Oposição rachou: parte dela já não sabotará as eleições parlamentares de 6/12. Esquerda, também. Além do PSUV, governista, irá as urnas a Aliança Popular Revolucionária, para quem Maduro desviou-se do programa de Chávez
Michele de Mello, no Brasil de Fato |
Faltam duas semanas para as eleições legislativas da Venezuela e, além das duas chapas majoritárias do campo governista e opositor, outros dois grupos disputam a preferência de 20,7 milhões de venezuelanos.
O campo chavista, pela primeira vez em 21 anos, sairá dividido entre o Grande Polo Patriótico e a nova Aliança Popular Revolucionária, promovida pelo Partido Comunista e outras três organizações: Luta de Classes, Esquerda Unida e um setor do Partido Pátria Para Todos.
Já pelo setor de oposição, além da Aliança Democrática, outra parte do chamado G4, grupo dos quatro maiores partidos de oposição, distanciou-se da figura de Juan Guaidó, que insiste em convocar abstenção, e formou a Aliança Venezuela Unida.
Reconfiguração da direita
O atual presidente da Assembleia Nacional, deputado Luis Parra, foi um dos primeiros a denunciar a falta de democracia dentro do seu antigo partido, Primeiro Justiça (PJ). Ele e outros parlamentares de estados do interior do país, rebelaram-se contra suas direções e entraram com uma ação no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) para expressar que a maioria da legenda queria participar das eleições de 6 de dezembro.
O PJ é a organização de figuras como Henrique Capriles, Júlio Borges e foi o berço político de Leopoldo López. Parra, assim como outros deputados que entraram com a ação no TSJ foi expulso da organização e criou o partido Primeiro Venezuela, que encabeça a aliança minoritária de mesmo nome.
O partido de Juan Guaidó, Vontade Popular também rachou. No entanto, os deputados que desejam participar poderão usar a legenda do partido, mas durante a campanha estão aglutinados na Aliança Venezuela Unida.
Entre as propostas, está o fim da confrontação política entre os poderes Executivo e Legislativo, além de maior atenção à população no interior do país. Procurados pela reportagem para comentar suas propostas, os candidatos da chapa Venezuela Primeiro não responderam.
Aliança Popular Revolucionária
Já pelo campo da esquerda, a Aliança Popular Revolucionária (APR) denuncia a falta de compromisso do partido governante, PSUV, com o programa político unitário estabelecido nas eleições presidenciais de 2018.
Por isso, decidiram fundar uma nova aliança que, além de concorrer às eleições legislativas, buscará formar um novo polo para aglutinar trabalhadores, estudantes, camponeses e representantes das comunas.
Com 96 candidatos à lista nacional e outras postulações regionais, a chapa aposta na reunificação de setores populares que apoiaram a eleição de Hugo Chávez e a formação do projeto bolivariano.
“Para nós, mais que a questão eleitoral, é a crise do modo de acumulação do capitalismo dependente e rentista venezuelano, agudizado pela agressão do imperialismo estadunidense e europeu, e por um conjunto de políticas públicas, que em nossa opinião, beneficia os interesses do capital e não as grandes massas”, afirma Oscar Figuera, primeiro da lista de postulantes da APR.
Para aumentar a arrecadação do Estado e superar a situação de crise econômica, a APR defende uma reforma tributária que aumente os impostos sobre os empresários e diminua sobre o consumo.
A alíquota atual do Imposto de Valor Agregado (IVA) é de 14% e incide sobre todas as mercadorias e produtos comercializados no país.
A Venezuela está entre os países que menos arrecadam impostos na América Latina. Os tributos representam apenas 9% dos fundos públicos, enquanto no Brasil a cifra chega a 33%.
Os membros da aliança chavista também propõem o fim dos convênios de dupla tributação, que permitem que transnacionais não paguem impostos no território venezuelano se já estiverem contribuindo com seu Estado de origem.
Figuera assegura que a sociedade venezuelana já amadureceu a ideia de que é necessário aumentar o controle sobre o capital financeiro e os monopólios.
“E o governo do presidente Nicolás Maduro, uma das fórmulas que propôs, e não desmentiu, mas bem defendeu, e foi apresentada ao país por um dos seus ministros, é a de criar uma burguesia revolucionária e nós não concordamos que é possível existir uma burguesia revolucionária no capitalismo”, afirma o dirigente comunista.
Lei antibloqueio
A APR defende a expropriação de empresas que colaboram com o bloqueio econômico, imposto pelos Estados Unidos e União Europeia. E afirma que somente o controle operário poderá garantir o bom funcionamento da indústria e impedir atos corruptos.
“Uma parte importante da oligarquia tradicional e dos neoburgueses assimilou que a maneira de enriquecer-se é aprofundando a dependência do país com a importação, ao invés de desenvolver as forças produtivas internas, o mercado interno da Venezuela, preferem comprar no exterior”, assinalou Figueras.
As organizações que compõem a APR acompanharam as críticas do chavismo à lei antibloqueio, aprovada em outubro pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Denunciam que a legislação abre brechas para reprivatizar setores estratégicos da indústria nacional e para diminuir a transparência do Executivo em relação ao Legislativo e à sociedade venezuelana.
“Consideramos ser necessário reverter os aspectos dessa lei que são contrários aos interesses do povo da Venezuela. O desenvolvimento não tem porque ser ocultado. Uma política que serve para o povo, por que deve ser ocultada?”, questiona o secretário geral do PCV.
Os candidatos da maior chapa de direita, a Aliança Democrática, afirmaram que poderiam unir-se aos chavistas da APR na Assembleia Nacional para ter votos suficientes para revisar o texto da lei antibloqueio. No entanto, para Figuera, os elementos substantivos da proposta fazem parte dos acordos estabelecidos na Mesa de Diálogo Nacional entre o governo e esse setor da oposição.
“Quem está comprometido com a política do capital, não lhe interessa o desenvolvimento soberano da Venezuela. Então não existe possibilidade de aliança com esses setores”, sinaliza o candidato.
Como outra medida para a recuperação da economia, que retraiu 60% nos últimos cinco anos, defendem a elaboração de uma plano emergencial de recuperação que ofereça insumos e créditos aos pequenos produtores e comunas rurais.
A APR assegura que nos programas, como o Plano Cultivo 2020, criados pela administração de Nicolás Maduro, a burguesia agrária é quem termina sendo beneficiada, ao invés dos camponeses. “Não basta o investimento, senão também o sujeito social capaz de fazer a transformação”, declara Figuera.
Petróleo
Já para a indústria petrolífera, central para a economia venezuelana, acreditam que é possível recuperar poços no sul do Lago de Maracaibo, estado Zulia, que ainda são capazes de produzir petróleo do tipo leve, que exige menos investimento para o refino se comparado às reservas da Faixa do Orinoco, que fornecem petróleo do tipo pesado.
Se eleito, Figuera pretende retomar o projeto de lei de criação de Conselhos Socialistas de Trabalhadores, proposto há dois anos, para conformar núcleos nos locais de trabalho que acompanhem os processos de produção, distribuição e comercialização, e assim desmontar a especulação.
“Um novo modelo de gestão, de concepção de Estado, onde participem os trabalhadores e trabalhadoras, representantes da rede de comunas e o Estado venezuelano em um esquema de construção, supervisão e fiscalização da política e dos planos, de maneira integrada. Para golpear a corrupção. A corrupção não vai ser golpeada apenas com controladoria institucional, necessitamos controle social”, conclui Oscar Figuera.
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