O pós-coronavírus será como sair
de uma guerra: tudo estará em escombros. Ao propagar o medo do outro, o
individualismo radical, a insolidariedade social, o “salve-se quem puder”,
sistema nos tornou frágeis. Agora é buscar a volta por cima
Juan Antonio Molina | Outras Palavras
| Tradução de Simone Paz
Chegou a hora de reduzir ao
absurdo o capitalismo em sua versão neoliberal e a pós-modernidade como seu
suporte metafísico. Esta crise do coronavírus questiona
e põe o mundo todo em dúvida. Afeta gravemente a saúde dos cidadãos, a vida das
empresas, o destino dos empresários, os trabalhadores, os precarizados e os
pobres
Tudo junto e misturado porque
temos, nas sociedades modernas, uma “comunidade de destino” que nos une uns aos
outros num emaranhado só. Termos quebrado esse vínculo, inclusive
emocionalmente, pela difusão do medo aos demais, o individualismo radical, a
falta de solidariedade social, o “salve-se quem puder” que o neoliberalismo nos
impõe, nos tornou mais frágeis hoje — produto da hegemonia cultural perversa
que acaba sendo antagônica quando deveríamos nos unir para enfrentar o inimigo
em comum, do qual ninguém consegue escapar sozinho.
O pós-coronavírus será como um
período de pós-guerra. Só encontraremos ruínas. Então, qual sentido vão ter
todos aqueles excessos neoliberais — que tanto esta crise como aquela de 2008
já demonstraram ser falácias sem fundamento para impor o implacável direito de
uma minoria de explorar, marginalizar e empobrecer as maiorias sociais? Ainda
mais quando o coronavírus nos obriga a repensar o significado de nossas vidas,
nossa forma de estar juntos, os perigos da globalização; sendo possível que ele
nos devolva uma normalidade transformada, um renascer diferente, incluindo as
regras financeiras internacionais. O problema é que perdemos o sentido do
equilíbrio entre os diversos componentes da nossa sociedade.
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de
Economia de 2001, escreveu um artigo publicado na revista Social Europe,
chamado O fim do neoliberalismo e o renascimento da história, no qual
aponta as consequências negativas da aplicação das políticas neoliberais. Estas
incluem: reformas trabalhistas destinadas a enfraquecer os sindicatos e
facilitar a demissão dos trabalhadores, bem como políticas de austeridade que
tentam diminuir a proteção social por meio de cortes no gasto público social,
na qualidade democrática dos países em volta do Atlântico Norte (incluindo a
Espanha), e também, no bem-estar das classes populares. Uma das consequências
desta realidade tem sido o enorme crescimento da desigualdade na maioria desses
países, nos quais as políticas neoliberais têm sido aplicadas.
O neoliberalismo ataca todas as
subjetividades e interpretações ideológicas da realidade que se suavizaram com
a convivência, já que não acredita na sociedade e, sim, em indivíduos
concorrendo entre si, em termos desiguais. Prega a forte liberalização da
economia, o livre comércio de modo geral, e uma drástica redução do gasto
público e da intervenção do Estado na economia a favor do setor privado, o qual
passaria a desempenhar as funções tradicionalmente atribuídas ao Estado.
Não obstante, essa substituição
do Estado, justificada por uma suposta ineficiência do setor público se
comparado ao privado, vai por água abaixo quando a ineficácia dos banqueiros
acaba com as entidades financeiras e, então, é solicitada a intervenção do
Estado — que reconhece implicitamente a gestão pública, só que apenas
articulando a perversa equação de privatizar os benefícios e coletivizar as
perdas. O que seria da luta contra o coronavírus com um sistema de saúde
absolutamente privado e focado exclusivamente no benefício empresarial?
Essa economia pós-moderna possui
seus pilares numa visão apocalíptica do discurso político dos criadores do
capital. O Estado é julgado culpado, ineficiente, corrupto, mas também lastro
para a competitividade do mercado e de suas leis de oferta e demanda. Mudam as
referências, o imaginário e as palavras para se referir ao Estado de bem-estar.
O capitalismo é reinventado. Tudo é modificado para dar lugar a um ser
despolitizado, conformista social. Um perfeito ignorante social. As velhas
estruturas cedem espaço para uma ordem social cujas reformas enaltecem os
valores individualistas, o “eu” acima do “nós”, onde os outros são considerados
obstáculos ou concorrentes que devemos destruir… mas, nisso, chegou o
coronavírus.
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