sábado, 11 de abril de 2020

HÁ MAIS VIDA PARA ALÉM DO EURO


Eu sei que muitos dos meus leitores só agora começam a pensar que pode haver mais vida para além do euro.

Jorge Bateira* | Jornal Tornado

Gostava de os tranquilizar. Para já, António Costa é um europeísta genuíno; tem feito alguns alertas críticos, mas nunca irá tirar Portugal deste colete de forças do euro. Não, Portugal não vai sair do euro pela mão de AC e do PS, custe o que custar ao país.

Agora, eu estou certo de que o euro vai acabar, e acho que já estivemos bem mais longe. Um cenário plausível é o da eleição em Itália de um governo que se recuse a cumprir o Tratado Orçamental, não deixando a UE intrometer-se na condução da sua política orçamental pós-pandemia.

Então, o que fazer quando o euro acabar (por divórcio amigável, acredito, porque a Alemanha também já não quer viver com esta periferia, onde mesmo com o fim do euro ainda pode sugar a mão de obra qualificada que estamos a preparar para a emigração)?

Para ajudar a tranquilizar os mais inquietos com o fim do euro, aqui ficam algumas respostas a dúvidas frequentes. São respostas lacónicas e já foram escritas há algum tempo, num contexto em que se falava de sairmos do euro.

Isto faz parte da preparação da opinião pública para o que aí vem.


Dúvidas sobre a saída do euro

Contratos entre residentes
Todos os contratos realizados ao abrigo da legislação nacional são convertidos na nova moeda. Isto inclui depósitos bancários e contratos de crédito realizados pelos privados junto dos bancos residentes em Portugal.

Dívida pública emitida pelo Estado
Os títulos de dívida são convertidos na nova moeda caso tenham sido emitidos ao abrigo da legislação nacional (Lex Monetae – ver no Financial Times um artigo de Gilles Thieffry sobre a Grécia). O Banco de Portugal é retirado do sistema do euro por decreto do governo.

Dívida privada externa
Deveria manter-se em euros para não prejudicar as relações comerciais. O acréscimo nas dívidas resultante da desvalorização deve ser tratado segundo o tipo de empresa (Petrogal, EDP e outras, suportam o encargo porque também têm activos no estrangeiro que se valorizam; as outras empresas são apoiadas pelo Estado nesse diferencial).

Salários de funcionários e investimento público
Estão garantidos porque o défice orçamental é financiado pela emissão de títulos de dívida, em nova moeda, que os bancos estão interessados em comprar, ou por emissão monetária sem juros através do BdP.

Pensões
Estão garantidas porque as pensões pagas em cada mês são financiadas pelos descontos efectuados mensalmente, o que não é problema com desemprego baixo. Se necessário, um défice do orçamento da segurança social é sempre coberto por uma transferência do orçamento do Estado. Tal como os salários, as pensões serão indexadas à inflação.

Financiamento das importações de bens essenciais
Não é problema sério porque as contas externas estão perto do equilíbrio. Ainda assim, para ter uma reserva de segurança em divisas, não será difícil obter crédito comercial externo contra garantia em ouro, ou outras contrapartidas, até que a desvalorização (acompanhada de outras políticas) consolide o equilíbrio da balança corrente. Para um crédito em divisas, o ADB (Banco Asiático de Desenvolvimento) é uma alternativa ao FMI.

Nacionalização dos bancos
Para garantir que o controlo dos movimentos de capitais não fica nas mãos dos actuais banqueiros, e também porque há bancos que ficam falidos com dívidas ao exterior em euros, o sistema bancário será recapitalizado e nacionalizado. Mais tarde, encontrar-se-á uma fórmula institucional que impeça os governos de partidarizarem as administrações dos bancos.

Como será o fim do euro?
Se a Itália sair do euro, a França e a Espanha terão de fazer o mesmo para não perder mercados. Será um processo semelhante ao do fim do padrão-ouro na Europa dos anos 30. Nessa situação, os governos estabelecerão em poucas horas um acordo para uma intervenção de emergência, articulada com a Reserva Federal dos EUA e outros bancos centrais, a fim de estabilizarem o sistema financeiro. Com o fim do euro, abrem-se novas perspectivas de cooperação entre Estados europeus soberanos.

Moeda comum
Terminada a experiência do euro, alguns países podem organizar uma zona de “moeda comum” (moeda bancária para pagamentos ao exterior da zona), com o câmbio das moedas nacionais ajustável periodicamente face à evolução das respectivas balanças externas. As moedas desses países ficariam protegidas da especulação financeira porque não são usadas no exterior. Os movimentos de capitais também podem ser regulamentados de forma mais apertada para impedir bolhas especulativas.

Também podem ouvir-me nos Snacks de Economia Política.

*PhD em Economia, Professor Universitário

Leia em Jornal Tornado:
Escandalosa nomeação do embaixador marroquino Omar Hilale pela Nações Unidas

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