terça-feira, 19 de maio de 2020

Portugal | As perguntas de 850 milhões que ainda não têm resposta


Anselmo Crespo | TSF | opinião

Por mais animada que tenha sido a semana - a política fez o desconfinamento todo de uma vez -, o que se passou com a transferência dos 850 milhões de euros para o Novo Banco não dignificou ninguém: nem o Governo, nem a oposição, nem a Presidência da República e muito menos o setor financeiro.

Vale a pena um pequeno exercício de memória para lembrar que, há dois meses, Marcelo Rebelo de Sousa chamou Centeno a Belém para lhe pedir que não abandonasse o posto, num momento tão difícil do país. Ou que Rui Rio, há um ano, afirmava desassombrado na TSF que Mário Centeno podia perfeitamente ser seu ministro das Finanças e agora vem pedir a sua demissão. Isto já para não falar das loas que António Costa teceu ao seu CR7 do Eurogrupo, usado como bandeira eleitoral do PS nas Legislativas de outubro passado.

E quanto à substância deste caso, a verdade é que nem os pedidos de desculpa, nem as falhas de comunicação e muito menos as manobras de diversão ou os pedidos de demissão conseguiram disfarçar a questão mais importante em toda esta polémica: como é que um primeiro-ministro faz depender novas injeções no Novo Banco de uma auditoria que ainda está a ser feita e acaba desautorizado pelo ministro das Finanças? Pior: como é que o primeiro-ministro se compromete, por três vezes, com esta decisão - que levaria à quebra de um contrato assinado pelo Estado -, sem que o ministro das Finanças o alerte para o que está em causa?

Nenhuma das explicações que ouvimos esta semana responde a estas perguntas. Na substância, Mário Centeno tem razão: o Estado, sendo uma pessoa de bem, tem de cumprir os contratos que assina. O inverso significaria uma quebra de confiança, com impacto internacional, e uma mais que provável derrota em tribunal. Mas um primeiro-ministro não sabe isto?

Mário Centeno explicou na TSF que se tratou de uma falha de comunicação e que as contas do Novo Banco foram auditadas, deixando subentendido que o primeiro-ministro teria confundido as auditorias. O que é completamente impossível, já que das três vezes que António Costa falou sobre isto - em dois debates quinzenais e numa entrevista ao Expresso -, referiu-se sempre à auditoria que só estaria pronta em julho. O primeiro-ministro não sabia que havia um pagamento de 850 milhões de euros que teria de ser feito em maio, sob pena de quebra de contrato?

Mário Centeno diz ainda que não fez nada à revelia do primeiro-ministro. O que torna tudo politicamente mais delicado. Sobretudo quando o Presidente da República vem colocar-se ao lado do primeiro-ministro. Porque isso só pode significar uma de duas coisas: ou alguém está a mentir ou, no mínimo, não nos estão a dizer a verdade toda.

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