quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A RETIRADA AMERICANA DO AFEGANISTÃO

Octávio Serrano* | opinião

A retirada americana do Afeganistão foi uma verdadeira miséria; mal prevista; mal planeada; mal organizada; mal concretizada; uma grande “dor de barriga”, que foi adiada durante muitos anos, mas que dada a indefinição da intervenção militar americana, muito dificilmente teria outro resultado.

O Regime dos Talibans anterior ao 11 de Setembro assentava principalmente numa interpretação fundamentalista da religião muçulmana, adicionada a um conjunto de costumes tribais especialmente retrógrados da tribo dos pachtuns; a tribo mais populosa do Afeganistão! A qual se conseguiu impôr ditatorialmente, à maior parte dos outros povos e etnias afegãs, impondo-lhes a sua visão retrograda da sociedade! A afinidade do extremismo religioso e politico da Al-Qaeda e outros grupos, com os talibans, permitiu que estes, se transformassem em aliados destes grupos terroristas; como se sabe, os ataques do 11 de Setembro, partiram do Afeganistão; na altura os EUA impuseram aos Talibans um ultimato; ou entregavam a direcção da Al-Qaeda, ou eram invadidos; ora, uma das regras tribais dos Pachtuns, era a de não poderem entregar um amigo ou aliado, sucedesse o que sucedesse; resultado, os EUA foram quase obrigados a invadir o Afeganistão, com o objectivo de destruir os grupos fundamentalistas, onde foram incluídos os talibans.

A vitória e destituição do poder foi fácil; os americanos, entraram em estilo “cow boy”, e ganharam a primeira batalha; mas quanto a destruírem a Al-Qaeda ou derrotarem definitivamente os talibans, não foi assim tão fácil, como o provaram 20 anos de guerra; mas como o objectivo americano nunca terá sido a ocupação, ficaram entalados, numa guerra de guerrilha sem fim, sem poderem sair, sem mostrar a face da derrota; neste período os talibans camuflaram-se com a população rural, dominaram todo o esquema do tráfico de ópio e controlaram efectivamente a maior parte do país; enfim, tornou-se impossível derrota-los; assim, a guerra estendeu-se no tempo e passou a ser um foco de corrupção das elites locais, e uma fonte de rendimento para muita empresa americana, que trabalhavam nos mais variados sectores, em regime de sub-contratação; um sorvedouro imenso de dinheiros públicos do Orçamento de Estado da América.

A América tentou neste período criar um exercito afegão; mal pago, mal dirigido e com pouca vontade de combater; e possivelmente bem infiltrado pelo inimigo; o governo afegão e os seus dirigentes militares, eram formados por uma mescla de indivíduos de várias tribos, que na realidade só o dinheiro americano conseguia juntar; hoje, após se assistir ao desbaratar rápido do exército afegão, até se pode colocar em questão, se muita dessa gente que chefiava, não estava efectivamente pactuada com os talibans; só assim se explica, a entrega pelo “poderoso” exercito afegão, das capitais provinciais, sem luta , umas atrás das outras; com a honrosa excepção, dos tajiques; grupo étnico, que já se batia contra os talibans antes dos americanos chegarem.

Aptos militarmente, mas inaptos politicamente; os EUA seguiram uma receita, a da imposição de um regime democrático corrupto; culturamente inadaptada ao lugar; em vez de seguirem a receita do nacionalismo, incentivando a autonomia e independência das tajiques, hazares e usbeques, que estavam fartos dos talibans pachtuns, que os oprimiam; dividir para reinar, seria o lema; durante estes vinte anos, os americanos teriam tempo, para consolidar elites locais com interesses próprios, que se opusessem aos talibans; deveriam ter promovido a autonomia económica e social desses povos; chama-se a isto “real politik” táctica; foi o que fizeram os Talibans, que indemnizavam os agricultores de papoilas, quando os americanos lhas queimavam; a guerras não se ganham só com armas. E quando os americanos saíssem, certamente, essas nações estariam autónomas, e preparadas para se baterem denodadamente pelos seus interesses; e os americanos teriam amigos estratégicos.

Só se pode concluir por este fim apocalíptico, que os Americanos estavam completamente desfasados da verdadeira realidade afegã; que apenas a força das armas e a corrupção dos dólares lhes garantia a presença; entraram como cow-boys, saem como idiotas desprestigiados...

*Octavio Serrano-Pagina de Analise Politica | Facebook 

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