Pedro Ivo Carvalho |
Jornal de Notícias | opinião
Um dos aspetos mais
confrangedores em torno do ambiente securitário imposto pela pandemia do
coronavírus é a consagração, entre alguns dos nossos decisores, de um
campeonato que mede o nível de ousadia de cada um na restrição das liberdades e
dos movimentos.
Como se exigir a paragem total do
país, com tudo o que isso implica de nocivo para o Portugal que sobrevier a
esta crise profunda, fosse uma demanda patriótica, transformando nuns bárbaros
irresponsáveis os que preferem uma mitigação crescente dos efeitos e apelam à
prudência na aplicação de medidas rudes. É verdade que estamos a lidar com uma
ameaça nova, que se espraia por territórios inóspitos até para a ciência; é
verdade que países como Inglaterra, que abordou inicialmente o surto com uma
estratégia liberal, estão a arrepiar caminho para conferir maior poder de
intervenção ao Estado. E, por tudo isto, e em particular pela acumulação dos
medos, é compreensível que as reações epidérmicas dos cidadãos a uma aparente
inoperância do poder político se expliquem com o facto de, na cabeça deles,
quanto mais apertado estiver o freio, mais depressa regressamos às nossas
vidas. Mas é bom termos consciência do que significa declarar o estado de
emergência, por mais sedutora que nos pareça a ideia, e é bom termos a noção de
que este domingo longo em que mergulhou a nossa rotina pode durar meses.
Querem melhor exemplo de
compromisso natural entre quem decide e quem obedece do que o que está a ser
dado pelo Porto? Não foi necessário declarar nenhum estado de emergência para
as ruas ficarem desertas, para os cidadãos absorverem o espírito de urgência. A
cidade empreendedora e do trabalho captou a mensagem sozinha. A mesma cidade
que criou o primeiro centro móvel para rastrear casos suspeitos e que ajudou a
montar uma unidade de produção de máscaras.
Por isso, cumpramos o estado de
emergência se assim tiver de ser, mas não fiquemos reféns do abraço musculado
do Estado para fazermos o nosso papel. E não ignoremos a necessidade imperiosa
de manter vivo o tecido económico. Porque nesta guerra coletiva em que não se
ouvem as balas e onde até os generais são soldados, o verdadeiro estado de
emergência somos nós. Nós e o alcance das nossas ações.
*Diretor-adjunto
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