domingo, 5 de abril de 2020

Histórico mostra que pôr Maduro contra a parede não significa muito -- diz analista


Nos últimos dias, os EUA voltaram a pressionar fortemente a Venezuela, a fim de derrubar o governo de Nicolás Maduro, acuado por novas adversidades, mas, ao mesmo, tempo, fortalecido pelo histórico recente dessa queda de braço com Washington.

Na última quarta-feira (1º), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou uma nota manifestando o apoio brasileiro à Moldura Institucional para a Transição Democrática na Venezuela, apresentada no dia anterior pelos Estados Unidos. 

No documento, o governo de Jair Bolsonaro destaca a convergência das ideias de Washington e Brasília em relação à situação venezuelana, sublinhando a necessidade de renúncia do presidente de fato, Nicolás Maduro, e do autodeclarado, Juan Guaidó, a fim de que se estabeleça um Conselho de Estado incumbido de realizar "eleições livres e justas, sob observação internacional".

"No entendimento brasileiro, a garantia de participação no processo de transição de todas as forças políticas comprometidas com a democracia, o repúdio ao crime organizado, a libertação de presos políticos, a restauração das imunidades parlamentares, a restruturação do Conselho Nacional Eleitoral e o restabelecimento de uma Corte Suprema de Justiça legítima são indispensáveis para a reconstrução do Estado de Direito e de um ambiente democrático na Venezuela", afirmou o Itamaraty. 

Embora o mundo esteja concentrado, no momento, no combate à pandemia da COVID-19, nas últimas semanas, os EUA, epicentro do surto, têm tentado conciliar a preocupação com o novo coronavírus com uma nova onda de pressões sobre Caracas, insistindo na saída de Maduro do cargo de chefe de Estado. Este, por sua vez, acusa a Casa Branca de utilizar táticas desumanas, como o regime de sanções que dificulta o acesso da Venezuela a medicamentos, para levar a cabo planos imperialistas e ilegais.

"Os Estados Unidos estão percebendo que o momento de tensão vai se agudizar devido à pandemia do coronavírus. E, obviamente, estão tentando pressionar ao máximo, neste momento, esperando que a fragilidade do governo de Maduro force que ele faça concessões que não tinham sido previstas", afirma o professor de Relações Internacionais Leonardo Trevisan, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). 

Para o especialista, ouvido pela Sputnik Brasil, chama a atenção nessa proposta o pedido de renúncia também do autodeclarado presidente interino Juan Guaidó, que, durante muito tempo, foi amplamente apoiado por Washington, sendo inclusive reconhecido pelos EUA, pelo Brasil e por vários outros países como chefe de Estado legítimo da Venezuela. Segundo ele, isso significa que os Estados Unidos parecem ter perdido a confiança no político para liderar a oposição venezuelana. 

Na semana passada, o governo norte-americano acusou formalmente Nicolás Maduro e outras autoridades venezuelanas de narcoterrorismo, oferecendo uma recompensa no valor de 15 milhões de dólares por informações que levem à prisão e condenação do líder sul-americano. Sem entrar no mérito da procedência da acusação, Trevisan argumenta que, ao que tudo indica, esse fato novo deve ser usado nessa queda de braços entre o presidente venezuelano e os EUA. 

"É notório que, provavelmente, o governo de Maduro ainda tenha uma quantidade de votos significativa para se transformar numa espécie de fiel da balança entre candidatos mais moderados da oposição e mais radicalizados contra o governo Maduro. É exatamente esse ponto que o Departamento de Estado pretende eliminar, oferecendo, ao mesmo tempo, uma proposta dúbia a Maduro: não teremos sanções militares, mas a sua pessoa continua correndo risco."

De acordo com o professor de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael Araújo, pesquisador da área de Relações Internacionais e especialista em Política e História da Venezuela, o protagonismo norte-americano na elaboração de uma proposta para pôr fim à crise política na Venezuela mostra, mais uma vez, como o Brasil vem se apequenando no papel de líder regional, no subcontinente sul-americano.

Também em entrevista à Sputnik Brasil, o acadêmico explica que, levando em conta os desdobramentos da situação venezuelana ao longo dos últimos dois anos, não é possível afirmar, mesmo com os novos elementos da crise, que essa nova investida de Washington possa ser considerada um ultimato ao governo Maduro. 

Para Araújo, se, por um lado, é fato que o governo venezuelano volta a ser colocado contra a parede, em meio à pandemia da COVID-19 e a piora da crise econômica por conta da queda dos preços do petróleo, por outro, é preciso lembrar que, na história recente da Venezuela, mesmo nas maiores adversidades, o chefe de Estado conseguiu se manter no poder.

"E, justamente, por conta aí do que vem sendo, até agora, o forte respaldo das Forças Armadas venezuelanas", afirma o professor.

Ontem à noite, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que navios da Marinha norte-americana seriam enviados para a região da Venezuela, a fim de intensificar as operações antidrogas no Caribe, notícia que foi recebida em diversos meios como uma nova ameaça de intervenção feita pelo governo Trump ao país sul-americano.

Segundo Araújo, a hipótese de uma ação militar estrangeira em território venezuelano não deve ser descartada, pois é essa postura que a Casa Branca tem mantido desde 2017. Mas essa possibilidade, acredita o especialista, é pequena.

"Essa hipótese não tem que ser descartada, embora eu, particularmente, considere que ela seja pequena. Não só pelo custo econômico, pelos gastos que uma guerra poderia derivar para os Estados Unidos e seus aliados, mas também por um elemento que me parece muito claro: as Forças Armadas venezuelanas estão alinhadas com Maduro e são bem equipadas. Porque, se houve algo importante dessa história da Venezuela nos últimos 20 anos foi o fortalecimento do seu arsenal militar."  

Sputnik | Imagem: © REUTERS / Palácio Miraflores

Sem comentários:

Mais lidas da semana