quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Golpe de Estado no Mali: "Estávamos tão perto da solução"


Após o golpe militar contra o Presidente Ibrahim Boubacar Keita, mediadores internacionais dizem-se "desiludidos". Mas há também quem aponte uma intervenção "tardia e seletiva" da CEDEAO.

A calma regressou a Bamako, capital do Mali, ainda com as marcas da agitação provocada pelo golpe militar contra o Presidente Ibrahim Boubacar Keita, mas, na comunidade internacional, reina a preocupação. Países vizinhos, organizações, governos e instituições em todo o mundo observam os últimos acontecimentos e condenam de forma unânime a queda forçada do regime, temendo a escalada de violência no país.

Há meses que o Mali era palco de protestos violentos e tensões políticas que levaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) a intervir, em junho, para tentar resolver a crise – sem sucesso. A organização regional não demorou a condenar o golpe de Estado e deverá reunir-se na quinta-feira (20.08) por videoconferência para discutir a situação.


Está também previsto o envio de uma missão de alto nível ao país "com urgência, para tentar forçar o diálogo entre as partes, para ver que tipo de acordo pode ser possível nas condições no terreno", explicou o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, em declarações à Rádio de Cabo Verde.

No Twitter, a CEDEAO publicou um comunicado com esta e outras decisões perante a situação no Mali.

Para o ministro dos Negócios Estrangeiros do Níger, Kalla Ankourao, que integra a equipa de mediadores da CEDEAO, o sentimento é de "desilusão": "Durante dois meses tentámos mediar e esperávamos que o povo do Mali aderisse às diretrizes da CEDEAO sobre democracia e boa governação", afirma, em entrevista à DW. O chefe da diplomacia do Níger, que ocupa atualmente a presidência rotativa da comunidade, descreve o golpe militar como "uma brutal paragem nas negociações".

"Se queremos resolver problemas profundos de governação num país – e para alguns países isto significa um governo de unidade nacional, no qual cada cidadão pode contribuir – precisamos de tempo. Isso não pode ser resolvido num ou dois dias. Estávamos tão perto da solução", lamenta Kalla Ankourao.

Para o mediador da CEDEAO, a equipa já tinha feito vários avanços, depois de reconhecer "que existe um problema de governação para a oposição, em torno do movimento M5" e de analisar "exatamente" essa questão. "Descobrimos que havia realmente um problema com o Tribunal Constitucional – e este problema foi resolvido duma vez por todas [substituindo os juízes]. Havia um problema no Parlamento por causa dos resultados das eleições legislativas – e este problema está atualmente a ser investigado pelo novo Tribunal Constitucional", lembra.

"Regras não podem ser aplicadas de forma seletiva"

Também o presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, condenou o golpe de Estado no Mali, esta quarta-feira, em comunicado, destacando a importância de "a UA unir esforços com a CEDEAO, as Nações Unidas e a comunidade internacional para contrariar qualquer violência e acabar com a crise política no Mali".

A posição foi publicada também no Twitter.

A CEDEAO decidiu, entretanto, fechar as fronteiras terrestres e aéreas com o país e apelou à implementação de sanções contra "todos os golpistas, parceiros e colaboradores".  

Exigindo a libertação do Presidente e dos restantes membros do Governo maliano, a organização também suspendeu "com efeito imediato" o Mali dos seus órgãos de decisão "até ao restabelecimento efetivo da ordem constitucional".

"A CEDEAO intervém sempre muito tarde", critica o político da oposição do Níger, Mamane Sani Adamou, ouvido pela DW em Niamey. "Quando o regime falha, saqueia o erário público e restringe as liberdades, a CEDEAO nada diz. Mas, assim que as pessoas tomam as ruas para derrubar o regime, a CEDEAO acorda e remete para as regras da comunidade. Não se pode aplicar estas regras de forma seletiva, não se pode declarar um lado bom e o outro mau", frisa.

Em declarações à Rádio de Cabo Verde, esta quarta-feira, o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, reconheceu que "muitas vezes a CEDEAO tem de encontrar soluções que, à luz da observação de fora, parecem soluções pouco consentâneas com as regras do Estado de Direito", mas frisou que "são as soluções possíveis", de momento.

Críticas à parte, "é necessária uma solução rápida", diz Thomas Schiller, diretor da Fundação alemã Konrad Adenauer no Mali. "A situação de segurança no Mali e no Sahel já é muito crítica há anos", lembra, considerando que a crise em Bamako pode reforçar a instabilidade e a insegurança na região. "Teremos de esperar para ver como é que a comunidade internacional reage aos golpistas. O Mali não se pode permitir uma situação de eterna contestação política. Este tem sido o caso durante semanas com o movimento M5. Agora, com o golpe militar, é ainda pior".

* Eric Topona, Sandrine Blanchard e Salissou Boukari contribuíram para este artigo.

Maria João Pinto | Deutsche Welle

Sem comentários:

Mais lidas da semana