Organização Médicos Sem
Fronteiras alerta para a falta de acompanhamento e explicações sobre as medidas
adotadas pelas autoridades guineenses para combater a propagação do vírus. Já
foram diagnosticados quase mil casos.
Em entrevista à DW África nesta
segunda-feira (18.05), a chefe da missão dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) na
Guiné-Bissau, Mónica Negrete, relata que a situação é "dramática” em
Bissau, com uma tendência ascendente da contaminação, apesar das medidas adotadas
pelas autoridades.
O número de infeções provocadas
pela Covid-19 na Guiné-Bissau aumentou este domingo (17.05) para 990 e o número
de vítimas mortais manteve-se em quatro, segundo o Centro de Operações de
Emergência de Saúde (COES) guineense. Nas últimas 24 horas foram confirmados
mais 21 novos casos por infeção com Covid-19. O número de recuperados mantém-se
nos 26.
No âmbito do combate à pandemia,
o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, decretou o estado de emergência
até 26 de maio e o recolher obrigatório entre as 20:00 e as 06:00 no país. Além
dessas medidas, as pessoas só podem circular entre as 07:00 e as 14:00 locais.
"O envolvimento da
comunidade é fundamental: a população precisa de compreender os riscos
associados à Covid-19 e quais as medidas apropriadas a tomar para mitigar a
propagação da doença", diz a responsável da organização MSF.
Mónica Negrete pede também
proteção do pessoal de saúde, ativação o mais rapidamente possível do plano de
contingência e a preparação de uma estrutural sanitária capaz de dar respostas
adequadas. Salienta ainda que há um "vasto número de profissionais médicos
do Hospital Nacional Simão Mendes" que contraíram a infeção e estão em
quarenta, "impossibilitados de trabalhar".
DW África: Qual é o ponto da
situação na capital guineense?
Monica Negrete (MN): Em
Bissau, capital da Guiné-Bissau, a situação da Covid-19 é já alarmante em
relação ao número de casos. Está já confirmado que 990 pessoas estão
infetadas pelo vírus. Realmente esse aumento tem sido dramático nas últimas
duas semanas. Até 30 de abril tínhamos confirmados apenas 54 casos positivos, o
que confirma que estamos, de facto, numa tendência ascendente da contaminação,
apesar das medidas adotadas pelas autoridades. Os Médicos Sem Fronteiras estão
a apelar para que todas as entidades envolvidas na resposta à pandemia
redobrem esforços, a todos os níveis de resposta, principalmente, dar
prioridade à proteção dos profissionais de saúde e preparação das
estruturas sanitárias do país. Os profissionais que estão na linha da frente
precisam de equipamentos de proteção para evitar infeções e as autoridades
também devem ativar plano de contingência em cada estrutura sanitária, em todas
as regiões da Guiné-Bissau, o que inclui a criação de zonas de isolamento
e garantir a capacidade de gestão básica.
DW África: Mas essa situação que
diz ser alarmante é em todo país ou apenas em Bissau?
MN: A maioria dos casos,
sobretudo esta última subida dramática, acontece na cidade de Bissau. Em
relação ao número de chamadas de alertas que recebemos através da central
telefónica, a maioria é também de Bissau. Algumas outras regiões também estão
infetadas, mas posso dizer com toda a certeza que é a capital que está a levar
a carga maior.
DW África: Relativamente ao
número de mortes pela doença, a MSF pensa que pode ser mais do que foi
oficialmente anunciado?
MN: Oficialmente são
reportadas quatro mortes até agora, mas começam a ser identificados outros
falecimentos nas comunidades. Assim como os números estão a crescer, é possível
que algumas mortes ainda não tenham sido registadas ou reportadas como
resultado da Covid-19. É algo que as autoridades devem dar muita atenção nos
próximos dias.
DW África: Hospitais e médicos
que estão na linha da frente têm condições para enfrentar a doença?
MN: A capacidade e a criação
das condições mínimas para enfrentar a Covid-19 ainda não estão asseguradas na
Guiné-Bissau. É preciso ativar o plano de contingência nas estruturas de saúde
e assegurar a capacidade mínima para a gestão básica de casos, como por
exemplo, ter oxigénio, reforçar medidas de prevenção e controlo das
infeções nos espaços de isolamento e é necessário um esforço maior e mais
rápido para atender o número de pacientes que procuram os centros de saúde. O
laboratório enfrenta um grande desafio para responder ao crescente número de
amostras que recebe diariamente. É preciso dar prioridade para reforçar o
trabalho em curso no laboratório.
DW África: Ou seja, não há materiais
de proteção suficientes para os profissionais de saúde?
MN: É uma pergunta difícil
de responder para as autoridades competentes, porque não só faltam
equipamentos, mas também é preciso implementar as medidas de prevenção e
controlo de infeções, que ainda não estão disponíveis em todos os espaços que
precisam. É preciso uma melhor avaliação e transparência em relação ao material
disponível para entender melhor a gravidade da situação.
DW África: Há muitos médicos e
enfermeiros infetados em Bissau?
MN: Uma das grandes
dificuldades é ter dados concretos sobre a situação no terreno. É um facto
muito preocupante. Neste momento, conhecemos 43 casos de pessoal de saúde, mas
o número total e situação do pessoal da saúde contaminada ainda está a ser
avaliada pelas autoridades. A maioria dos casos foram diagnosticados no hospital
de referência do país, o Hospital Nacional Simões Mendes, onde estamos a
trabalhar. É difícil dizer quanto desses profissionais continuam ainda em
quarentena e quantos casos que ainda não foram reportados às autoridades para
ter um registo, o que é urgente e necessário.
DW África: As medidas decretadas
pelas autoridades estão a ter efeitos positivos?
MN: Em geral, o que falta é
a estratégia para envolver mais a comunidade. Algumas medidas criam frustração
a nível das comunidades. Falta também um acompanhamento e explicações de
porque é que aquelas medidas foram tomadas. Isto não só a nível da
limitação de circulação ou a nível do comércio. Um exemplo muito concreto é o
uso correto das máscaras, agora que são obrigatórias. Tudo isto deveria estar acompanhado
de orientações sobre como usar corretamente a máscara, como lavar as mãos, a
parte de higiene respiratória e a manutenção da própria máscara. São aspetos
necessários, com também é preciso combater a estigma sobre a doença na
sociedade. A população não acredita na existência da doença, há uma falta de
conhecimento sobre a Covid-19. O elevado nível de estigma e a importante falta
de conhecimento sobre a doença por parte da população tornam a situação ainda
mais grave e complica a possibilidade de conter a propagação da epidemia. É
preciso engajar a comunidade através dos líderes comunitários, líderes
religiosos e é muito urgente fazer um trabalho de base. As agências
internacionais, o sistema da ONU e outras entidades locais envolvidas na
resposta à Covid-19 têm de redobrar os seus esforços com urgência, uma vez que
ainda permanecem um grande número de necessidades que não estão cobertas. A
gravidade dos números de hoje requer liderança e determinação ao mais alto
nível. As medidas adotadas não devem erguer barreiras no acesso a
serviços essenciais de cuidados de saúde aos mais vulneráveis. A assistência
humanitária tem de ser assegurada, principalmente garantindo a capacidade de
deslocação dos profissionais humanitários de saúde nacionais e internacionais.
DW África: Neste sentido, que
ajuda os Médicos Sem Fronteiras estão a prestar às entidades sanitárias e às
autoridades políticas?
MN: Enquanto organização,
nós, Médicos Sem Fronteiras, estamos a participar no Centro de Operação de
Emergência da Saúde (COES), desde fevereiro, onde as decisões e concretização
da resposta na emergência de saúde são debatidas e coordenadas entre as
autoridades governamentais e as várias entidades internacionais presentes no
país. Temos fornecido assistência técnica, mas sobretudo apoiamos
iniciativas das autoridades governamentais, bem como dos parceiros
internacionais. Estamos há vários anos a apoiar a pediatria do Hospital
Nacional Simão Mendes, o que permitiu ativar desde início da doença as medidas
de prevenção, de proteção dos profissionais de saúde e também do circuito de triagem
para os pacientes. Atualmente disponibilizamos mais de 40 postos de
fornecimento de água, para facilitar a higiene das pessoas. A MSF está também a
dar apoio ao centro de atendimento telefónico COVID-19, o qual responde 24
horas por dia a telefonemas da população, e tem duas equipas móveis que se
deslocam diariamente às comunidades para proceder ao rastreamento de contactos
e monitorização de casos suspeitos. Ainda damos um apoio adicional no terreno
com duas equipas de resposta rápida e contamos com mais de 30 promotores de
saúde nas comunidades. Ao longo da última semana, tem sido dado também apoio no
registo e organização de dados ao departamento de epidemiologia e ao
laboratório nacional.
Braima Darame | Deutsche Welle
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