terça-feira, 11 de agosto de 2020

Abandonados pelos Golias da agora idade ativa, pelo "sistema"


Editora de sociedade, Joana Pereira Bastos, no Expresso Curto, traz-nos a realidade do abandono a que são votados os mais idosos em Portugal. Tal abandono é evidente e é algo intrínseco, repensadamente causado pela elite minoritária que põe e dispõe no país. O mal do abandono e alheamento, dos maus tratos psicológicos e físicos e o desprezo que vitima os idosos é quase geral. Não é só nos lares para idosos que tal acontece.

Os mais novos consideram, quase na generalidade, que os idosos não sabem nada, que são uns empatas, que andam a pesar no orçamento com as suas doenças e pensões/reformas. Esquecendo que esses mesmos velhos, quando jovens e/ou em idade ativa, fizeram com que este país avançasse para ser hoje mais justo para eles e para os mais novos. Se acaso o país para esses jovens de agora não presta deve-se a eles, porque deixam os governantes, os das elites económicas e financeiras, o patronato, tratá-los como mercadoria descartável. Sim, porque são eles, esses Golias da agora idade ativa, que se estão a borrifar para a sindicalização, a organização em defesa dos direitos dos trabalhadores e da sociedade, o não cumprimento de direitos constitucionais (borrifam-se para a Constituição, nem a conhecem), assim como serem os campeões da abstenção eleitoral. Para além de imensos votarem à direita, no neoliberalismo que os vitima e mantém os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais e mais pobres – impedindo a distribuição justa da riqueza produzida.

O conceito de que a política é só para os políticos é errado. Mas é o que vasta maioria da população ativa (explorada selvaticamente) diz e pratica. Sim, por isso têm (temos) o país que cada vez mais ruma à direita, à exploração, ao abandono de direitos humanos inalienáveis, sem uma democracia real e não nesta fantochada de democracia em que sobrevivemos.

Os velhos valem e já valeram muito mais quando eram jovens e/ou na idade ativa. Os jovens, agora, também valem como antes esses agora idosos. Resta a essas classes etárias juntarem forças, experiências e sabedorias, em vez de assistirmos ao abandono dos mais idosos e à ignorância sobre a vida que naturalmente caracteriza a juventude, e que as vitima no desprezo da sua força produtiva que na maioria dos casos não é justamente reconhecida nem justamente remunerada.

No quadro atual, afinal, o abandono não cabe só aos velhos. Outros tipos de abandono também afetam os mais jovens. Injustiça tantas vezes mitigada por pais e avós (os empatas porque sabem, conhecem, são vitimas, da dureza e injustiça da vida na atual sociedade, causada por criminosos de colarinho branco, políticos, banqueiros, gestores e outros mais que são catapultados para as elites… porque um mal nunca vem só e hoje aos roubos dessas elites chama-se lucros...

Seguindo adiante… Neste Curto de hoje ficámos perdidos e demasiado escrevinhadores. De tudo o afirmado não temos cem por cento a certeza, mas é o que agora sentimos, vimos e pensamos. Certeza temos uma: os agora jovens também vão ser velhos – esperemos que não tão abandonados. Outra: se quando jovens e na idade ativa não aproveitarem o potencial que possuem, se não lutarem pelo coletivo, pelos direitos, liberdades e garantias, por uma democracia real, de facto, estão tramados. E quanto mais velhos mais tramados serão.

Bom dia, queridos e inconscientes abandonados.

O Curto a seguir.

FS | PG



Bom dia, este é o seu Expresso Curto

O vírus do abandono

Joana Pereira Bastos | Expresso

Bom dia,

As mortes por covid em Portugal têm sido pouco mais do que um número. Não têm nome, não têm rosto e, tirando a região e o intervalo etário, quase nada se sabe sobre quem eram ou as circunstâncias em que partiram. Mas das 1579 vítimas registadas até ontem há, no entanto, 16 que agora sabemos como morreram. E não foi do vírus. Foi de abandono. No lar de Reguengos de Monsaraz, onde um surto iniciado em junho contagiou 80 idosos e 26 profissionais, não tiveram quem lhes desse os medicamentos ou sequer quem lhes matasse a sede. A maioria morreu de desidratação e por descompensação das doenças crónicas de que já sofriam, segundo as conclusões do inquérito conduzido pela Ordem dos Médicos (OM).

O relatório, divulgado sexta-feira, mostra que falhou quase tudo. O lar não tinha condições para cumprir as orientações mais básicas da Direção-Geral da Saúde (DGS), como o isolamento dos infetados ou o distanciamento dos casos suspeitos, o que fez disseminar o vírus como fogo num palheiro. Muitos funcionários, que já antes eram poucos, foram contagiados e mandados para casa, sem haver quem os substituísse. Em consequência, "vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse". Mais: "deixaram de ter alguém com tempo para lhes dar água e alimentar", denunciou este fim de semana em entrevista ao Expresso a coordenadora da comissão de inquérito da OM.

Totalmente dependentes, frágeis e doentes, foram mantidos em "circunstâncias penosas". Duas semanas depois do início do surto, e numa altura em que já havia oito mortes, os idosos infetados foram transferidos para um pavilhão, "que não tinha condições para ser sequer um hospital de campanha". A auditoria da Ordem culpa não apenas os responsáveis do lar, gerido por uma fundação a cujo conselho de administração pertence o presidente da câmara, mas também a autoridade de saúde e a Administração Regional de Saúde do Alentejo. Em última análise, a própria DGS, a quem o bastonário apela a que "controle mais de perto estas situações que envolvem lares".

O caso, que devia envergonhar o país, está agora a ser investigado pelo Ministério Público. Apesar da extrema gravidade do que aconteceu, poucas foram as vozes que se ouviram. "[Os idosos] Morreram porque foram abandonados à sua sorte. O que se seguiu? Gritos histéricos nas redes sociais? Não. Gritos histéricos dos partidos da oposição? Não. Palavras de conforto de Marcelo Rebelo de Sousa? Não. Mensagem grave, em direto para o telejornal das 20h, da Ministra da Saúde, da diretora-geral da Saúde ou da ministra do Trabalho e da Segurança Social? Não. Admito que me possa ter falhado alguma notícia, mas de facto não assisti a nenhuma comoção nacional", espantou-se ontem no Expresso Luís Aguiar-Conraria.

Cerca de 40% das mortes por covid em Portugal aconteceram nos lares. Numa carta enviada ontem ao primeiro-ministro, o Sindicato Independente dos Médicos classifica de "criminosa" a inação do Estado relativamente a estas estruturas, considerando que faltam planos de contingência e "não existem orientações nem regras claras" quanto aos procedimentos de atuação em caso de surtos. "Acima de tudo, como é que foi possível o Estado Português, através do ministério que tutela lares, não exercer a sua função fiscalizadora"?, questionam os médicos.

O que aconteceu em Reguengos de Monsaraz é "um filme de terror", que configura "um retrato brutal do falhanço do Estado português, do desinteresse pelos mais fracos, da cobardia dos responsáveis locais, da incúria dos responsáveis nacionais", resume João Miguel Tavares.

Na habitual conferência de imprensa onde diariamente são comunicados os óbitos, o secretário de Estado da Saúde informou ontem que há neste momento surtos ativos em 72 lares, com um total de 545 idosos infetados. Quantos desses lares serão como o de Reguengos de Monsaraz? E quantas outras mortes já não terão sido - ou serão ainda - provocadas pelo vírus do abandono?

OUTRAS NOTÍCIAS

Cá dentro

Marcelo vetou ontem a redução dos debates no Parlamento sobre temas europeus. Para o Presidente, a diminuição para apenas dois debates por ano "não se afigura feliz" e "fazê-lo quatro meses antes do começo da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia é escolher o pior momento, aquele em que se esperaria maior e não menor importância da perceção pública do caráter nuclear do envolvimento nacional na União Europeia". A lei que fez diminuir os debates sobre temas europeus foi aprovada ao mesmo tempo que o polémico fim dos debates quinzenais. Mas sobre esses Marcelo não se quis pronunciar.

Rui Pinto corre "perigo de vida". O alegado pirata informático que denunciou os casos "Football Leaks" e "Luanda Leaks" foi colocado num programa de proteção de testemunhas e está agora numa casa segura, num local mantido em segredo para garantir a sua segurança pessoal, depois de ter sido libertado este fim de semana das instalações da Polícia Judiciária, onde estava preso a aguardar julgamento pelos 90 crimes de que é acusado. A colaboração de Rui Pinto com a justiça é tida como "decisiva" em várias investigações em curso. “Pelos conhecimentos que detém neste momento, tem de ser protegido”, disse ao Expresso fonte judicial.

Em mais um negócio ruinoso, noticiado ontem pelo jornal Público, o Novo Banco vendeu a sua seguradora com um desconto de quase 70%, gerando perdas de 268 milhões de euros, que obrigaram a mais uma injeção de dinheiros públicos na instituição. Mas o valor não é o único problema. A seguradora foi comprada por uma sociedade com ligação a um multimilionário condenado pela justiça norte-americana por corrupção e fraude fiscal. O supervisor dos seguros, que deu luz verde à venda, assegura agora que esse não foi, na verdade, o comprador final da companhia. Certo é que os últimos negócios conhecidos do antigo BES têm todos uma coisa em comum: os compradores são sempre grandes fundos, dos quais quase nada se conhece e que não estão sujeitos a qualquer supervisão em Portugal, e o preço nunca foi favorável ao banco.

Lá fora

O Governo do Líbano não resistiu à onda de indignação provocada pelas explosões de mais de 2700 quilos de nitrato de amónio que há uma semana destruíram grande parte da baixa da capital Beirute e demitiu-se ontem em bloco. Numa curta mensagem, o primeiro-ministro Hassan Diab atribuiu a culpa da tragédia, que trouxe ainda mais miséria ao país, à "corrupção endémica no Estado e na Administração" libanesas e afirmou que ia retirar-se do Executivo para se colocar "ao lado das pessoas na batalha pela mudança". "Deus proteja o Líbano", disse.

Na Bielorrúsia, conhecida como "a última ditadura na Europa", dezenas de pessoas foram detidas ontem, numa nova jornada de manifestações contra a polémica reeleição do Presidente Alexander Lukashenko, que se mantém no poder há 26 anos e que domingo foi reeleito para um sexto mandato, numas eleições marcadas por fortes suspeitas de irregularidades e que a oposição classifica de fraudulentas. A polícia utilizou balas de borracha, granadas de atordoamento e gás lacrimogéneo para dispersar a multidão e vários jornalistas, locais e estrangeiros, foram também presos. A candidata da oposição já deixou o país, refugiando-se na Lituânia.

Um tiroteio no exterior da Casa Branca obrigou ontem Donald Trump a interromper a conferência de impresa diária sobre a situação da covid nos EUA. O Presidente norte-americano foi escoltado para fora da sala por elementos dos serviços secretos. Testemunhas afirmam ter visto agentes secretos a correr pelo jardim da Casa Branca com armas em punho. O suspeito foi alvejado e não há registo de mais feridos.

FRASES

“A DGS não toma decisões políticas”,

António Lacerda Sales, secretário de Estado da Saúde, garantindo que qualquer decisão das autoridades de saúde sobre a festa do “Avante” será exclusivamente técnica e que há um "trabalho técnico exaustivo" que já começou a ser feito com o PCP para assegurar que se tomam "boas decisões" relativamente à realização da festa comunista e ao cumprimento de todas as regras sanitárias

"Percebo que errei. Nunca pretendi apoiar o Chega. Devia ter tido o discernimento para perceber que não era só mais um concerto para mais um partido e das implicações que esta atuação profissional iria desencadear",

Olavo Bilac, vocalista da banda Santos & Pecadores, sobre a sua atuação num jantar-comício do Chega


O QUE ANDO A LER

O Homem que Comia Tudo, de Ricardo Dias Felner

Antes de mais, uma declaração de interesses. O Ricardo é um grande amigo. Partilhamos a mesma paixão pela comida, uma paixão obsessiva, intensa e que nunca esmorece. Não somos foodies, somos stalkers de cozinhados.

Quem me conhece sabe que passo grande parte do dia a pensar na refeição seguinte. Nunca perco a oportunidade de provar um sabor novo e até hoje não há um prato de que não tenha gostado. O Ricardo consegue ir ainda mais longe: "Se vou em viagem de carro e passo por um boi, começo logo a imaginar os cortes: o lombo, o acém, as abas gordas. No Oceanário, toda a gente de volta dos tubarões e dos peixes coloridos e incomestíveis e a única coisa que me detém são as garoupas gordas, as douradas, os pargos".

Nos últimos anos, o Ricardo Dias Felner, que foi jornalista do Público e diretor da Time Out e que colabora regularmente com o Expresso, dedicou-se a escrever sobre comida. E fá-lo como ninguém. A escrita é deliciosa e o sentido de humor tão apurado como um bom refogado. E a isso junta ainda a mesma atenção, seriedade e rigor de uma grande investigação.

"A comida pode ser um caminho", escreve ele. E neste livro esse caminho leva-nos do gueto da Cova da Moura a uma aldeia escondida do Baixo Guadiana, passando por Paris, Washington ou Marraquexe. Viajamos da cantina de um templo hindu e dos bastidores de um chinês clandestino ao mais sofisticado restaurante do mundo. Aprendemos os mandamentos do bitoque, os segredos do pão perfeito e até a cozinhar tarântulas, grilos ou baratas. Subimos a bordo das traineiras da pesca à sardinha e embarcamos nas mais surpreendentes e originais aventuras culinárias. E sabe mesmo bem.

Por hoje é tudo. Bom apetite e boas leituras. Acompanhe toda a atualidade em expresso.pt.

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