Após o golpe militar contra o
Presidente Ibrahim Boubacar Keita, mediadores internacionais dizem-se
"desiludidos". Mas há também quem aponte uma intervenção "tardia
e seletiva" da CEDEAO.
A calma regressou a Bamako,
capital do Mali, ainda com as marcas da agitação provocada pelo golpe militar
contra o Presidente Ibrahim Boubacar Keita, mas, na comunidade
internacional, reina a preocupação. Países vizinhos, organizações, governos e
instituições em todo o mundo observam os últimos acontecimentos e condenam de
forma unânime a queda forçada do regime, temendo a escalada de violência no
país.
Há meses que o Mali era palco de
protestos violentos e tensões políticas que levaram a Comunidade Económica dos
Estados da África Ocidental (CEDEAO) a intervir, em junho, para tentar resolver
a crise – sem sucesso. A organização regional não demorou a condenar o golpe de
Estado e deverá reunir-se na quinta-feira (20.08) por videoconferência para
discutir a situação.
Está também previsto o envio de
uma missão de alto nível ao país "com urgência, para tentar forçar o
diálogo entre as partes, para ver que tipo de acordo pode ser possível nas
condições no terreno", explicou o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos
Fonseca, em declarações à Rádio de Cabo Verde.
No Twitter, a CEDEAO publicou um
comunicado com esta e outras decisões perante a situação no Mali.
Para o ministro dos Negócios
Estrangeiros do Níger, Kalla Ankourao, que integra a equipa de mediadores da
CEDEAO, o sentimento é de "desilusão": "Durante dois meses
tentámos mediar e esperávamos que o povo do Mali aderisse às diretrizes da
CEDEAO sobre democracia e boa governação", afirma, em entrevista à DW. O
chefe da diplomacia do Níger, que ocupa atualmente a presidência rotativa da
comunidade, descreve o golpe
militar como "uma brutal paragem nas negociações".
"Se queremos resolver
problemas profundos de governação num país – e para alguns países isto
significa um governo de unidade nacional, no qual cada cidadão pode contribuir
– precisamos de tempo. Isso não pode ser resolvido num ou dois dias. Estávamos
tão perto da solução", lamenta Kalla Ankourao.
Para o mediador da CEDEAO, a
equipa já tinha feito vários avanços, depois de reconhecer "que existe um
problema de governação para a oposição, em torno do movimento M5" e
de analisar "exatamente" essa questão. "Descobrimos que
havia realmente um problema com o Tribunal Constitucional – e este problema foi
resolvido duma vez por todas [substituindo os juízes]. Havia um problema no Parlamento
por causa dos resultados das eleições legislativas – e este problema está
atualmente a ser investigado pelo novo Tribunal Constitucional",
lembra.
"Regras não podem ser
aplicadas de forma seletiva"
Também o presidente da Comissão
da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, condenou o golpe de Estado no
Mali, esta quarta-feira, em comunicado, destacando a importância de "a UA
unir esforços com a CEDEAO, as Nações Unidas e a comunidade internacional para
contrariar qualquer violência e acabar com a crise política no Mali".
A posição foi publicada também no
Twitter.
A CEDEAO decidiu, entretanto,
fechar as fronteiras terrestres e aéreas com o país e apelou à implementação de
sanções contra "todos os golpistas, parceiros e
colaboradores".
Exigindo a libertação do
Presidente e dos restantes membros do Governo maliano, a organização
também suspendeu "com efeito imediato" o Mali dos seus órgãos de
decisão "até ao restabelecimento efetivo da ordem constitucional".
"A CEDEAO intervém sempre
muito tarde", critica o político da oposição do Níger, Mamane Sani Adamou,
ouvido pela DW em Niamey. "Quando o regime falha, saqueia o erário público
e restringe as liberdades, a CEDEAO nada diz. Mas, assim que as pessoas tomam
as ruas para derrubar o regime, a CEDEAO acorda e remete para as regras da
comunidade. Não se pode aplicar estas regras de forma seletiva, não se pode
declarar um lado bom e o outro mau", frisa.
Em declarações à Rádio de Cabo
Verde, esta quarta-feira, o Presidente cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca,
reconheceu que "muitas vezes a CEDEAO tem de encontrar soluções que, à luz
da observação de fora, parecem soluções pouco consentâneas com as regras do
Estado de Direito", mas frisou que "são as soluções possíveis",
de momento.
Críticas à parte, "é
necessária uma solução rápida", diz Thomas Schiller, diretor da Fundação
alemã Konrad Adenauer no Mali. "A situação de segurança no Mali e no Sahel
já é muito crítica há anos", lembra, considerando que a crise em Bamako
pode reforçar a instabilidade e a insegurança na região. "Teremos de
esperar para ver como é que a comunidade internacional reage aos golpistas. O
Mali não se pode permitir uma situação de eterna contestação política. Este tem
sido o caso durante semanas com o movimento M5. Agora, com o golpe militar, é
ainda pior".
* Eric Topona, Sandrine Blanchard e
Salissou Boukari contribuíram para este artigo.
Maria João Pinto | Deutsche Welle
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