Victor Ângelo* | Diário de Notícias | opinião
O húngaro Viktor Orbán, o polaco Jaroslaw Kaczynski e o turco Recep Erdogan voltaram a ser lembrados nesta semana como três das grandes ameaças à continuidade da UE. O relatório agora publicado pela Comissão Europeia sobre a situação do Estado de direito nos países membros coloca em evidência os dois primeiros. A crise na Líbia põe de novo em cena o terceiro. Todos eles fazem parte das preocupações quotidianas de quem quer construir uma Europa coesa, baseada nos valores da democracia, da tolerância e da cooperação.
O relatório confirma o que já se sabia sobre o primeiro-ministro húngaro. Orbán manipula a opinião pública do seu país, abusa do poder para reduzir ao máximo o campo de ação dos seus adversários e ataca a liberdade de imprensa, a atuação da sociedade civil e a autonomia académica. As suspeitas de corrupção na atribuição de contratos públicos a empresas ligadas aos seus e ao partido no poder assentam em indícios muito fortes. Para apimentar ainda mais uma salgalhada pouco democrática e muito opaca, vieram agora a público acusações sobre a utilização pelos serviços secretos da aplicação informática Pegasus, para espiar os jornalistas e outros que se opõem à sua má governação. É tudo isso e não apenas a nova lei sobre homossexualidade. Mas o homem é astuto. Está a reduzir o conflito com Bruxelas a uma dimensão que nem em jogo está - a proteção das crianças e dos adolescentes. E depois anuncia que haverá um referendo nacional sobre esse tema, certamente enviesado à maneira.
A luta contra a corrupção e pelo bom funcionamento da justiça, sobretudo a sua independência, são dois aspetos fundamentais do projeto europeu. Foi a questão da justiça que fez aparecer a Polónia em letras gordas no relatório atrás referido. O partido ora no governo, impropriamente chamado Direito e Justiça (PiS), liderado pelo ultraconservador Kaczynski, tem feito tudo para subjugar os magistrados ao poder político e para ignorar Bruxelas, sempre que cheira a crítica. Assim, o presidente do Supremo, nomeado pela mão do PiS, não quer reconhecer a primazia e a autoridade do Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão Europeia deu-lhe um prazo até meados de agosto para aplicar duas decisões do tribunal europeu, o que revela a existência de um conflito aberto entre Bruxelas e Varsóvia.
As políticas seguidas pelos governos destes dois países afetam a integridade da União e abrem a porta para que outros adotem comportamentos semelhantes. O facto de a presidência neste segundo semestre ser assegurada pelo primeiro-ministro esloveno - um político confuso, que por vezes olha para Orbán com alguma admiração - não ajuda nada.
Fora das fronteiras da UE, Erdogan continua a ser um pesadelo. Aos conflitos relacionados com a Grécia e Chipre, junta-se a crescente presença turca na Líbia. Este país tem uma importância estratégica enorme, como ponto de partida de imigrantes ilegais rumo à Europa. Erdogan já manda nos portões de passagem no Mediterrâneo Oriental. A sua influência na Líbia permitir-lhe-á controlar os fluxos na rota central. Como reação, a UE está a preparar o destacamento de uma missão militar para a Líbia. A motivação principal é a de fazer concorrência à Turquia no terreno. É um erro. A Líbia é um xadrez extremamente complicado, onde jogam vários países, incluindo a Rússia. Não há um processo político claro, para além de uma vaga promessa de eleições em finais do ano. Uma missão militar como a que está a ser planeada tem uma alta probabilidade de fracasso e atolamento sem fim nas areias movediças secas de um país fragmentado. A UE não pode aprovar de ânimo leve uma intervenção deste género. Entretanto, os cargueiros turcos continuam a passar nas barbas da operação naval e aérea europeia IRINI, que deveria servir para controlar o embargo de armas aos beligerantes líbios.
Orbán e os outros são um verdadeiro perigo. Mas o título desta crónica é obviamente provocatório. O colapso não está no horizonte. Serve, no entanto, para sublinhar que, nestas coisas de valores e de relações externas, a UE tem de tomar posições de princípio inequívocas. É uma questão de se fazer respeitar. O respeito é uma condição essencial para que haja futuro.
*Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral adjunto da ONU
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