quarta-feira, 31 de março de 2021

Geração dos 70 aos 79 anos deve ser protegida? Parece que não!

Vacinação. "Segunda fase deverá ser só por idades, senão geração dos 70 aos 79 anos fica para trás"

Processo de vacinação tem levantado questões em muitos países. Em Espanha, o alerta vai agora para a "geração sanduíche", os nascidos entre 1942 e 1956, que estão na faixa entre os 70 e os 79 anos, que estão a ser deixados para trás na vacinação. Em Portugal, "acontece o mesmo", diz o bastonário dos médicos, apesar de serem um grupo de risco.

Luís e Isabel são um casal, têm 79 e 74 anos e vivem em Lisboa, numa das freguesias mais antigas da cidade. Um e outro não têm patologias que consideram graves para a sua idade. Luís é hipertenso, todos os dias tem de tomar medicação. Maria também. Ele tem ainda diabetes, faz medicação, embora não esteja agarrado à insulina, "só tomo comprimidos", explica, e já só anda com o apoio de uma bengala devido a um problema numa perna. Isabel, tirando o medicamento da tensão e do colesterol, que vai oscilando sempre acima do valor máximo - "o valor máximo é de 200, eu vou oscilando entre os 227 e os 250 e a minha médica de família além de me mandar ter cuidado com a alimentação quer isto controlado com medicação" -, nada mais tem. Como nos dizem, "estamos bem. Fazemos as nossas caminhadas e a nossa vida, mas começa a preocupar-nos não sabermos quando vamos ser vacinados e se vamos continuar a ser deixados para trás".

Desde o início da pandemia que Luís e Isabel têm imenso cuidado com a proteção individual, mas continuam a ser o ponto de apoio na vida da filha com duas crianças, uma com mais de 2 anos e outra agora com mais de 6 meses. São um casal informado, sabiam que não estavam dentro dos grupos prioritários definidos pela Comissão Técnica de Vacinação da Direção-Geral da Saúde (DGS), mas quando começaram a perceber que havia as pessoas com 80 e mais anos a serem integradas, outros grupos, como professores, questionaram o seu centro de saúde se estariam já na lista da próxima fase. A resposta que receberam deixou-lhes dúvidas: "Não se sabe. Primeiro vão ser vacinadas as pessoas a partir dos 50 anos com patologias graves."

Luís e Isabel fazem parte da "geração sanduíche", como já foi classificada pelos espanhóis. Ou seja , a geração nascida entre 1942 e 1956, que está entre os 70 e os 79 anos sem patologias graves associadas. Especialistas espanhóis, e como refere o jornal El País, na sua edição de ontem, alertam agora para o facto de ser uma geração, que está a ver os maiores de 80 anos a serem vacinados e os menores de 65 também, precisamente por estarem "ensanduichados" entre duas gerações - por uma questão de idade, em relação à primeira, por muitos não terem patologias consideradas graves, e em relação à segunda pelo facto de a vacina da AstraZeneca não ser recomendável naquele país a partir dos 55 anos. Uma situação que atrasou o processo de vacinação.

Em Portugal, passa-se o mesmo, confirma ao DN o bastonário dos médicos. Miguel Guimarães, como representante da Ordem, tem sido dos que desde dezembro têm vindo a defender que, tirando alguns grupos assumidamente de risco, como os profissionais de saúde, o único critério para a vacinação deveria ser o da idade, que é o que tem sido utilizado na maior parte dos países da União Europeia. E explica porquê: "É bom que as pessoas tenham a noção de que a mortalidade provocada pela covid-19 na faixa etária acima dos 80 anos é de 14% e a taxa de mortalidade da faixa dos 70 aos 79 anos é a segunda maior, e vem por aí abaixo."

Portanto, argumenta, "esta segunda fase da vacinação, que deve ser iniciada no mês de abril, deveria ser por idades, porque senão o que vai acontecer é que uma fatia grande de pessoas da faixa etária dos 70 aos 79 anos vai ficando, claramente, cada vez mais para trás, quando têm um risco de mortalidade mais elevada do que algumas pessoas que estão a ser vacinadas neste momento, como os professores, alguns com 20 ou 30 anos, o que não é sequer comparável".

O bastonário sublinha mesmo que Portugal já fez o que deveria ter feito: "Vacinou os grupos assumidamente considerados de risco pela Organização Mundial da Saúde, os profissionais de saúde, porque precisamos destes para tratarem de nós e porque estão expostos a um maior risco, não é a mesma coisa estar a dar aulas ou a ver 30 ou 80 doentes, os cuidadores em lares, a população residente nestes e os maiores de 80 anos. Agora, o que deve ser feito é precisamente o que a Ordem tem vindo a propor: vacinar por idades. De cima para baixo, porque assim estaríamos a garantir a vacinação às pessoas mais frágeis pela idade e a todas as outras." Reforçando: "A geração dos 70 aos 79 anos ainda é um grupo grande de risco que precisa de ser protegido, independentemente das doenças que tem."

Para o representante dos médicos, que diz que a questão da vacinação a esta geração, bem como a questão da vacinação aos infetados há mais de 90 dias, como profissionais de saúde e aqueles com mais de 80 anos, tem sido abordada no gabinete de crise da Ordem e até com a DGS, mas não têm conhecimento de qualquer alteração sobre estas situações para a próxima fase. Miguel Guimarães refere mesmo que tais situações só trazem dúvidas e questões à população.

"Não faz sentido tornar-se a classe de professores prioritária, o que só posso aceitar por uma questão de resiliência e manter as escolas a funcionar, e não se vacinar a geração dos 70 aos 79 anos, doentes transplantados, dos quais, diz, se tem falado muito pouco e que precisam de estar inoculados porque têm um órgão que não é seu que precisa de funcionar, e até as pessoas de grupos de risco que foram infetadas há mais de 90 dias. A segunda fase do plano de vacinação aprovado em Portugal contempla a inoculação de 1,8 milhões de pessoas com mais de 65 anos, mas, destas, mais de 900 mil têm patologias associadas. Como dizem Luís e Isabel, "se as vacinas estão a chegar a conta-gotas, quando seremos vacinados?".

Logo no início da aprovação deste plano, o líder da task force para o processo de vacinação, na altura ainda o ex-secretário de Estado Francisco Ramos, disse tratar-se de um plano que "não pode estar fechado", devendo ser "constantemente atualizado", não só pelo número de vacinas que se fosse recebendo como pela integração de outros grupos que se venha a provar serem de risco. Isto mesmo já aconteceu com os maiores de 80 anos que não estavam integrados nos prioritários da primeira fase e que estão a agora a ser vacinados. Mas, de acordo com o que apurou o DN, não estão previstas mudanças no plano de vacinação para já.

Em Espanha, a população entre os 55 e os 65 anos já começou a receber a vacina da AstraZeneca na semana passada em algumas regiões, enquanto a "geração sanduíche" ainda só deve ser vacinada mais para a frente, apesar de toda a evidência científica já adquirida revelar que a taxa de mortalidade é tanto mais elevada nas faixas etárias mais elevadas, a partir dos 70 anos.

Portugal, e de acordo com o boletim diário da pandemia da DGS, tem a segunda maior taxa de mortalidade. Desde o início da pandemia já foram infetadas 54 518 pessoas, das quais morreram 3573.

Ana Mafalda Inácio | Diário de Notícias

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