quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Forças senegalesas expulsam rebeldes de Casamansa da fronteira com a Guiné

Os militares senegaleses desencadearam, a 26 de janeiro, uma ofensiva contra o estado-maior dos separatistas do MFDC. Guerrilheiros acusam as forças da Guiné-Bissau de acordarem com os senegaleses a entrada destes em território guineense para os "caçar".

A região de Casamansa no sul de Senegal e fronteiriça da Guiné-Bissau foi pela quinta vez palco de tensão entre os rebeldes do Movimento das Forças Democratas de Casamansa (MFDC) e as Forças Armadas da República do Senegal. Sob a batuta do comandante da zona militar número cinco, o coronel Suleimane Candé, os militares senegaleses desencadearam, a 26 de janeiro, uma ofensiva contra o estado-maior dos rebeldes do MFDC na floresta de Sikum no setor de Bitupa Camaracunda. A operação levou os guerrilheiros a acusarem as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) da Guiné-Bissau de celebrar um acordo com os senegaleses que permitiu a militares de Dacar entrar no território guineense para "caçar" os guerrilheiros do MFDC. Por seu lado, o comandante Candé fala em "boa colaboração das FARP" na execução da operação de reinstalação da população que fugira das vilas de Billas, Albondi, Nhadju, Samilique e Late Madina.

Os rebeldes lutam nas florestas de Casamansa desde 26 de dezembro de 1982, a data em que numa marcha de jovens casamansenses liderada pelo padre Augustin Diamacoune Senghor tiraram a bandeira do Senegal do edifício da administração de Ziguinchor e colocaram a bandeira branca de Casamansa. Até finais do século XIX, o território pertencia a Portugal, que o cedeu a França, potência colonial do Senegal até 1960.

Os rebeldes do MFDC perderam agora o seu estado-maior e estão em fuga. Ninguém sabe muito bem onde estão escondidos. Quem chega hoje às tabancas de Papia, Nhalon, Mangomica I, Mangomica II e Brenguilon, a dois quilómetros da fronteira da Guiné com a República do Senegal e a escassos metros do estado-maior dos rebeldes, não vê qualquer guerrilheiro. O seu estado-maior é agora irreconhecível. Sofreu um forte bombardeamento por helicópteros das forças especiais senegalesas. O incêndio que se seguiu consumiu não somente o estado-maior dos rebeldes, mas também as plantações de cajueiros dos agricultores guineenses que se encontravam na linha da fronteira. O que levou as FARP e a Brigada da Guarda Nacional , que garantem a segurança de todas as tabancas da linha da fronteira, a declarar as quintas de cajueiros e os campos de cultivo zona de risco. Proibiram a população de se deslocar em todas as zonas das plantações que estão a menos de 500 metros da fronteira. Consideram que existe um risco enorme de os agricultores guineenses pisarem uma mina que os rebeldes do MFDC enterraram nos terrenos agrícolas muitos próximos ou na linha da fronteira.

"Não vimos aqui nenhum rebelde"

A presença das FARP e da Brigada da Guarda Nacional em todas as tabancas da linha da fronteira explica porque os populares insistem em dizer à imprensa a mesma frase: "Não vimos aqui nenhum rebelde." Todos os habitantes das tabancas de Papia, de Nhalon, de Mangomica I, de Mangomica II e de Brenguilon que o DN abordou sobre a fuga dos rebeldes responderam com a mesma frase. O exemplo mais sintomático destas respostas programadas é do Comité da Tabanca de Papia, Barrato Ianca, a garantir que desde o início das operações na floresta de Sikum não viu nenhum rebelde do MFDC na sua zona. Curiosamente, ninguém na povoação junto à fronteira sabe explicar como é que os rebeldes que quase todos os dias conviviam com eles fugiram da floresta. Eram os rebeldes que até agora lhes vendiam carne de caça de qualidade para consumo familiar.

"Desde que as tropas senegalesas desencadearam a operação na floresta de Sikum, nunca mais vimos por aqui na tabanca nenhum rebelde", explicou o ancião Barrato Ianca, que garante ainda que com a chegada das FARP e da Brigada da Guarda Nacional à sua aldeia a população acalmou. Também pelo mesmo diapasão, o comandante do exército que dirige as FARP estacionadas na escola básica da tabanca de Papia, Ansumane Djata, garantiu ao DN "desde que cheguei com os meus homens não vimos nenhum rebelde do MFDC. Todas as informações de fuga de populações e de que nós estamos a deter rebeldes em fuga é fake news."

Na tabanca de Nhalon, a dois quilómetros da fronteira com o Senegal, o clima de medo que reinava quando os militares senegaleses desencadearam a operação contra os rebeldes na floresta de Sikum já passou. A presença das FARP e da Brigada da Guarda Nacional trouxe confiança à população local. Ninguém pensa agora em abandonar a sua casa para se refugiar noutra tabanca mais segura no interior do setor de Ingore ou de São Domingos.

Em declaração ao DN, o Comité da Tabanca de Nhalon, Alberto Mendes, explica que "no início estávamos com bastante medo. O barulho dos aviões do Senegal não deixava ninguém dormir. Assustámo-nos bastante e até estávamos a pensar tirar as crianças e as mulheres daqui". Alberto Mendes garante que a chegada das FARP e da Brigada da Guarda Nacional conseguiu devolver a confiança à população, que já não quer sair.

Festa com música

Nas tabancas de Mangómica I e Mangómica II, a três quilómetros da linha de fronteira, os jovens já não se preocupam com o barulho dos bombardeamentos ao estado-maior dos rebeldes do MFDC. Quando o DN chegou às duas tabancas ao cair da noite, os jovens estavam a começar uma festa de batizado de uma criança, com uma aparelhagem que fazia um enorme barulho. Questionados se o barulho não poderia levar os rebeldes do MFDC a atacarem as duas tabancas, a opinião dos jovens foi unânime: neste momento a população das tabancas na linha de fronteira está mais bem protegida do que a de Bissau.

Todavia, os bombardeamentos têm sido frequentes e intensos na floresta de Sikum, não sendo possível as FARP e a Brigada da Guarda Nacional garantirem a segurança das mulheres guineenses que trabalham nas plantações e nas quintas de caju na linha de fronteira. Para além de não haver segurança para desenvolver as atividades agrícolas nas propriedades a menos de 500 metros da fronteira, as bombas senegalesas já estão a destruir algumas quintas de caju na zona de risco. Foi o que aconteceu a Uié N"Doque, agricultor de Tarreiro cuja quinta foi totalmente consumida pelo fogo das bombas. Tudo porque a propriedade está situada quase em cima da linha da fronteira com o Senegal e a escassos metros do estado-maior dos rebeldes na floresta de Sikum.

É quando se pisa na Quinta de Uié N'Doque que se percebe que os rebeldes do MFDC estão em fuga. Ninguém sabe para onde fugiram nem quantos perderam a vida. Na floresta de Sikum reina agora um silêncio total. A única voz que se ouve nas árvores de grandes portes é a dos pássaros.

A população das tabancas da linha de fronteira perdeu a carne de caça que os guerrilheiros do MFDC costumavam vender. Os rebeldes também utilizavam as infraestruturas rodoviárias das tabancas para vender madeiras preciosas aos empresários estrangeiros que vivem na Guiné-Bissau ou no Senegal.

À procura de uma nova floresta

A maioria da população das tabancas não sabe como é que os rebeldes do MFDC saíram da floresta. Mas alguns populares garantem ao DN ter visto pela calada da noite centenas de guerrilheiros a movimentar-se para o leste da Guiné-Bissau à procura de uma nova floresta onde instalar o estado-maior. O que lhes poderá dar uma nova capacidade de resposta face à ofensiva das tropas do Senegal. Estas garantem que nada distingue os rebeldes de Casamansa do cidadão comum do Senegal e da Guiné-Bissau, uma vez que não usam fardas. Portanto, ninguém sabe o que estão a fazer para chegar a uma nova floresta densa.

Em comunicados, as FARP alertaram a população da Guiné-Bissau para não se envolver na guerra entre os guerrilheiros casamansenses e os militares senegaleses. Os estrategas garantem que os guerrilheiros de Casamansa são muito bons nas técnicas ditas de palmeiras e no ataque com quatro homens na linha da frente na floresta. Com esta operação contra o seu estado-maior, as três fações do MFDC estão a construir uma estratégia que leve à sua união. Os estrategas da guerra da guerrilha garantem que é com a instalação do novo estado-maior que os rebeldes do MFDC irão conseguir analisar no plano interno e externo as razões e consequências dos bombardeamento das tropas senegalesas na floresta de Sikum.

A população das aldeias senegalesas próximas da floresta de Sikum deixou os campos agrícolas há quatro décadas, quando a guerra começou naquele setor de Casamansa. Acreditam ainda que os militares dirigidos pelo coronel Suleimane Candé estão a combater também o tráfico ilegal da madeira. Por isso, aplaudiram quando a 28 de janeiro os militares anunciaram a intenção de neutralizar os elementos do MFDC na floresta de Sikum, que acusavam de abusar da população. No início de 2018 ressurgiu em Casamansa a violência com o massacre na floresta de Bofa que resultou na morte de 14 homens que tinham ido cortar madeira. O exército de Senegal prendeu na altura 20 suspeitos que ainda aguardam julgamento.

Conflito com 39 anos

Casamansa está em conflito há 39 anos. A maior consequência é a perda incalculável de vidas humanas, os deslocados de guerra e milhares de refugiados em território da Guiné-Bissau. O presidente Abdou Diouf que governou o Senegal durante 12 anos (1981-2000) gastou em Casamansa 17 mil milhões de francos CFA (quase 26 milhões de euros). O seu sucessor Abdoulaye Wade que prometera acabar com o conflito em Casamansa em cem dias, gastou até ao fim do seu mandato 22 mil milhões de Francos CFA (mais de 36 milhões de euros). Mas não conseguiu sequer um acordo duradouro com os rebeldes do MFDC. Também o atual presidente senegalês Macky Sall, no poder há cinco anos, não conseguiu negociar um acordo de paz.

O responsável pelo processo de negociações de paz em Casamansa entre os rebeldes MFDC e o governo do Senegal, Robert Sanhá, remeteu-se ao silêncio. Os observadores e analistas garantem que Sanhá perdeu agora uma soberana oportunidade de convocar as duas partes para a mesa de negociações. Para os analistas, o mediador devia ter aproveitado logo quando se ouviu os primeiros tiros no setor de Bitupa Camaracunda para convocar as partes em conflito para uma reunião na qual podiam pelo menos discutir a autonomia da região.

Foi numa convenção assinada em 1886 que Casamansa, na altura o "coração" do império português na região, passou para a França, integrando-se no território do Senegal. Dos 243 anos de presença portuguesa na região só resta em Ziguinchor o crioulo-português.

António Nhaga, em Casamansa | Diário de Notícias

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