Nos últimos dias, os EUA voltaram
a pressionar fortemente a Venezuela, a fim de derrubar o governo de Nicolás
Maduro, acuado por novas adversidades, mas, ao mesmo, tempo, fortalecido pelo
histórico recente dessa queda de braço com Washington.
Na última quarta-feira (1º), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou
uma nota manifestando o apoio brasileiro à Moldura Institucional para a
Transição Democrática na Venezuela, apresentada no dia anterior pelos Estados
Unidos.
No documento, o governo de Jair
Bolsonaro destaca a convergência das ideias de Washington e Brasília em relação
à situação venezuelana, sublinhando a necessidade de renúncia do presidente de
fato, Nicolás Maduro, e do autodeclarado, Juan Guaidó, a fim de que se
estabeleça um Conselho de Estado incumbido de realizar "eleições livres e
justas, sob observação internacional".
"No entendimento brasileiro,
a garantia de participação no processo de transição de todas as forças
políticas comprometidas com a democracia, o repúdio ao crime organizado, a
libertação de presos políticos, a restauração das imunidades parlamentares, a
restruturação do Conselho Nacional Eleitoral e o restabelecimento de uma Corte
Suprema de Justiça legítima são indispensáveis para a reconstrução do Estado de
Direito e de um ambiente democrático na Venezuela", afirmou o Itamaraty.
"Os Estados Unidos estão
percebendo que o momento de tensão vai se agudizar devido à pandemia do
coronavírus. E, obviamente, estão tentando pressionar ao máximo, neste momento,
esperando que a fragilidade do governo de Maduro force que ele faça concessões
que não tinham sido previstas", afirma o professor de Relações
Internacionais Leonardo Trevisan, da Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM).
Para o especialista, ouvido pela
Sputnik Brasil, chama a atenção nessa proposta o pedido de renúncia também do
autodeclarado presidente interino Juan Guaidó, que, durante muito tempo, foi
amplamente apoiado por Washington, sendo inclusive reconhecido pelos EUA, pelo
Brasil e por vários outros países como chefe de Estado legítimo da Venezuela. Segundo ele, isso significa que os Estados Unidos parecem ter perdido a
confiança no político para liderar a oposição venezuelana.
Na semana passada, o governo
norte-americano acusou formalmente Nicolás Maduro e outras autoridades
venezuelanas de narcoterrorismo, oferecendo uma recompensa no valor de 15
milhões de dólares por informações que levem à prisão e condenação do líder
sul-americano. Sem entrar no mérito da procedência da acusação, Trevisan
argumenta que, ao que tudo indica, esse fato novo deve ser usado nessa queda de
braços entre o presidente venezuelano e os EUA.
"É notório que,
provavelmente, o governo de Maduro ainda tenha uma quantidade de votos
significativa para se transformar numa espécie de fiel da balança entre
candidatos mais moderados da oposição e mais radicalizados contra o governo
Maduro. É exatamente esse ponto que o Departamento de Estado pretende eliminar,
oferecendo, ao mesmo tempo, uma proposta dúbia a Maduro: não teremos sanções
militares, mas a sua pessoa continua correndo risco."
De acordo com o professor de
História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael Araújo,
pesquisador da área de Relações Internacionais e especialista em Política e
História da Venezuela, o protagonismo norte-americano na elaboração de uma
proposta para pôr fim à crise política na Venezuela mostra, mais uma vez, como
o Brasil vem se apequenando no papel de líder regional, no subcontinente
sul-americano.
Também em entrevista à Sputnik
Brasil, o acadêmico explica que, levando em conta os desdobramentos da situação
venezuelana ao longo dos últimos dois anos, não é possível afirmar, mesmo com
os novos elementos da crise, que essa nova investida de Washington possa ser
considerada um ultimato ao governo Maduro.
Para Araújo, se, por um lado, é
fato que o governo venezuelano volta a ser colocado contra a parede, em meio à
pandemia da COVID-19 e a piora da crise econômica por conta da queda dos preços
do petróleo, por outro, é preciso lembrar que, na história recente da
Venezuela, mesmo nas maiores adversidades, o chefe de Estado conseguiu se
manter no poder.
"E, justamente, por conta aí
do que vem sendo, até agora, o forte respaldo das Forças Armadas
venezuelanas", afirma o professor.
Ontem à noite, o presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que navios da Marinha norte-americana
seriam enviados para a região da Venezuela, a fim de intensificar as operações
antidrogas no Caribe, notícia que foi recebida em diversos meios como uma nova
ameaça de intervenção feita pelo governo Trump ao país sul-americano.
Segundo Araújo, a hipótese de uma
ação militar estrangeira em território venezuelano não deve ser descartada,
pois é essa postura que a Casa Branca tem mantido desde 2017. Mas essa
possibilidade, acredita o especialista, é pequena.
"Essa hipótese não tem que
ser descartada, embora eu, particularmente, considere que ela seja pequena. Não
só pelo custo econômico, pelos gastos que uma guerra poderia derivar para os
Estados Unidos e seus aliados, mas também por um elemento que me parece muito
claro: as Forças Armadas venezuelanas estão alinhadas com Maduro
e são bem equipadas. Porque, se houve algo importante dessa história da
Venezuela nos últimos 20 anos foi o fortalecimento do seu arsenal militar."
Sputnik | Imagem: © REUTERS /
Palácio Miraflores
Sem comentários:
Enviar um comentário