Se o hacker Rui Pinto merece ser
judicialmente questionado, o denunciante Rui Pinto deve ser escutado e a
informação recolhida tem de ser investigada.
Pedro Filipe Soares* | Público
| opinião
A prisão preventiva de Rui Pinto dura há cerca
de um ano. Detido em Budapeste a 16 de janeiro de 2019, está preso desde então,
sujeito em alguns períodos a um isolamento completo. Faz sentido manter Rui
Pinto preso preventivamente durante tanto tempo? Não me parece.
Atenção, não quero passar uma
esponja sobre quaisquer crimes que Rui Pinto tenha cometido. A lei aplica-se a
todos, sem exceção, é isso que defendo. Por esses crimes deve responder na
justiça, sem dúvida. Mas, ainda está por explicar a razão que torna
indispensável a manutenção da prisão preventiva durante tanto tempo quando o
que o justifica é uma alegada prática de um crime de extorsão na forma tentada
que ocorreu há quatro anos atrás.
Defendo o Estado de Direito e que
a execução da Justiça é monopólio do próprio Estado. Isso vem em conjunto com a
exigência do respeito por direitos fundamentais e garantias, onde a privacidade
e a liberdade andam de mãos dadas. Por isso mesmo, não naturalizo ou normalizo
qualquer atuação que coloque em causa esses direitos ou conflitue com essas
liberdades e garantias, seja quem for o protagonista. E se isto arruma a
opinião que tenho sobre um qualquer pirata informático, coisa diferente é
ignorar que Rui Pinto é mais do que isso.
Rui Pinto é um denunciante? É um whistleblower?
Ou apenas um criminoso? A validade destas perguntas é apenas formal, porque a
realidade já lhes respondeu há muito. Apesar de não se enquadrar em casos como
o de Edward Snowden ou Chelsea
Manning, protagonistas de denúncias que vinham de dentro das instituições
onde trabalhavam, a dimensão da informação que Rui Pinto forneceu e foi tornada
pública não deixa dúvida quanto ao seu papel de denunciante. Não elimina os
seus crimes, mas tem uma importância pública inequívoca.
A realidade não tem apenas uma
dimensão, isso fica bem claro com o caso Rui Pinto. Nem a nossa lei diz que a
aplicação da Justiça é unidimensional. Não se percebe, portanto, o aparente
desinteresse em usar Rui Pinto como colaborador dos agentes judiciais e, com
isso, investigar a fundo os casos que vão sendo conhecidos. A figura da Justiça
é sempre representada com os olhos vendados, mas o que me ensinaram é que isso
significaria imparcialidade na tomada de decisão, não a vontade de ignorar
provas ou informações. É a credibilidade da Justiça que está em causa, porque a
consequência é a ideia da impunidade de uma elite com um extenso cadastro de
crime económico.
É que em todo este debate teórico
entre direitos, liberdades e garantias, há debates que não têm uma conclusão
taxativa. Nos crimes em que os próprios escritórios de advogados são agentes
principais nos esquemas montados para fraude fiscal ou lavagem de dinheiro dos
seus clientes, fica em causa também o direito ao sigilo da relação entre
clientes e advogados. A Ordem dos Advogados já fez esse debate ou também ignora
o papel de escritórios de advogados portugueses no Football Leaks e
no Luanda Leaks? E como se garante o combate ao crime financeiro quando os
recursos para o crime vão desde a cobertura legal dos offshore aos escapes
dilatórios que o código do processo penal permite? Questões que não passarão
com a espuma dos dias.
Uma última nota para um
desaparecido em combate. Alguém sabe do justiceiro do reino, André Ventura?
Afinal, o combate à corrupção tem dias, pois no que toca a Rui Pinto e às suas
denúncias parece que perdeu o pio. Nesta matéria, o silêncio é cúmplice com o
sistema.
*Presidente do Grupo Parlamentar
do Bloco de Esquerda
O autor escreve segundo o novo
acordo ortográfico
Ler em Público:
Sem comentários:
Enviar um comentário