Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Portugal continua a ser dos países europeus em que os cidadãos mais dificuldade têm para fazer férias: quase 40% das famílias não consegue fazê-las fora de casa. No entanto, somos um país de turismo e nos próximos meses vários congressos internacionais sobre o tema serão realizados no Continente e Ilhas.
Este setor e o imobiliário pesam muito na economia e têm marcado a evolução do seu perfil, em vários aspetos negativamente. São factos de primordial importância no quadro da implementação de políticas para a recuperação económica e melhoria das condições de vida dos portugueses, nomeadamente, em torno do Plano de Recuperação e Resiliência e do Orçamento do Estado.
No Caderno n.o 16, do Observatório Sobre Crises e Alternativas, intitulado "Turismo e pandemia: fragilidades da internacionalização sitiada da economia portuguesa", a sua autora, Ana Drago, situa resumidamente esta atividade no plano europeu e em particular no Sul da Europa. Quanto à discussão sobre o futuro do turismo expressa, "parece-nos pouco prudente fazer esse debate restringindo-o à perspetiva de que estamos a viver apenas um sobressalto no desempenho económico do setor", alertando que a crise pandémica não é a única justificação para "uma discussão mais aprofundada sobre as suas implicações no perfil de especialização da estrutura produtiva nacional" (pg.8).
O crescimento do setor exige análise de dinâmicas que o turismo e atividades conexas sofreram à escala europeia e até global, mas é preciso situar bem a sua evolução no plano nacional: no quadro da secundarização a que foram votadas atividades industriais; das privatizações de setores com potencial exportador; da financeirização da economia; dos condicionalismos impostos pelo modelo da União Económica e Monetária do Euro. Muito em particular, importa ter presente os objetivos inscritos no "Memorando de Ajustamento" que, como é mencionado no Caderno, assentava na "trilogia política que somava liberalização de mercados; uma orientação para a captação de investimento estrangeiro e procuras externas; e uma desvalorização salarial".
É um facto que o turismo deu um contributo significativo para a criação de emprego e para o crescimento económico a partir de 2014. E passou a ser referenciado pelos empresários e governantes como importante setor exportador. Ora, o turismo e o imobiliário orientam-se "essencialmente para a rentabilização, valorização e/ou alienação de ativos não-deslocalizáveis, presos no território". Esta caraterística estrutural, associada à dificuldade de se conseguir um grande salto de qualidade no turismo, conduz a que "num mesmo movimento, se valorizem ativos patrimoniais e se desvalorize o trabalho".
Portugal é, assim, um país com uma "internacionalização sitiada e frágil" e com excesso de terciarização, sendo as atividades de menor produtividade do trabalho e não-deslocalizáveis aquelas que tiveram maiores taxas de crescimento. O predomínio daquela "especialização" tolhe a internacionalização de outros setores de bens e serviços, nomeadamente de base industrial, e secundariza reformas imprescindíveis na estrutura produtiva, que tomem a sério a (re)industrialização verde, ou novos clusters como o mar e a saúde.
Se a nossa especialização assentar no turismo e no imobiliário voltamos ao mesmo, porventura agravado: baixas qualificações, baixos salários, muita precariedade, desertificação e emigração.
*Investigador e professor universitário
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