Manuel Carvalho Da Silva* | Jornal de Notícias
Alguns desavergonhados
neoliberais vêm reclamando a necessidade de se salvaguardar a economia - tal
como eles a encaram -, mesmo que isso implique a morte de milhões de seres
humanos.
Porque a Covid-19 causa mais
mortes na geração mais velha, apresentam aos jovens esta opção como a salvação
das suas condições de vida futura. Ora, muitos dos sacrifícios por que passam
hoje milhões de seres humanos afetados pelo coronavírus resultam de
insuficiências dos sistemas de saúde, das desigualdades profundas e da falta de
proteção social causadas pelas práticas predadoras dessa economia neoliberal,
denunciada pelo Papa Francisco exatamente como a economia que mata, hoje e no
futuro.
Nos últimos anos, os bancos
centrais andaram a fabricar dinheiro a rodos e nunca houve tanta riqueza.
Porque não se desencadeiam mecanismos para ir buscar dinheiro acumulado nos
offshore e em enormes grupos empresariais?
É uma evidência que o choque
provocado pelo vírus é simétrico, atinge todos os países e povos quase de forma
igual, mas o egoísmo e a ganância sustentam-se no assimétrico. Se não tomarmos
precauções, os mercados e as suas regras encarregar-se-ão de impor respostas
com mais assimetrias.
Em Portugal, muitos trabalhadores
e pequenos empresários vivem já situações de grande dificuldade.
Simultaneamente, parte das empresas colocou o despedimento na lista das medidas
prioritárias e até podemos estar à porta de haver algumas a descartar-se de
trabalhadores antes de recorrerem ao lay-off e a créditos de emergência. O
Governo, que tem sido capaz de adotar medidas excecionais no que se refere a
pagamento de rendas e outros encargos, devia ter a coragem de assumir medidas
legislativas que assegurem os vínculos laborais, jurídicos e de facto, num
período temporal definido. A sua complexa aplicação poderia assentar em
sacrifícios partilhados pelas partes envolvidas, com soluções mitigadas na
forma e no tempo.
Se não nos acautelarmos, os
colapsos serão muitos e alguns pesados. A União Europeia pode implodir face à
ausência de coerência e coesão, à negação da solidariedade e equidade entre
países e povos. As empresas, as pessoas e o país precisam urgentemente de
financiamento, não precisam de mais dívida. No entanto, mais dívida é o que a
União Europeia tem para oferecer: sob a condição de novos programas estruturais
e na perspetiva de mais uns "resgates". Mesmo os eurobonds ou os
coranabonds, que alguns reclamam enquanto dívida mutualizada, não deixa de ser
dívida também nossa.
Diversos economistas têm vindo a
falar de duas alternativas ao acumular de dívida: a primeira, a aquisição
direta pelo Banco Central Europeu de títulos de dívida aos estados que a
emitem, processo conhecido por monetarização da dívida, praticado nos EUA, no
Reino Unido, no Japão e em países que têm bancos centrais normais. A outra, a
emissão de títulos públicos a serem utilizados por pessoas, empresas, etc., em
território nacional e em todo o tipo de transações, contra a garantia, por
parte do Estado, de os aceitar de volta como meio de pagamento de impostos e
taxas. Seriam na prática quase-dinheiro, quase-moeda. Estas alternativas são
proibidas pelos tratados da União Europeia!?
Quando os caminhos que nos
indicam são o desastre e as propostas nos repugnam, mesmo o que é proibido tem
de ser feito.
P.S.: Parabéns ao empresário José
Teixeira pela sua exemplar atitude.
*Investigador e professor
universitário
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