sábado, 9 de maio de 2020

A grande mudança que vem aí: o Yuan Digital


Pepe Escobar [*]

Avança uma nova e radical mudança de paradigma. A economia dos EUA pode contrair-se em até 40% no primeiro semestre de 2020. A China, já a maior economia do mundo em paridade de poder de compra (PPC) desde há alguns anos, pode em breve tornar-se a maior economia do mundo mesmo em termos de taxa de câmbio.

O mundo pós-confinamento planetário – ainda uma miragem difusa – pode precisar de uma divisa pós confinamento planetário. E é nessa altura que um candidato sério entra na luta: o yuan digital fiduciário (fiat digital yuan).

No mês passado, o Banco Popular da China (PBOC) confirmou que um grupo de bancos de topo iniciou ensaios de pagamento electrónico em quatro diferentes regiões chinesas, utilizando o novo yuan digital. No entanto, ainda não existe um calendário para o lançamento oficial do que se designa por Pagamento Electrónico em Moeda Digital (Digital Currency Electronic Payment, DCEP).

O homem responsável pelo plano é o governador do PBOC, Yi Gang . Ele confirmou que além dos ensaios em Suzhou, Xiong'an, Chengdu e Shenzhen, o PBOC também está a testar cenários hipotéticos para as Olimpíadas de Inverno em 2022.

Se bem que o DCEP, segundo Yi, "tenha feito progresso muito bom", ele insiste em que o PBOC será "cauteloso em termos de controle de risco, especialmente no estudo de medidas anti lavagem de dinheiro e de 'conhecer as exigências do cliente' para incorporá-las na concepção e no sistema do DCEP.

DCEP should be interpreted as the road map for China leading to an eventual, even more groundbreaking replacement of the U.S. dollar as the world's reserve currency. China is already ahead in the digital currency sweepstakes: the sooner DCEP is launched the better to convince the world, especially the Global South, to tag along.

O PBOC está a desenvolver o sistema com quatro bancos estatais de topo, bem como com os gigantes dos pagamentos Tencent e Ant Financial.

Uma aplicação móvel desenvolvida pelo Banco Agrícola da China (ABC) já está a circular no WeChat. Trata-se, na realidade, de uma interface ligada ao DCEP. Além disso, 19 restaurantes e estabelecimentos retalhistas, incluindo Starbucks, McDonald's e Subway, fazem parte dos testes-piloto .

A China está a avançar rapidamente em todo o espectro digital. Uma Blockchain Service Network (BSN) foi lançada não só para fins de comércio interno como também para o comércio mundial. Um amplo comité está a supervisionar a BSN, incluindo executivos do PBOC, Baidu e Tencent, de acordo com o Ministério da Indústria e das Tecnologias da Informação (MIIT) .

APOIADO PELO OURO

Assim, o que significa tudo isto?

Fontes bancárias bem conectadas em Hong Kong contaram-me que Pequim não está interessada em que o yuan substitua o US dólar – apesar do interesse de todo o Sul Global em contorná-lo, especialmente agora que o petrodólar está em estado de coma.

A posição oficial de Pequim é que o dólar americano deve ser substituído pelos Direitos Especiais de Saque (DES), um cabaz de moedas (dólar, euro, yuan, iene) aprovado pelo FMI. Isso eliminaria o pesado fardo do yuan como a única moeda de reserva.

Mas isso pode ser apenas uma táctica diversionista, num ambiente de guerra de informação generalizada. Um cabaz de moedas sob o controlo do FMI ainda implica o controlo dos EUA – não é exactamente o que a China quer.

O cerne da questão é que um yuan digital e soberano pode ser apoiado por ouro. Isso não está confirmado – ainda. O ouro poderia servir como um apoio directo; para sustentar títulos; ou permanecer apenas como garantia colateral. O que é certo é que, quando Pequim anunciar uma moeda digital apoiada pelo ouro, isto será como o dólar americano ser atingido por um raio.

Neste novo quadro, as nações não precisarão de exportar mais para a China do que importam para terem suficientes yuan para o comércio. E Pequim não terá de continuar a imprimir o yuan electronicamente – e artificialmente, como no caso do dólar americano – para cumprir exigências comerciais.

O yuan digital será efectivamente apoiado pela enorme quantidade de bens e serviços Made in China – e não por um Império transoceânico de 800 Bases Militares. E o valor do yuan digital será decidido pelo mercado – como acontece com o bitcoin.

Todo este processo já se arrasta há anos, parte das discussões sérias iniciadas já no final dos anos 2000 no âmbito das cimeiras BRICS, especialmente pela Rússia e pela China – a principal parceria estratégica no âmbito dos BRICS.

Considerando múltiplas estratégias para contornar progressivamente o dólar americano, a começar pelo comércio bilateral nas suas próprias divisas, a Rússia e a China, por exemplo, três anos atrás criaram um Fundo de Cooperação Rússia-China RMB.

A estratégia de Pequim é cuidadosamente calibrada, a jogar a longo prazo. Para além da acumulação metódica de ouro em grandes quantidades (tal como a Rússia) nos últimos sete anos, Pequim tem estado a fazer campanha para uma utilização mais vasta dos DES, assegurando ao mesmo tempo que não posiciona o yuan como um competidor estratégico.

Mas agora o ambiente pós-confinamento planetário está a perfilar-se como o ideal para Pequim dar um passo em frente. Mesmo antes do início da crise do Covid-19, o sentimento predominante entre a liderança era que a China está sob um ataque de espectro amplo por parte do Governo dos Estados Unidos. A Guerra Híbrida, que já está a atingir o auge, implica que as relações bilaterais só poderão piorar, não melhorar.

Assim, quando temos a maior economia mundial tanto em termos de PPC como de taxa de câmbio; ainda a mais forte grande economia em crescimento, excepto no primeiro semestre de 2020; produtiva, inovadora, eficiente e em vias de alcançar um nível tecnológico mais elevado com o programa Made in China 2025; e ainda capaz de vencer em tempo recorde a "guerra popular" contra o Covid-10, todos os elementos necessários parecem estar reunidos.

Mas depois, há o soft power. Pequim precisa de ter o Sul Global do seu lado. O Governo dos Estados Unidos sabe disso muito bem; não é de admirar que a histeria actual se limite a demonizar a China como "culpada" de todas as acusações – não provadas – de fomentar e mentir acerca do Covid-19.

Uma "obstrução à chegada

Uma vantagem fundamental de um yuan digital soberano é que Pequim não precisa de flutuar um yuan em papel – que, a propósito, está a ser posto de lado por toda a China, uma vez que praticamente toda a gente está a mudar para o pagamento electrónico.

O yuan digital, utilizando a tecnologia do blockchain, flutuará automaticamente – contornando assim o casino financeiro global controlado pelos EUA.

O montante de divisa digital soberana é fixado. Isso por si só elimina uma praga: a flexibilização quantitativa (quantitative easing, QE), como no dinheiro despejado de helicópteros. E isso deixa a divisa digital soberana como o meio preferido para o comércio, com as transferências de divisas sem entraves geográficos e, a cereja no bolo, sem que os bancos cobrem taxas ultrajantes como intermediários.

É claro que haverá oposição. Tal como na incessante demonização da China neo-Orwelliana por se desviar de toda a finalidade dos bitcoin e criptodivisas – a qual é ficar livre de uma estrutura centralizada através de uma propriedade descentralizada. Haverá uivos de horror no PBOC potencialmente capaz de confiscar fundos digitais de qualquer um ou fechar uma carteira se o proprietário desagradar ao PCC.

A China está a tratar disso, mas os EUA, o Reino Unido, a Rússia e a Índia também estão a caminho de lançar as suas próprias criptodivisas. Por razões óbvias, o Banco de Pagamentos Internacionais (BPI), o Banco Central dos Bancos Centrais, está bem ciente de que o futuro é agora . A sua investigação junto a mais de 50 Bancos Centrais é inequívoca: estamos a enfrentar uma "obstrução à chegada". Mas quem irá receber o Grande Prémio?

05/Maio/2020

[*] Jornalista, autor de Empire of Chaos

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

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