Angola: Centenas de famílias a viver em cemitérios vão ser desalojadas
Na província angolana de Malanje, a administração municipal vai demolir este ano todas as casas construídas em cemitérios de cinco bairros periféricos. Os moradores não querem abandonar o local e prometem resistir.
Há casas a emergir como cogumelos em espaços onde se realizam enterros. As pessoas tentam levar as suas vidas em locais onde jazem corpos de pessoas mortas. A situação repete-se um pouco por cada canto da cidade de Malanje, nos cemitérios da Kizanga, Kangambu Ocidental, Kanámbwa e Carreira de Tiros.
Arsénio Felipe improvisou uma casa no cemitério da Carreira de Tiros. Tal como outros moradores, diz que não pretende abandonar a sua nova residência. "Se eles aceitarem nos darem casa, nós podemos aceitar sair daqui. Mas, se não houver nada, se não nos derem casas, ninguém vai sair daqui", assegura.
Cerca de 500 pessoas continuam a morar aqui. Mesmo com as três operações de demolição que ocorreram nos últimos seis meses deste ano, a população resiste a abandonar os locais.
Um "filme de terror"
Catarina Moisés ainda recorda o "filme de terror" que viveu. "Sempre vão estar a vir nos demolir, esse não é o primeiro bairro nem o segundo bairro a estar por cima das sepulturas. As pessoas já perderam cimento - o saco está a 4.000 kwanzas (cerca de 5 euros)", relata.
E quando chove, lamenta esta moradora, "as pessoas dormem por cima de água, as crianças não conseguem dormir."
Carlota Mwena e Cecília José são outras residentes do cemitério de Kangambu Ocidental que estão apreensivas com o drama das futuras demolições, que não são novidade para elas.
"Já me partiram duas vezes esta casa. Quando me partirem a casa, vou morrer. Vou para onde? Não tenho sítio para onde ir!", diz. "Queremos ficar à vontade. Não queremos que coisas do género venham a acontecer porque aqui nunca deram lotes de terreno", acrescenta Cecília.
"Jamais vamos permitir que os vivos coabitem com os mortos"
Em declarações à DW África, Gourgel Ndala, diretor dos Serviços Comunitários de Malanje, promete um braço de ferro a todos aqueles que construírem casas em cemitérios. "Jamais vamos permitir que os vivos coabitem nos mesmo espaços com os mortos. Naturalmente relativamente àqueles que não abraçarem estas orientações, vamos agir coercivamente", alerta.
Mais de 200 famílias ficaram ao relento aquando das demolições passadas. Este ano, deverão ser desalojadas mais de uma centena de famílias, de acordo com Ndala. "Para algumas zonas, de certeza que este ano acontece. Acredito que temos aí acima de uma centena de famílias ainda a adotarem essas práticas", calcula.
O processo de restauração dos cemitérios é uma iniciativa da administração local. Apesar de não esclarecer com detalhes, o responsável dos serviços comunitários garante que haverá possibilidades para a realocação da famílias.
"Há neste preciso momento políticas a serem criadas no sentido de se encontrarem espaços e legalmente serem atribuídos a estas famílias", diz. E também estão em curso trabalhos de limpeza de alguns espaços para essas famílias poderem ser beneficiadas.
Ativistas de direitos humanos denunciam irregularidades neste processo. O padre Dionísio Amaral pede prioridade para as pessoas vivas durante este processo. "Primeiro é encontrar o espaço para as pessoas serem alojadas e daí se pode demolir. Mas não se pode fazer outra coisa, senão é um atropelo aos direitos humanos", sublinha.
Nelson Camuto | Deutsche Welle
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