Cabe aos governantes definirem
uma estratégia segura de resposta à situação, pautada por princípios de
equidade e justiça social.
Duarte Caldeira* | AbrilAbril |
opinião
São múltiplas as consequências já
identificadas da pandemia da Covid-19, nos mais diversos domínios da nossa
vida coletiva, em especial as de natureza económica e social.
Desemprego para muitos milhares
de trabalhadores, encerramento de centenas de pequenas e médias empresas,
acentuação das desigualdades territoriais, com particular agravamento das
condições de vida das populações do Interior, são algumas das muitas maleitas
que a pandemia gerou, para além das vítimas mortais que a doença já ceifou.
Neste contexto, cabe aos
governantes definirem uma estratégia segura de resposta à situação, pautada por
princípios de equidade e justiça social, materializados na adoção de políticas
que potenciem a recuperação do tecido económico, salvaguardem os postos de trabalho,
promovam a produção nacional e apostem no investimento público. Para completar
este quadro, importa também que o Governo se liberte das tutelas
constitucionalmente ilegítimas e assuma escolhas.
Entre os setores que urge
reanalisar e ajustar às lições da Covid-19 conta-se o sistema de segurança
interna, nas suas múltiplas variáveis, nomeadamente quanto à sua componente de
gestão de crise.
O sistema vigente está alicerçado
em paradigmas que a pandemia veio questionar e, até, tornar obsoletos.
O recurso a secretários de Estado
para gerirem regionalmente a resposta à crise da Covid, num manifesto
reconhecimento da necessidade de um nível intermédio de responsabilidade
política entre o central e o municipal; a pretensa reorganização regional do
sistema de proteção civil, com a criação de sub-regiões sem a adequada
solidificação das estruturas de agregação municipal; a utilização das Forças
Armadas como força de vigilância policial; a fragilidade estrutural da saúde
publica e da Segurança Social, do qual o dossier dos lares é um expressivo
exemplo; a criação de um sistema de planeamento civil de emergência,
burocraticamente instalado na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção
Civil (ANEPC) e liderado, por acumulação, pelo presidente desta entidade; a opção
política de sobrevalorizar o risco de incêndio florestal, no quadro da
segurança interna, (para o qual foi criada uma Agência, com significativos
recursos humanos e financeiros, na dependência direta do primeiro-ministro),
com a consequente desvalorização da restante matriz de risco do território
nacional; a falta de um programa de qualificação e dignificação dos recursos
humanos alocados à proteção de pessoas e bens, nomeadamente dos corpos de
bombeiros, são apenas alguns exemplos da inexistência de um projeto sistémico
integrado para o exercício da função do Estado, no domínio da gestão de crises.
É legítimo reivindicar ao Governo
uma nova política para a vertente da proteção de pessoas e bens, face às
situações de crise que se perspetivam para o futuro, tal como antevê todo o
conhecimento disponível.
A Covid constitui uma
oportunidade para mudarmos, para não voltarmos à normalidade e às soluções que
a vida demonstrou estarem erradas.
Estamos ainda na situação de
resposta à emergência, pelo que não é exigível que se façam agora as mudanças
necessárias. Mas este é o tempo certo para o Governo reconhecer que a conceção
sistémica no qual insiste (caracterizado pela produção de legislação avulso, a
fragmentação de órgãos e estruturas, a dispersão de tutelas ministeriais e a
confusão entre serviço (ANEPC ou Direção-Geral da Saúde) e sistema (Proteção
Civil ou Saúde Publica), constitui um grave erro que a pandemia tornou
indisfarçável.
Se este reconhecimento se
verificar, abrir-se-á então o caminho para a apregoada «revolução
tranquila» do sistema de gestão de crise e das respetivas estruturas de
suporte.
Entretanto, e até lá, não
abdiquemos do escrutínio das medidas avulsas que vão sendo adotadas pelo
Governo sem a reflexão que garanta a sua sustentabilidade e eficiência.
*O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)
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