kwanzas um crédito que lhe foi
dado em dólares. Portanto, eu acho que o que está dentro desse perímetro tem
mais alguma resistência do que aquilo que está fora. E tudo o que estamos a ver
é o que está a colapsar primeiro. Nós vimos imediatamente os administradores
associados a Isabel dos Santos a demitirem-se das empresas… Tudo em Angola
nesse setor está arrestado. Julgo que é inevitável que o setor core vai
ter impacto, inclusive a participação na Galp.
DW África: Não há como
estabelecer prazos?
PH: O mais importante é perceber
a tendência. Prever números, datas e transações específicas é difícil. Temos
mais possibilidades de perceber uma dinâmica geral, que me parece imparável. O
que vai acontecer provavelmente é que as participações de Isabel dos Santos
terão de ser vendidas a outros investidores ou deixarão de ter valor. […] Não
passa pela cabeça que estas empresas grandes sejam afetadas por isso. O que vai
haver é uma alteração na ownership dessas empresas.
DW África: Fez um vídeo no seu
canal no YouTube em que disse a seguinte frase: "Se calhar alguns de vocês
são mais ricos do que Isabel dos Santos". Ela tem uma fortuna avaliada em
2 mil milhões de euros pela revista Forbes…
PH: Nós, muitas vezes, somos
iludidos, porque confundimos ativos com capital próprio. O valor de uma
organização é o balanço. "Ativos" menos "passivos" são o
capital próprio. Quando nós vemos as avaliações das revistas Forbes e tudo
mais, os ativos são muito fáceis de avaliar, porque vimos que ela tem as
empresas, vimos que tem casas… Mas o passivo, que é a dívida, é muito difícil
de avaliar e até de identificar. Quem faz uma avaliação tem dificuldade de
conseguir encontrar dados específicos sobre o passivo de alguém, sobretudo se
for financiado com contratos com empresas públicas de outro país, em mercados
emergentes. Quando o passivo é maior do que o ativo, quando as dívidas são
maiores do que os ativos, tudo colapsa - independentemente do tamanho dos
ativos. Então, alguém que tem 1 euro pode "valer" mais do que alguém
que tem mil milhões de euros, mas deve 2 mil milhões. […] A pessoa pode ter uma
vida luxuosa, pode ter empresas, muitos ativos, mas se tiver dívidas
significativas, esses ativos não são dela. Se eu comprar um palácio com o
dinheiro emprestado por um banco, o palácio no fundo é do banco. Até eu pagar.
Marcio Pessoa | Deutsche Welle
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