terça-feira, 19 de maio de 2020

Covid-19: Médicos Sem Fronteiras relatam "situação dramática" na Guiné-Bissau


Organização Médicos Sem Fronteiras alerta para a falta de acompanhamento e explicações sobre as medidas adotadas pelas autoridades guineenses para combater a propagação do vírus. Já foram diagnosticados quase mil casos.

Em entrevista à DW África nesta segunda-feira (18.05), a chefe da missão dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Guiné-Bissau, Mónica Negrete, relata que a situação é "dramática” em Bissau, com uma tendência ascendente da contaminação, apesar das medidas adotadas pelas autoridades.

O número de infeções provocadas pela Covid-19 na Guiné-Bissau aumentou este domingo (17.05) para 990 e o número de vítimas mortais manteve-se em quatro, segundo o Centro de Operações de Emergência de Saúde (COES) guineense. Nas últimas 24 horas foram confirmados mais 21 novos casos por infeção com Covid-19. O número de recuperados mantém-se nos 26.

No âmbito do combate à pandemia, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, decretou o estado de emergência até 26 de maio e o recolher obrigatório entre as 20:00 e as 06:00 no país. Além dessas medidas, as pessoas só podem circular entre as 07:00 e as 14:00 locais.

"O envolvimento da comunidade é fundamental: a população precisa de compreender os riscos associados à Covid-19 e quais as medidas apropriadas a tomar para mitigar a propagação da doença", diz a responsável da organização MSF.


Mónica Negrete pede também proteção do pessoal de saúde, ativação o mais rapidamente possível do plano de contingência e a preparação de uma estrutural sanitária capaz de dar respostas adequadas. Salienta ainda que há um "vasto número de profissionais médicos do Hospital Nacional Simão Mendes" que contraíram a infeção e estão em quarenta, "impossibilitados de trabalhar".

DW África: Qual é o ponto da situação na capital guineense?

Monica Negrete (MN): Em Bissau, capital da Guiné-Bissau, a situação da Covid-19 é já alarmante em relação ao número de casos. Está já confirmado que 990 pessoas estão infetadas pelo vírus. Realmente esse aumento tem sido dramático nas últimas duas semanas. Até 30 de abril tínhamos confirmados apenas 54 casos positivos, o que confirma que estamos, de facto, numa tendência ascendente da contaminação, apesar das medidas adotadas pelas autoridades. Os Médicos Sem Fronteiras estão a apelar para que todas as entidades envolvidas na resposta à pandemia redobrem esforços, a todos os níveis de resposta, principalmente, dar prioridade à proteção dos profissionais de saúde e preparação das estruturas sanitárias do país. Os profissionais que estão na linha da frente precisam de equipamentos de proteção para evitar infeções e as autoridades também devem ativar plano de contingência em cada estrutura sanitária, em todas as regiões da Guiné-Bissau, o que inclui a criação de zonas de isolamento e garantir a capacidade de gestão básica.

DW África: Mas essa situação que diz ser alarmante é em todo país ou apenas em Bissau? 

MN: A maioria dos casos, sobretudo esta última subida dramática, acontece na cidade de Bissau. Em relação ao número de chamadas de alertas que recebemos através da central telefónica, a maioria é também de Bissau. Algumas outras regiões também estão infetadas, mas posso dizer com toda a certeza que é a capital que está a levar a carga maior.

DW África: Relativamente ao número de mortes pela doença, a MSF pensa que pode ser mais do que foi oficialmente anunciado?

MN: Oficialmente são reportadas quatro mortes até agora, mas começam a ser identificados outros falecimentos nas comunidades. Assim como os números estão a crescer, é possível que algumas mortes ainda não tenham sido registadas ou reportadas como resultado da Covid-19. É algo que as autoridades devem dar muita atenção nos próximos dias.

DW África: Hospitais e médicos que estão na linha da frente têm condições para enfrentar a doença?

MN: A capacidade e a criação das condições mínimas para enfrentar a Covid-19 ainda não estão asseguradas na Guiné-Bissau. É preciso ativar o plano de contingência nas estruturas de saúde e assegurar a capacidade mínima para a gestão básica de casos, como por exemplo, ter oxigénio, reforçar medidas de prevenção e controlo das infeções nos espaços de isolamento e é necessário um esforço maior e mais rápido para atender o número de pacientes que procuram os centros de saúde. O laboratório enfrenta um grande desafio para responder ao crescente número de amostras que recebe diariamente. É preciso dar prioridade para reforçar o trabalho em curso no laboratório. 

DW África: Ou seja, não há materiais de proteção suficientes para os profissionais de saúde?

MN: É uma pergunta difícil de responder para as autoridades competentes, porque não só faltam equipamentos, mas também é preciso implementar as medidas de prevenção e controlo de infeções, que ainda não estão disponíveis em todos os espaços que precisam. É preciso uma melhor avaliação e transparência em relação ao material disponível para entender melhor a gravidade da situação.

DW África: Há muitos médicos e enfermeiros infetados em Bissau?

MN: Uma das grandes dificuldades é ter dados concretos sobre a situação no terreno. É um facto muito preocupante. Neste momento, conhecemos 43 casos de pessoal de saúde, mas o número total e situação do pessoal da saúde contaminada ainda está a ser avaliada pelas autoridades. A maioria dos casos foram diagnosticados no hospital de referência do país, o Hospital Nacional Simões Mendes, onde estamos a trabalhar. É difícil dizer quanto desses profissionais continuam ainda em quarentena e quantos casos que ainda não foram reportados às autoridades para ter um registo, o que é urgente e necessário. 

DW África: As medidas decretadas pelas autoridades estão a ter efeitos positivos?

MN: Em geral, o que falta é a estratégia para envolver mais a comunidade. Algumas medidas criam frustração a nível das comunidades. Falta também um acompanhamento e explicações de porque é que aquelas medidas foram tomadas. Isto não só a nível da limitação de circulação ou a nível do comércio. Um exemplo muito concreto é o uso correto das máscaras, agora que são obrigatórias. Tudo isto deveria estar acompanhado de orientações sobre como usar corretamente a máscara, como lavar as mãos, a parte de higiene respiratória e a manutenção da própria máscara. São aspetos necessários, com também é preciso combater a estigma sobre a doença na sociedade. A população não acredita na existência da doença, há uma falta de conhecimento sobre a Covid-19. O elevado nível de estigma e a importante falta de conhecimento sobre a doença por parte da população tornam a situação ainda mais grave e complica a possibilidade de conter a propagação da epidemia. É preciso engajar a comunidade através dos líderes comunitários, líderes religiosos e é muito urgente fazer um trabalho de base. As agências internacionais, o sistema da ONU e outras entidades locais envolvidas na resposta à Covid-19 têm de redobrar os seus esforços com urgência, uma vez que ainda permanecem um grande número de necessidades que não estão cobertas. A gravidade dos números de hoje requer liderança e determinação ao mais alto nível. As medidas adotadas não devem erguer barreiras no acesso a serviços essenciais de cuidados de saúde aos mais vulneráveis. A assistência humanitária tem de ser assegurada, principalmente garantindo a capacidade de deslocação dos profissionais humanitários de saúde nacionais e internacionais.

DW África: Neste sentido, que ajuda os Médicos Sem Fronteiras estão a prestar às entidades sanitárias e às autoridades políticas? 

MN: Enquanto organização, nós, Médicos Sem Fronteiras, estamos a participar no Centro de Operação de Emergência da Saúde (COES), desde fevereiro, onde as decisões e concretização da resposta na emergência de saúde são debatidas e coordenadas entre as autoridades governamentais e as várias entidades internacionais presentes no país. Temos fornecido assistência técnica, mas sobretudo apoiamos iniciativas das autoridades governamentais, bem como dos parceiros internacionais. Estamos há vários anos a apoiar a pediatria do Hospital Nacional Simão Mendes, o que permitiu ativar desde início da doença as medidas de prevenção, de proteção dos profissionais de saúde e também do circuito de triagem para os pacientes. Atualmente disponibilizamos mais de 40 postos de fornecimento de água, para facilitar a higiene das pessoas. A MSF está também a dar apoio ao centro de atendimento telefónico COVID-19, o qual responde 24 horas por dia a telefonemas da população, e tem duas equipas móveis que se deslocam diariamente às comunidades para proceder ao rastreamento de contactos e monitorização de casos suspeitos. Ainda damos um apoio adicional no terreno com duas equipas de resposta rápida e contamos com mais de 30 promotores de saúde nas comunidades. Ao longo da última semana, tem sido dado também apoio no registo e organização de dados ao departamento de epidemiologia e ao laboratório nacional.

Braima Darame | Deutsche Welle

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