Parte das
armas são frequentemente tomadas do frágil
Exército moçambicano, e portanto, financiadas involuntariamente pelo
Estado. Quanto ao resto, a que circuito obedecem? Especialista em armas tenta
explicar.
Em Cabo Delgado,
sem resistência à altura, os insurgentes têm-se apoderado frequentemente
de armas, fardamento e outros equipamentos militares das Forças de Defesa e
Segurança (FDS) e da Polícia da República de Moçambique (PRM).
Mas, embora a insurgência seja
assim alimentada pelos fundos do Estado moçambicano, através dos impostos
do contribuinte vítima dos próprios insurgentes, parte do seu arsenal tem
outras origens - afinal, terão precisado de outras armas para começar esses
ataques.
Mentira da PRM
Esse material já foi capturado
pelas autoridades moçambicanas algumas vezes - poucas - pelo menos
pelo que foi dado a conhecer publicamente. Por exemplo, em novembro de
2017, no início das incursões armadas à província nortenha, a
PRM informou, na sua habitual conferência de imprensa semanal, que apreendeu
quatro armas de fogo e 100 munições.
No entanto,
quando questionado na última semana pela DW sobre as caraterísticas dessas
armas, o porta-voz do comando-geral da PRM, Orlando Mudumane, respondeu:
"Não tenho nenhuma informação sobre as caraterísticas das armas
dos malfeitores."
Uma mentira grosseira da
PRM, se considerarmos os informes que a corporação fazia sobre as
armas que inicialmente conseguia capturar. As notícias estão aí como prova. Mas, como
os insurgentes partilham regularmente vídeos em que aparecem altamente
artilhados, é possível saber que tipo de equipamento usam, para além do que é
tirado às FDS.
Por outro lado, insistir em
chamar os atacantes de "malfeitores" parece um negação da
polícia da crescente violência que a população tem vivido em Cabo
Delgado: decapitações, raptos, destruições, violência religiosa, tomada
dos símbolos e instituições do Estado e o içar
de uma bandeira de um "Estado" que não
é moçambicano. O Conselho Nacional de Defesa e Segurança já admitiu
que os ataques são uma "agressão externa perpetrada por terroristas".
É possível rastrear as armas?
A DW ouviu um especialista
internacional em armas, que prefere não ser identificado. Descreve
que os insurgentes usam "tipicamente armas pequenas, desde pistolas a armas
pesadas, mas normalmente espingardas de assalto de padrão AK. E RPGs
também". Outras fontes ouvidas pela DW, no terreno e/ou ligadas
à segurança, falam ainda de armas do tipo G3.
Pelas características das armas,
será possível perceber, através de um rastreamento, o seu circuito
de produção, venda e potenciais compradores?
"É tão simples
quanto vender às autoridades moçambicanas, usar e depois capturar. Acredito que
com alguma corrupção por aí também. Obviamente que há venda ilegal de armas no
mercado negro, mas é muito difícil dizer com precisão o percurso que
a arma seguiu", responde o especialista em armas.
Abate de helicóptero
sul-africano: um golpe de sorte?
No começo deste mês de
abril, os insurgentes abateram um helicóptero de mercenários sul-africanos,
supostamente ao serviço das autoridades moçambicanas, que efetuaram
um ataque contra algumas bases suas.
Essa proeza evidencia um
incremento da capacidade bélica e operativa dos insurgentes? O especialista
internacional em armas diz que "não particularmente, pois informações
disponíveis indicam que foram apenas os disparos de armas pequenas que
derrubaram o Gazelle, que não é exatamente um aparelho blindado."
E esclarece ainda que "o
disparo de armas leves pode derrubar muitas aeronaves se um componente de
combustível for atingido. O evento foi uma surpresa, já que os abates de aviões
de pequenos grupos como o Estado Islâmico na África Central [EI AC] são
bastante raros no geral."
Quem são realmente
os insurgentes?
Desde outubro de 2017, quando
os insurgentes iniciaram as suas incursões armadas, até hoje,
é difícil perceber claramente quem eles são, embora muito
recentemente os próprios se identifiquem como "Estado
Islâmico". A cada vitória alcançada, e não são poucas,
os insurgentes fixam a sua bandeira do "EI"
nas regiões "conquistadas". Contudo, são também
identificados como Al-Shabab e como Al-Suna Wa-Jama.
Através do seu modus operandi, dará
para descodificar quem está, realmente, por detrás dos atacantes e lhes dá
suporte? "O Al-Suna Wa-Jama é absolutamente uma filial do
'Estado Islâmico', uma província/filial do
'Estado Islâmico' na África Central. Os seus ataques são
reinvindicados diretamente pelo aparato de média do 'Estado Islâmico'. E
parte dos combatentes do grupo foi visto a fazer bay'ah [promessa de
fidelidade] a Abu Bakr Al-Baghdadi [líder do Estado Islâmico]", diz o
especialista.
Contudo, o entrevistado
acredita que "eles obviamente são um grupo local anterior, mas que
foi cooptado pelo EI. Não acredito que eles estejam realmente muito ligados ao
EI AC no Congo, exceto para fins de média. Quaisquer ligações a outras filiais
do EI têm maior probabilidade de ser Somália, etc."
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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