Os portugueses já começaram a
fugir de Angola e nenhum angolano voltará a investir em Portugal, dado o
clima de suspeição que se criou
José António Saraiva | Sol |
opinião
No tempo em que era diretor do
Expresso, comecei a defender a ideia de que o futuro de Portugal passava
em boa parte pelo aproveitamento da relação com o Atlântico e pelo intercâmbio
com as nossas ex-colónias de África.
Na Europa, Portugal é um país irrelevante. A sua importância decorre de ter uma extensíssima área marítima e poder ser uma porta de entrada na Europa dos países africanos de língua portuguesa, designadamente Angola e Moçambique.
Depois de escrever vários artigos
sobre o assunto, fiz dele o tema central do discurso que pronunciei em
Madrid, perante o Rei Juan Carlos, na cerimónia de receção do prémio Luca de
Tena. Aí, disse que Portugal e Espanha não podiam deixar de aproveitar o
património histórico riquíssimo que resultava das relações de séculos com povos
situados noutros continentes – em África ou na América. O fio da história não
se corta com uma tesoura. Saradas as feridas da descolonização, era tempo de
aproveitar o facto de termos com outras nações uma língua comum, num caso o
castelhano, noutro caso o português.
Ao mesmo tempo, tentei convencer
Francisco Pinto Balsemão a fazer uma edição lusófona do Expresso, começando por
Angola, à semelhança, aliás, do que o El País já fazia com as ex-colónias
espanholas. Curiosamente, na última conversa que tivemos, quando ele ainda
admitia que eu pudesse ficar no grupo, propôs-me exatamente a tarefa de lançar
as bases da internacionalização do Expresso, avançando para os países onde se
falava o português.
Depois de fundar o SOL, eu e as
pessoas que me acompanharam mantivemos a chama acesa. E quando acionistas angolanos
entraram no capital do jornal – após a ‘deserção’ do BCP – essa oportunidade
surgiu. Na proposta que a Newshold fez para a aquisição de ações do SOL
constava uma alínea que previa a venda em Cabo Verde, Angola e Moçambique, com
edições próprias nos dois últimos países.
E assim aconteceu. Dentro de
pouco tempo o SOL abria delegações em Angola e Moçambique e vendia-se em Cabo
Verde.
E enquanto isto acontecia,
dezenas de milhares de portugueses emigravam para Angola, a um ritmo como nunca
se tinha visto. Era uma nova terra de oportunidades. E, simultaneamente, os
angolanos com posses começaram a fazer de Portugal a sua segunda pátria, vindo
cá passear, tratar-se em caso de doença, fazer compras, investir.
Os portugueses levavam para
Angola o know-how que lá faltava, os angolanos traziam para cá o capital que
nos faltava. Em vez de irem para outros lugares ou investirem em negócios
escuros, investiam em Portugal às claras, em negócios que criavam riqueza e
emprego, e ajudavam ao crescimento da economia.
A proveniência dos dinheiros era
muitas vezes duvidosa? Era. Como é na maior parte (senão na totalidade) dos
países de África. Com uma diferença: esses dinheiros davam aqui origem a
investimentos ‘normais’. E a experiência que os empresários angolanos adquiriam
nesses negócios, e mesmo algum capital que acumulavam, acabava por ser um
benefício para o seu país.
Por outro lado, a presença de
portugueses em várias cidades ajudava Angola a ser um país mais aberto e
transparente, contribuindo a olhos vistos para a sua democratização. Assisti a
esse processo.
Ora, com esta guerra lançada por
João Lourenço contra a família de José Eduardo dos Santos, tudo isto vai
acabar. Os portugueses já começaram a fugir de Angola e nenhum angolano voltará
a investir em Portugal, dado o clima de suspeição que se criou.
O meu sonho de Portugal como um
país atlântico, tendo com Angola relações abertas, criando um espaço de língua
portuguesa onde todos poderiam sair a ganhar, acabou. Angola vai fechar-se ao
exterior, porque é assim que acabam todas as lutas de poder. E a abertura
iniciada por Eduardo dos Santos vai andar para trás: dentro de pouco tempo
haverá ali provavelmente uma ditadura igual ou parecida com as que existem na
maioria dos estados africanos.
O idealismo acaba frequentemente
em tragédia. Quando se destrói um sistema, é preciso ver as alternativas. E a
alternativa em Angola é o quê? Uma democracia perfeita, com a economia e a
justiça a funcionarem às mil maravilhas, com políticos impolutos apenas votados
à causa pública? Ou um regime de força, decorrente do esmagamento de uma elite
poderosa centrada num Presidente que, bem ou mal, tinha alcançado a paz e
garantido a ordem?
- Publicado em 6 de Fevereiro 2020 no SOL
- Cortesia de Alberto Monteiro de Castro para PG
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